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As melodias da música pop ficaram mais simples desde 1950

Mas isso não significa que as canções de hoje sejam piores. O produtor Felipe Vassão explica como as prioridades do top 5 da Billboard mudaram de lá pra cá.

Por Eduardo Lima
Atualizado em 20 ago 2024, 17h04 - Publicado em 5 jul 2024, 16h00

Se você, leitor da Super, tem mais de 75 anos e continuou ouvindo as novidades musicais no rádio (o que é cientificamente improvável), provavelmente percebeu algumas mudanças interessantes nas músicas mais populares. Se esse não é seu caso, um novo estudo publicado na revista Scientific Reports fez o trabalho por você, e descobriu que as melodias das canções estão ficando mais simples desde 1950.

Uma pesquisa dos musicologistas Madeline Hamilton e Marcus Pearce, da Universidade Queen Mary de Londres, no Reino Unido, analisou a complexidade das melodias mais proeminentes (normalmente as sequências de notas que estão sendo cantadas) das músicas mais populares de cada ano, entre 1950 e 2023. A base para o estudo foi a parada de sucessos da Billboard dos Estados Unidos.

Para não analisar a Billboard inteira, o que daria um trabalho gigantesco, o estudo focou só no top 5 de cada ano. Eles escutaram as canções e transcreveram as melodias manualmente, colocando-as depois num programa de computador que analisaria a complexidade percebida das obras.

A definição de “complexidade percebida” adotada pelo estudo diz respeito ao número de notas diferentes usadas em cada canção, à maneira como essas notas se combinam e à variedade rítmica em que elas são cantadas.

É muito comum, por exemplo, cantar uma nota dó e depois uma nota ré em uma música em dó maior. Um fá sustenido, porém, é bem mais raro, porque ele não pertence a essa tonalidade e sinaliza que a música tomou um caminho harmônico mais ousado. 

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É claro que complexidade não é sinônimo de qualidade: muitos clássicos dos Rolling Stones, por exemplo, são arroz-com-feijão da composição e funcionam justamente por causa da simplicidade. Mas ela demonstra outra coisa: a disposição da indústria musical para ousar (e do público, para consumir ousadias).

Revoluções melódicas

“A primeira coisa que me chama a atenção [no estudo] é que não é a complexidade da música como um todo, mas das músicas mais ouvidas”, comenta Felipe Vassão, produtor musical brasileiro que já trabalhou com o rapper Emicida, com quem ganhou um Grammy Latino pela canção AmarElo.

O recorte, segundo Vassão, “tem muito mais a ver com o que o público gosta e o que a indústria fonográfica alimenta”, e aí entram questões sociais e econômicas que podem ser mais importantes do que só fatores puramente musicais. “Será que as pessoas estão consumindo coisas mais bobas, menos complexas e mais simples, ou a indústria está transformando tudo no mesmo padrão por que é mais fácil de ganhar dinheiro?”

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A hipótese levantada pelo estudo é de essas mudanças na série histórica podem estar relacionadas à ascensão de novos gêneros musicais, que privilegiam aspectos diferentes. As duas grandes revoluções melódicas encontradas na análise (ou seja, anos em que a complexidade das melodias mais caiu), podem ser ligadas a novos estilos começando a ocupar as paradas de sucesso.

Em 1975, a revolução melódica talvez reflita a ascensão de novos gêneros como o rock de estádio, o disco e a new wave. “Eu achei estranho o termo new wave estar ali [no estudo], porque historicamente ele foi adotado no início dos anos 80”, comenta Vassão.

E é verdade: por mais que o nascimento do gênero possa ser datado para 1976, crescendo junto da música punk de Nova York com bandas como Blondie e os Talking Heads, esse tipo de música só ia alcançar popularidade e chegar ao topo das paradas anos depois de 1975.

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O outro momento de revolução melódica identificado pelo estudo é o ano 2000, com um pequeno prólogo da grande mudança em 1996. Essas mudanças são associadas pelo estudo ao crescimento e à influência do hip-hop, ou também ao uso popularizado de DAWs, as estações de trabalho de áudio digitais.

A possibilidade de gerar música diretamente no computador facilitou o uso de loops (algo que já havia sido prenunciado nos primórdios do rap, quando os DJs passaram a criar ciclos repetitivos com pequenos trechos dos discos de vinil). E o movimento hip-hop, por ser focado na enunciação de poesia, não tem grandes flutuações melódicas.

A música está pior?

O estudo deixa claro que a diminuição de complexidade melódica não quer dizer que as músicas, como um todo, ficaram mais simples. Outros componentes das canções, como a qualidade do som, a textura e combinações de timbres diferentes, não necessariamente diminuíram junto. Uma coisa que aumentou, por exemplo, foi a média de notas tocadas por segundo.

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Felipe Vassão tem algumas hipóteses pessoais sobre o que levou à mudança nas melodias. Um foco social muito maior no individualismo pode ter levado a um foco diferente no modo de compor, algo que outro estudo recente também percebeu. Ele cita, como exemplo, a Taylor Swift, uma das maiores cantoras da atualidade, que canta melodias monotônicas, de uma nota só, para chamar o foco do ouvinte para a letra, seu carro-chefe.

O estudo foca na complexidade melódica, mas “não na complexidade lírica”. Para o Vassão, a influência da poética do rap e as letras como um todo aumentaram em complexidade. Quando a “mensagem verbal” é o foco, a “mensagem sensorial-melódica” fica no segundo plano.

Ele também acha que há um pouco de influência dos Beatles nessa onda de melodias mais simples, especificamente de John Lennon, dono de melodias monotônicas como I Am the Walrus, e de compositores como Bob Dylan, ganhador do Nobel de Literatura, que tem como supertrunfo as letras.

O que o produtor aponta como um cuidado necessário é não levar em conta só um viés para dizer “a música de hoje é ruim”. As cinco músicas mais ouvidas de cada ano podem ajudar a identificar mudanças culturais, mas não representam tudo que é produzido. Se você ainda acha que no seu tempo era tudo melhor, quer seja em 1950 ou em 2000, talvez valha a pena procurar mais fundo do que a playlist das mais populares.

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