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A dura (e estranha) vida das mulheres faquir no Brasil

Elas ficavam semanas sem comer, deitadas em camas de pregos e abraçadas com serpentes – numa busca desenfreada pela fama, que geralmente acabava muito mal

Por Bruno Mosconi
Atualizado em 3 ago 2017, 13h55 - Publicado em 16 dez 2015, 16h30

Rossana, ascensão e queda

Em 1954, surgiu a primeira faquiresa brasileira – e a carreira dela foi meteórica. Com aspirações artísticas desde a infância, Rossana (nascida na cidade de Taquara, no Rio Grande do Sul, em 1930), saiu de um casamento infeliz direto para o estrelato. Tudo aconteceu quando ela conheceu Silki – nome real: Adelino João da Silva -, então o mais famoso dos faquires brasileiros. Silki se tornou o mentor de Rossana e decidiu transformá-la em uma grande atração. A garota começou a fazer exibições públicas, nas quais se deitava sobre cacos de vidro ou numa cama de pregos, rodeada por serpentes vivas. Ficava semanas ali, imóvel e sem comer.

O faquirismo estava no auge, era moda no Brasil, e Rossana tinha uma capacidade natural para jejuns prolongados – ela era forte candidata a bater recordes mundiais. Esses dois fatos a levaram para as manchetes dos jornais. Rossana ficou muito famosa. Mas isso durou bem pouco. Já em 1955, ela anunciou que iria largar o faquirismo para se dedicar à vida pessoal (aparentemente, ela iria se casar de novo). Originalmente programada para durar 60 dias, a última exibição de Rossana acabou em menos de um mês – porque ela enfrentou três grandes problemas. Em primeiro lugar, a plateia masculina: que se recusou a sair do local quando a faquiresa pediu alguns momentos de privacidade para fazer suas necessidades fisiológicas (devidamente vigiada por um médico). Nervosa diante dessas demonstrações de desrespeito, Rossana por vezes se desconcentrou no interior de sua urna, e chegou a se cortar nos cacos de vidro. A imprensa também perturbou a faquiresa. Os jornais menosprezavam o jejum, dizendo que devia ser reação a algum romance frustrado. Tudo isso foi abalando Rossana, até que ela desistiu e encerrou a apresentação. Passou o resto de seus dias atormentada pelo fracasso. Em junho de 1956, sozinha em seu apartamento, ela cometeu suicídio – que a imprensa atribuiu a “histeria” e “desilusões amorosas”. Tinha 26 anos.

Rose Rogé e o padre

Nascida em paris no final do século 19, Rose Rogé foi a primeira mulher a ficar famosa como faquiresa no Brasil. Ela veio para cá na década de 1920 e se tornou dona de uma pensão no Rio de Janeiro. Mas a Pensão Rogé, no bairro de Botafogo, acabou ganhando fama por um escândalo sexual. Rose disse à imprensa que um hóspede, um padre, tentou atacá-la sexualmente duas vezes. O padre negou tudo, mas Rose saiu ferida – física e psicologicamente – desse episódio. Os casos foram parar na polícia, que não conseguiu (ou não se esforçou para) tirar maiores conclusões da situação. Anos depois, o padre acabou sendo preso: ele tinha atirado em dois de seus melhores amigos. Rose, por sua vez, se afundou em dívidas. Depois do escândalo, a pensão dela ficou com má reputação, perdeu clientes e acabou fechando.

A solução para o sufoco financeiro? Ficar semanas sem comer – e cobrar ingresso de quem quisesse ver. Rose se inspirou nas faquiresas de Paris, que apareciam nas manchetes dos jornais europeus no começo do século. Mas suas apresentações eram mais modestas, sem pregos, serpentes ou cacos de vidro. Não se sabe quanto Rogé faturou com suas exibições, mas parece ter sido suficiente para tirá-la da miséria – ao sair de um de seus mais famosos jejuns, foi informada em cochichos da quantia arrecada, e respondeu apenas com um largo e satisfeito sorriso.
Faquiresas

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Yone, a mística submissa

Em meados de 1958, a mineira Yone (cujo nome completo é desconhecido) ficou famosa. Com menos de um ano de carreira no faquirismo, já conseguiu quebrar o recorde mundial feminino de jejum – foram 76 dias de fome e clausura. O recorde masculino era do marido dela, o faquir Lookan, que aguentou 126 dias. Submissa e comedida, Yone era porta-voz e assessora de imprensa do esposo, abastecendo os jornais com relatos apaixonados e exagerados dos feitos “sobrenaturais” de Lookan, que supostamente incluíam milagres e profecias. “Fiéis” de várias partes do Brasil iam às apresentações do casal em busca de salvação espiritual.

