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Noam Chomsky – Reinvenção da linguagem e uma eterna indignação

Noam Chomsky redefiniu a linguística na investigação do pensamento e tornou-se um inimigo feroz do governo americano.

Por Thales de Menezes
Atualizado em 1 nov 2019, 10h03 - Publicado em 1 nov 2019, 10h03

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SI_FilósofosPop_Chomsky_caps vezes é possível pensar que seria mais fácil analisar Noam Chomsky se ele fosse três. Um, talvez o mais importante, o teórico tratado como “o pai da linguística moderna”. Outro, uma das figuras mais relevantes da filosofia analítica. O terceiro, crítico feroz da política externa dos Estados Unidos. Tudo isso somado torna impossível discutir o pensamento humano na última virada de século sem recorrer à figura de Chomsky.

Aos 90 anos, ele é professor emérito de linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts desde 1955, e apresenta um trabalho associado a uma abordagem matemática das linguagens formais. O poder de comunicação do ser humano, segundo Chomsky, seria resultado de ferramentas cognitivas gramaticais inatas.

Menino prodígio nascido em 1928, na Filadélfia da Grande Depressão, Chomsky já disse que uma de suas primeiras lembranças na vida foi assistir a grevistas serem surrados por seguranças nas portas de fábricas. Filho de imigrantes judeus russos que eram ativistas radicais nos anos 1930, o garoto tinha 10 anos quando escreveu um editorial para o jornal da escola progressista que frequentava, enfocando a ascensão do fascismo na Europa depois da Guerra Civil Espanhola.

Aos 13 anos, Chomsky viajava a Nova York, onde um tio era dono de uma banca de venda de cigarros, revistas e jornais. Ali, o recém-adolescente passava horas conversando sobre política e economia com adultos que frequentavam o local. Como é comum para jovens que apresentam adiantado desenvolvimento intelectual, ele odiou seu período inicial na Universidade da Pensilvânia. Sua vida acadêmica mudou quando encontrou Zellig S. Harris, o homem que descreveu a linguística estrutural, propondo a divisão da linguagem em níveis distintos de complexidade.

Sensível à empolgação de Chomsky, Harris conduziu os estudos do jovem até o diploma de bacharel e o apresentou a filósofos inovadores, como Nelson Goodman. Apesar de ser um dos professores que Chomsky prezava, mestre e pupilo tinham propostas conflitantes. Goodman defendia que a mente humana estava vazia para receber informação desde a infância para aprender a se comunicar, enquanto Chomsky acreditava que conceitos básicos de linguagem são inatos.

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Entre o mestrado e o doutorado, Chomsky e sua mulher, a educadora Carol Schatz, moraram em um kibutz em Israel. Em 1955, ele foi convidado para trabalhar em Massachusetts, onde lecionaria por 50 anos, tendo dirigido os departamentos de linguística e de filosofia. Enquanto desenvolvia aulas no MIT, Chomsky agregou ao estudo da linguística a gramática transformacional (a gramática como mecanismo finito que permite criar infinitas frases).

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Sua teoria sobre a linguagem inata mostraria que os idiomas seguem regras desenvolvidas no cérebro humano. A linguagem inata explicaria por que crianças têm mais facilidade para aprender línguas diferentes do que apresentam quando adultos.

“Tanto quanto eu sei, e isso é apenas da experiência pessoal no ensino, penso que noventa por cento do problema no ensino da linguagem, ou talvez noventa e oito por cento, é apenas para ajudar os alunos a se interessarem. Ou o que geralmente significa não impedir que eles se interessem. Normalmente eles se interessam, e o processo de educação é uma maneira de tirar esse ‘defeito’ de suas mentes. Mas, com crianças, se o interesse normal é mantido ou até despertado, elas podem fazer todo tipo de coisa de maneiras que não entendemos.”

