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Feitiço do tempo

Geriatras e geneticistas falam na possibilidade de no futuro o homem viver mais de 100 anos mantendo a pele lisa, os músculos firmes e, sobretudo, a energia e o vigor da juventude.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 31 jul 2005, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira, com Carlos Eduardo Lins da Silva, de Washington

Eles são vermes transparentes que não medem mais do que 1 milímetro de ponta a ponta. Atendem por nematóides e vêm provocando muita inveja. Pois a ciência conseguiu prolongar barbaramente o seu tempo de vida. Na Universidade McGill, em Montreal, no Canadá, os nematóides se mexem menos do que o normal e comem menos também. Como um carro que roda pouco e conserva melhor seu motor, os vermes canadenses têm sobrevivido cinqüenta dias. É um período enorme, uma vez que nematóides morrem, em média, nove dias depois de terem nascido. Se a ciência obtiver, no futuro, um resultado semelhante com o homem, isso seria o mesmo que vê-lo apagar 420 velinhas.

Mas as coisas não são tão simples. Como nos nematóides, cada uma das células humanas segue um programa genético para ficar obsoleta. Só que o homem tem muito mais tipos celulares, peças que ficam caducas de jeitos diferentes, emperrando a máquina do organismo. Os cientistas, porém, não perdem o fôlego. É provável que cada um de nós fique velho antes de ver alguma manobra prolongar nosso tempo sobre a Terra como o de um nematóide. Mas não é absurdo crer que viveremos mais. E mais juvenis.

Os genes são programados para a morte

Envelhecer é um privilégio das espécies mais evoluídas. Não existe bactéria senil. Uma bactéria simplesmente se divide no auge de sua capacidade, dando origem a duas bactérias do mesmo tamanho. Elas são iguais à mãe, que, a partir da divisão, já não existe mais. Morreu em plena juventude. Durante a evolução, porém, surgiram células que, em vez de se dividirem em partes iguais, passaram a gerar filhotes menores. Fungos são bons exemplos disso. A célula maior existe para nutrir a menor. Quando ela cresce, a maior morre para dar lugar à nova geração.

O mais provável é que aí, em seres como os fungos, tenham surgido os genes responsáveis pelo envelhecimento. Pois as células mães não poderiam permanecer, disputando espaço e alimento com seres mais jovens e, em tese, mais adaptados ao mundo. “O importante é que o mecanismo celular do envelhecimento é sempre o mesmo, seja no homem ou nesses seres unicelulares”, diz o biólogo especializado na evolução das espécies Michael Rose, professor da Universidade da Califórnia, nos Esta-dos Unidos. Em seu laboratório, Rose cria uma colônia especial de moscas-de-fruta. Cruzando os insetos que viviam mais do que a média de setenta dias, ele conseguiu desenvolver moscas capazes de completar 140 dias de existência, o dobro do esperado. “Se funciona com moscas, por que não funcionaria com os seres humanos?”, pergunta.

Com os pés mais fincados no chão, o cardiologista paulista Ronaldo Leão Abud lembra que, nos seres humanos, os genes contam, mas nem tanto. “Fatores sociais, psicológicos, assim como os hábitos, podem retardar ou não o envelhecimento, provocando entre outras coisas maior ou menor liberação de radicais livres”, diz ele, que há dez anos se dedica ao estudo dessas moléculas formadas pelas células enquanto respiram. “Nocivos, os radicais atacam tudo por perto, estando por trás da perda de capacidade funcional dos diversos órgãos com o passar dos anos”, diz Abud (veja quadro à direita).

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Além dos estragos dos radicais, outra causa para o envelhecimento pode ser a diminuição drástica dos telômeros, como são chamadas as pontas dos cromossomos. Quanto menor o telômero, menor a capacidade de uma célula se multiplicar. E, sabe-se, quanto mais devagar uma célula se multiplica, mais envelhecida ela está (veja o quadro abaixo e o texto da página 76).

Bons hábitos fazem a diferença

Na briga contra o tempo, às vezes se engolem modismos na forma de hormônios. “Eles causam um ou outro benefício, mas podem fazer muito mal à saúde”, alerta a geriatra Andréa Prates, do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Como o envelhecimento envolve todas as células, sem exceção, é ilógico pensar que uma única substância seja capaz de agir nos órgãos mais diferentes ao mesmo tempo. No entanto, muita gente mergulha de cabeça nessas supostas fontes da juventude e quebra a cara. Há três anos houve a onda dos hormônios do crescimento, substâncias que fazem um adolescente ganhar altura e músculos. Elas eram receitadas para senhores de meia-idade àvidos por recuperar a velha e boa forma física. Ficaram feito schwarzeneggers cinquentões. Só que alguns terminaram enfartando e outros se tornaram diabéticos.

