OAB dos médicos? 96% dos brasileiros defende prova para obtenção do CRM
O levantamento foi feito pelo Datafolha, a pedido do Conselho Federal de Medicina.

Virar advogado não é brincadeira: são cinco anos de faculdade, decorando pilhas de leis, encarando TCC e passando noites em claro para, no fim, encarar a temida prova da OAB. E não para por aí: concurso público e doutorado também não são exatamente um passeio no parque.
Médico, então, nem se fala. São seis anos de graduação, fora residência e especializações que podem se arrastar por anos a fio. Mas tem uma diferença: enquanto os formados em direito só podem atuar como advogados após fazer a prova da OAB, os médicos não passam por um exame nacional antes de começar a atender. Basta chegar vivo ao final da maratona acadêmica.
Um levantamento realizado pelo instituto Datafolha a pedido do Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que 96% dos brasileiros defendem a aplicação de uma prova para avaliar os recém-formados em medicina. Apenas 3% rejeitam a ideia e 1% preferiu não responder. O estudo ouviu 10.524 pessoas em 254 municípios, com margem de erro de um ponto percentual.
O debate ocorre em meio a uma expansão vertiginosa de faculdades de medicina no Brasil. O país saltou de cerca de 100 cursos de medicina no início dos anos 2000 para mais de 400 em 2025. Muitos deles não têm a infraestrutura hospitalar necessária para a formação adequada dos estudantes, segundo o CFM.
“Muitas escolas foram instaladas sem a mínima infraestrutura adequada, sequer com hospitais capazes de receber estudantes em regime de internato”, disse Alcindo Cerci, coordenador de ensino médico do conselho, para a Folha de São Paulo.
O apoio ao exame é consistente em todo o país, variando de 92% no Acre a 98% em Goiás. Para a maioria esmagadora — 92% —, a exigência de um teste de proficiência aumentaria a confiança no atendimento médico.
“Nós precisamos ter um balizamento da qualidade do médico que está sendo formado. Eu tenho certeza absoluta de que todos aqui presentes e todos que nos ouvem querem ser atendidos por médicos bem formados”, disse o conselheiro federal do CFM, Bruno Leandro de Souza, em uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal. “Tal qual já existe na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a prova da Ordem, nós também estamos lutando para fazer a prova de proficiência pelo CFM”.
Em países como Estados Unidos e Canadá, os exames de licenciamento são aplicados há décadas. O Brasil discute agora se seguirá o mesmo caminho. A proposta de criar um Exame Nacional de Proficiência em Medicina tramita no Senado desde 2024, sob autoria do senador Marcos Pontes (PL-SP). O projeto prevê que a aprovação na prova seja condição obrigatória para a obtenção do registro profissional nos Conselhos Regionais de Medicina (o CRM).
Para o presidente do CFM, José Hiran Gallo, os números da pesquisa refletem um desejo social por maior qualidade e segurança. “A aprovação da medida no Congresso é fundamental para elevar o padrão educacional e garantir competência mínima para o exercício da profissão”, afirmou à Folha.
Além disso, segundo Gallo, a prova obrigaria que as mais de 400 escolas médicas se adequassem às exigências do exame. Uma possível consequência seria que a quantidade de profissionais picaretas (como os que receitam tratamentos hormonais infundados) diminuiria drasticamente.
O governo federal também avança em direção a uma avaliação nacional. Em outubro, o Ministério da Educação aplicará pela primeira vez o Enamed, exame obrigatório para formandos em medicina. A prova servirá para aferir a qualidade das escolas médicas e poderá impactar diretamente a oferta de vagas e o acesso a programas federais de financiamento e bolsas.
Cursos que receberem notas mais baixas enfrentarão restrições severas, incluindo a redução de vagas e até mesmo a proibição de receber novos alunos, segundo o ministro da Educação, Camilo Santana.