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Suas ideias começaram a ultrapassar os limites da linguística em 1959, quando surgiu a Hierarquia de Chomsky, uma divisão da gramática em graus de complexidade. Uma proposta que afetou os estudos de filosofia e psicologia, abrindo novas direções na compreensão de como o ser humano processa informações.

Esse conceito está vinculado à gramática gerativa, na busca da resposta de por que algumas combinações sintáticas são possíveis em um idioma e não em outros. A gramática gerativa não busca estabelecer o que é certo ou errado, mas sim definir regras que permitam a uma pessoa produzir todas as orações gramaticais possíveis em sua língua.

Nesse universo descortinado por Chomsky, talvez o livro mais acessível para quem não tenha muitos conhecimentos prévios de linguística seja Aspectos da Teoria da Sintaxe, que ele publicou em 1965.

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Chomsky busca estabelecer paralelos entre inadequações da comunicação com os problemas do ser humano em se encaixar na sociedade. “Todo o sistema educacional e de treinamento profissional é um filtro muito elaborado, que elimina as pessoas independentes demais, que pensam por si mesmas e que não sabem ser submissas, porque são disfuncionais para as instituições.”

A guinada do autor para se tornar um crítico polêmico da política americana veio pouco depois. Em 1967, seu ensaio “A Responsabilidade dos Intelectuais” foi publicado na New York Review of Books. Contrário à Guerra do Vietnã, ele se disse “um membro envergonhado de uma comunidade intelectual em deplorável resignação”. Pediu no texto que seus colegas caminhassem na direção do que chamou “ações mais profundas”.

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Chomsky foi ganhando uma reputação controversa com suas posições políticas radicais, que raramente escapavam de acalorados debates. Algumas vezes, com resultados prejudiciais para sua trajetória intelectual. Em 1979, apoiou a liberdade de expressão para o francês Robert Faurisson, que dava palestras polêmicas negando a existência das câmaras de gás nos campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Acuado pela comunidade intelectual internacional, Chomsky afirmou na época que discordava totalmente das conclusões históricas do francês sobre negação do Holocausto e que teria defendido estritamente as liberdades civis de Faurisson.

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Suas posições radicais também o impulsionaram para a lista de best-sellers, como na coleção de ensaios 11 de Setembro: Havia uma Alternativa?, de 2002. No livro, Chomsky critica “atrocidades horríveis” nos ataques, mas questiona duramente o uso do poder pelos Estados Unidos. Chomsky se refere a seu país como “um Estado terrorista líder”.

“Como tática, a violência é absurda. Ninguém pode competir com o governo em violência, e o recurso à violência, que certamente falhará, simplesmente assustará e alienará alguns que podem ser alcançados, além de incentivar ainda mais os ideólogos e administradores da repressão forçada.”

A recepção do volume se dividiu entre elogios para a análise dos fatos que levaram ao 11 de Setembro e ataques virulentos de críticos que o consideraram “uma deturpação da história americana”.

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Chomsky continua a escrever e está na galeria dos pensadores mais requisitados pelo circuito de palestras e pela mídia. É justamente na direção das mídias de massa que ele tem concentrado ataques recentes. “Os meios de comunicação de massa servem como um sistema para comunicar mensagens e símbolos à população em geral. É sua função divertir, informar e abastecer os indivíduos com os valores, crenças e códigos de comportamento que os integrarão às estruturas institucionais da sociedade em geral. Em um mundo de riqueza concentrada e grandes conflitos de interesse de classe, cumprir esse papel requer propaganda sistemática.”

Chomsky defende que não se pode fugir da ciência em busca da compreensão dos fatos. E faz isso com humor: “A ciência é um pouco parecida com a piada sobre o bêbado que está procurando sob um poste de luz uma chave que ele perdeu do outro lado da rua, porque é aí que está a luz. Não tem outra escolha.”

Uma figura controversa que parece ter pelo menos um reconhecimento unânime: seus esforços para entender a linguagem humana são tão intensos quanto sua vocação para denunciar o que vê de errado.

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