A perfeição segundo dois joões
Os livros, preparados respectivamente pelo professor João Alexandre Barbosa e pelo crítico musical
Leandro Sarmatz
O rigor. A pureza. O domínio absoluto. O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (morto em 1999) e o cantor baiano João Gilberto (que completou 70 verões em junho) têm muito mais coisas em comum além do brasileiríssimo prenome e da origem nordestina. A julgar pelos dois novos volumes da coleção “Folha Explica” (Publifolha) – que pretende destrinchar vários temas contemporâneos –, os joões são uma forma muito especial de artista verde-amarelo. Perfeccionistas, burilam à exaustão cada verso e cada interpretação. Sempre obsessivos. Jamais satisfeitos.
Os livros, preparados respectivamente pelo professor João Alexandre Barbosa e pelo crítico musical Zuza Homem de Mello, reforçam aquela idéia do poeta Augusto de Campos de que um João parece ser o focinho de outro (artisticamente falando, claro). Se a poesia brasileira ganhou com João Cabral um escritor que recusava qualquer tipo de lirismo sentimental e balofo, a MPB também não ficou desprotegida: desde “Chega de Saudade” – a canção abre-alas da bossa nova, em 1958 –, João Gilberto soube urdir uma música provocativa e pessoal. E lá vem o paradoxo: João, o músico, não compôs nunca mais do que duas canções com letras. O resto de sua obra é a recriação de velhos sambas, standards jazzísticos e todo o repertório que era ouvido na meninice afinada de Juazeiro.
João Cabral de Melo Neto e João Gilberto podem ser desfrutados separadamente. Lidos em conjunto, porém, os livros demonstram como a melhor arte brasileira é uma forma – discreta mas incisiva – de felicidade.