A última moda é tomar DHEA, a matéria-prima para o corpo fabricar os hormônios sexuais. Ainda não existe evidência científica de que engolindo DHEA alguém recupere os níveis hormonais dos 20 anos, embora os usuários aleguem a volta da energia e do vigor sexual. Existe evidência científica, sim, de que o DHEA aumenta o risco de câncer de mama e de próstata. “Novos hábitos são mais eficazes do que novos remédios”, diz Andréa Prates (veja quadro à direita).

O médico James Fozard, do Instituto Nacional do Envelhecimento, nos Estados Unidos, concorda. “As mudanças de estilo de vida nas últimas quatro décadas fizeram a incidência de problemas cardíacos cair drasticamente “, exemplifica. “Hoje as pessoas fumam menos, se preocupam mais com uma alimentação adequada e exercícios.” Na opinião de Fozard, ninguém morre por causa de um coração envelhecido. “As estruturas cardíacas só se deterioram quando existe uma doença provocada por hábitos pouco saudáveis”, garante.

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Em matéria de hábitos saudáveis, nos Estados Unidos estudos recentes com ratos mostram que ingerir 30% menos calorias nas refeições resulta em viver 40% mais tempo. Transportando esses dados para seres humanos, significa que uma dieta espartana de 1 400 calorias diárias, aproximadamente, pode em tese garantir trinta aniversários extras (veja quadro abaixo). Descobertas como essa só podem ser comprovadas acompanhando muita gente durante muito tempo. É o que Fozard e sua equipe vêm fazendo há quase quatro décadas em Baltimore, nos arredores de Washington.

Atrasando os ponteiros celulares

Desde 1958, pelo menos a cada dois anos, 1 000 voluntários se deslocam até o centro médico da Universidade Johns Hopkins. Ali, passam por exames físicos e mentais durante três dias. Eles fazem parte do Estudo Longitudinal do Envelhecimento em Baltimore, projeto que custa 6 milhões de dólares anuais. “Nesses 39 anos, conseguimos derrubar alguns mitos”, diz James Fozard, que chefia a pesquisa gigantesca. Um mito derrubado é o de que os indivíduos ficam mais ranzinzas quando se tornam mais velhos. “Os traços da personalidade se mantêm estáveis ao longo da vida. Se quer saber como você vai ser na aposentadoria, examine-se agora”, brinca (veja outras conclusões no quadro abaixo). O médico, porém, diz não esperar que seu projeto nem qualquer outra coisa possa aumentar a expectativa de vida da espécie humana, que é de no máximo 120 anos.

Muitos cientistas divergem dessa opinião. “A ambição, hoje, é mexer nos relógios genéticos”, diz Calvin Harley, biólogo da empresa americana de bioengenharia Geron Corporation, em São Francisco. Harley estuda a telomerase, uma enzima capaz de impedir o desgaste dos telômeros (veja o infográfico da página 74), as pontas dos cromossomos que comandam a reprodução celular. “Nos tumores, as células não páram de se dividir jamais porque têm essa enzima”, explica. O risco é a telomerase tornar todas as células do corpo imortais, o que não é bom. A imortalidade é a característica marcante do câncer. Mas existe a espe-rança de se ajustar a substância, para que ela aumente os telômeros por um tempo, apenas o suficiente para o homem viver mais.

Outra novidade é uma droga capaz de evitar que o açúcar presente no organismo se ligue às proteínas formando o que os pesquisadores chamam de caramelo. A reação no corpo é semelhante à da pele de um frango assado, que fica dourada no calor do forno justamente por causa de uma combinação dessas (veja quadro acima). Só que, no corpo, essas moléculas douradas não fazem nada bem – ao menos, é a hipótese. E, de fato, o remédio experimental testado em ratos, nos Estados Unidos, conseguiu mantê-los juvenis. Mas os testes com seres humanos só começam daqui a cinco anos.

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Para saber mais

Por Que Adoecemos, Randolph M. Nesse e George C. Williams, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1997.

A idade das células

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Como é o envelhecimento celular.

A célula jovem produz poucos radicais livres e muitas moléculas de ATP, armazenando a energia. Já a célula velha gera muitos radicais e guarda pouca energia. Além disso, as pontas dos cromossomos ficam curtas e, como carregam o segredo da reprodução, as células envelhecidas se renovam menos do que o necessário.

Ficando velho por partes

Cada órgão tem seu jeito e sua hora de envelhecer. Veja alguns exemplos:

Cérebro mais leve

As células começam a morrer, em média, a partir dos 30 anos. A massa cinzenta de um octogenário pesa 10% menos do que na juventude.