Algumas pessoas disputavam as pontas de cigarro que Lookan jogava no chão, porque acreditavam que os filtros tocados por sua boca tinham o poder de curar doenças, como a gagueira. Enquanto isso, faquires rivais diziam que iriam destruir a carreira de Yone e Lookan. Mas logo o público foi se desinteressando, e o faquirismo artístico foi caindo em declínio. O casal se apresentou pela última vez, sem muita fanfarra, no final de 1958. Yone foi convidada para virar atriz e trabalhar no cinema nacional, mas recusou. Lookan optou por duas carreiras nada místicas: tentou a sorte como vereador e como empresário no ramo de máquinas de costura.

Em abril de 1964, a história do casal chegou ao fim. Lookan matou Yone, dando quatro tiros nela – na frente dos dois filhos do casal. As versões sobre o que motivou o crime são muitas, e a mais trágica delas diz que Yone teria descoberto que o marido a traía e foi morta durante uma discussão. Lookan pegou apenas cinco anos de prisão, porque seus advogados convenceram o júri de que Yone também havia sido infiel, e era ex-prostituta.

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Suzy King: a primeira BBB

Antes de ser “Suzy King”, a mais famosa das faquiresas brasileiras foi Georgina Pires Sampaio, uma dona de casa com grandes ambições artísticas. Georgina começou a sua carreira no mundo do entretenimento como corista e dançarina no Rio de Janeiro, onde também adotou seu nome artístico. A vida de Suzy foi marcada pelo desejo de ficar famosa a qualquer custo – bem como acontece, hoje, com os participantes de reality shows. Para chamar a atenção da mídia, Suzy levava suas cobras de estimação a todos os lugares aonde ia. Quando ela se hospedava em hotéis, as cobras acabavam soltas pelos corredores, gerando pânico e indignação nos outros hóspedes, que chamavam a polícia. Entre 1955 e 1956, quando essa excentricidade já não era mais suficiente para chamar a atenção, Suzy virou faquiresa – se trancando em urnas de cristal na companhia das cobras. Deu certo, e ela começou a explorar comercialmente a própria fama.

Quando o público era pouco, Suzy ousava mais – se exibia com menos roupa, ou até mesmo nua. Ao contrário das demais faquiresas, ela não dava muita bola para o tempo de permanência no interior das urnas (suas provas de resistência eram mais curtas, e normalmente duravam poucas semanas ou dias). O que ela queria mesmo era se manter sob os holofotes da mídia. No começo da década de 1960, o Serviço de Censura de Diversões Públicas resolveu combater o faquirismo, que passou a ser considerado uma atividade degradante. E Suzy gradativamente desapareceu das manchetes. Em agosto de 1985, uma mulher chamada Jacuí Japurá Sampaio Bailey foi encontrada morta num estacionamento de trailers nos Estados Unidos. Era Suzy King – que havia trocado de nome mais uma vez e se exilado, voluntariamente, nos EUA. Suzy morreu sozinha, de problemas cardíacos. Ela tinha apenas 50 anos. Seu corpo só foi descoberto pelos vizinhos três dias depois.
Faquiresas 2

Zaida, a atleta de elite

Em 1951, aos 22 anos, Zaida teve seu momento de fama. Cativando o público com seu jeitinho simples, ela foi a primeira faquiresa realmente profissional no Brasil. Era bem mais séria, e menos midiática, do que as outras. Alguns encaravam a obstinação de Zaida como sinal de uma revolução feminista – mas outros falavam de suas tendências ao jejum, ao silêncio e ao isolamento como atributos adequados à “mulher ideal”. Zaida se propôs a ficar trancada num sarcófago de vidro por 56 dias, ingerindo apenas água. Não se sabe se ela conseguiu: os jornais acabaram perdendo o interesse, e não acompanharam a prova até o final. Zaida foi esquecida pela mídia e pela história – que não guarda mais nenhum registro sobre sua trajetória.

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Arady e a morte

O faquirismo feminino já era uma novidade ousada. Mas a italiana Arady Rezende ousou ainda mais. Enquanto a maior parte das faquiresas artísticas tinha entre 20 e 30 anos de idade, Arady já estava na atividade aos 14. Era menor de idade.

E casada. Seu marido, o faquir Américo Piza, apresentou-se ao lado dela entre os anos de 1928 e 1929. A menina tinha o hábito de contar vantagem sobre sua capacidade de jejum – e os jornais interpretavam isso como uma demonstração de força feminina e prova de que o conceito de “sexo frágil” estava acabando. Aproveitando bem o momento de fama, ela e Américo foram pioneiros do faquirismo filantrópico, realizando provas de resistência para arrecadar donativos. Mas Arady acabou caindo no esquecimento, de onde só sairia morta. Em 1935, Arady morreu, no hospital psiquiátrico do Juqueri. Ela tinha apenas 21 anos. A causa da morte foi desnutrição aguda.

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