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Nariz de Pinóquio

As cartilagens do rosto aumentam, fazendo o nariz crescer aos poucos, enquanto os lóbulos das orelhas, mais pesados, despencam.

Articulações ásperas

Mexe aqui, mexe lá, de tanto trabalhar as articulações se desgastam como lixas, atrapalhando os movimentos a partir dos 50 anos.

Estômago pesado

Entre 45 e 50 anos, a mucosa que reveste esse órgão passa a liberar menos suco digestivo. Resultado: a comida pesa mais na barriga.

Intestino impermeável

Suas paredes perdem parte da capacidade de absorção aos 60. O corpo deixa de aproveitar tão bem os nutrientes das refeições.

Músculos perdidos

As fibras musculares começam a morrer depois da terceira década de vida, diminuindo cerca de 2% ao ano.

Olho endurecido

As lentes oculares vão endurecendo ao longo da vida. Menos flexíveis, causam dificuldade de focar objetos a partir dos 45 anos.

Tireóide preguiçosa

A partir dos 35 anos, a atividade desta glândula fica cada vez mais lenta. Conseqüentemente, o corpo inteiro trabalha mais devagar.

Coração vagoroso

Fica difícil para suas fibras se contraírem a partir dos 30 anos, porque elas ficam mais duras. Os batimentos começam a diminuir.

Gordura acumulada

Depois dos 35 anos, cada vez mais o corpo precisa de menos comida. Por isso, aumenta a tendência a engordar.

Sexo em baixa

A partir dos 50, em média, a dosagem dos hormônios sexuais despenca. O corpo fica flácido e o desejo sexual pode diminuir.

Ossos porosos

A partir dos 40 anos, os ossos perdem gradativamente moléculas de cálcio, acabando enfraquecidos e cheios de microburacos.

Menos comida, mais saúde

Dieta aumenta a longevidade de animais.

Na Universidade da Califórnia, diversos animais fizeram uma dieta rígida. Passaram fome, mas subsistiram mais tempo. A temperatura corporal caiu depois do regime, indicando uma diminuição no ritmo de funcionamento.

Talvez, sem forçar sua maquinaria, o organismo fabrique menos radicais livres, as moléculas que oxidam o corpo.

Rato branco

Dieta normal

Vive em média 23 meses dias.

Com menos calorias

Vive em média 33 meses.

Aranha

Dieta normal

Vive em média 50 dias.

Com menos calorias

Vive em média 90 dias.

Pescada

Dieta normal

Vive em média 33 meses.

Com menos calorias

Vive em média 46 meses.

Protozoário

Dieta normal

Vive em média 7 dias.

Com menos calorias

Vive em média 13 dias.

Para manter o corpo jovem

Alguns hábitos que não fazem mágica, mas podem aumentar a longevidade.

Dormir bem

Todas as células se renovam durante o sono. Segundo um estudo do Instituto Nacional de Saúde, nos Estados Unidos, sexagenários que dormem mais de 7 horas por noite têm menos sinais de velhice do que os que passam menos tempo dormindo.

Cabeça fria

Qualquer aborrecimento no dia-a-dia se traduz no corpo como uma descarga de hormônios, como a adrenalina, que têm o efeito de endurecer as artérias, enfraquecer o sistema de defesa e aumentar a liberação dos radicais do envelhecimento.

Exercícios leves

Eles são a recomendação número 1 da Organização Mundial da Saúde para prevenir os males ligados à terceira idade. No entanto, está provado que mais de 3 horas consecutivas de esforço pesado por dia aceleram o envelhecimento em vez de retardá-lo.

Corpo bem esticado

Exercícios físicos ajudam o corpo a perder menos massa muscular e os ossos a absorver cálcio. No entanto, sem a prática de alongamentos a partir dos 30 anos, os tendões e ligamentos musculares encolhem. E o corpo fica com os movimentos travados.

Ginástica cerebral

Sempre se observou que manter a mente ocupada ajuda a preservar a memória em indivíduos mais velhos. Agora, cientistas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, provaram que atividades como a leitura estimulam substâncias fixadoras das lembranças.

Dieta desde cedo

Hoje se sabe que cuidar da alimentação a partir dos 30 ou 40 anos ajuda muito, mas não resolve. O ideal é não acumular gorduras nem deixar que faltem vitaminas e sais minerais, presentes em frutas e verduras, desde a mais tenra idade.

Com o tempo…

O que muda com a idade.

Estes são resultados parciais do Estudo Longitudinal do Envelhecimento em Baltimore, nos Estados Unidos, que vêm acompanhando o envelhecimento de 1 000 voluntários nos últimos 39 anos. Os dados ao lado indicam algumas diferenças entre a média dos indivíduos do sexo masculino aos 20 anos de idade e a média dos homens de 70 anos.

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