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Os cascateiros

Criativos, ousados e sem um pingo de vergonha na cara. Conheça a ascensão e a queda dos maiores gênios da mentira

Por Pedro Ivo Dubra
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 11 Maio 2012, 22h00

Mundo à venda
Escroque tentou vender a Torre Eiffel para desavisados – duas vezes.

Como diz aquela propaganda de cartão de crédito, a Torre Eiffel não tem preço. Já houve, entretanto, quem tentasse vendê-la. O autor dessa façanha foi um charmoso falsário chamado Victor Lustig (1890-1947). Nascido em Hostinné, no antigo Império Austro-Húngaro (atual República Tcheca), ele teve o estalo da trapaça ao ler uma notícia de jornal sobre a custosa manutenção da torre, que não era, em 1925, o lucrativo ímã de turistas de hoje. Lustig então resolveu posar de funcionário do governo francês num encontro secreto com seis negociantes de sucata no nobre Hôtel de Crillon, em Paris. É o que você está pensando: falou-se na reunião da necessidade de cortar despesas e da ideia de vender aquela estrutura metálica a algum interessado do ramo do ferro-velho!

Para tornar tudo mais crível, Lustig forjou uma concorrência para arrematar o monumento e chegou a levá-los de limusine até lá. Depois, reservadamente, abordou o que lhe parecia mais otário (e mais ambicioso) e teve a cara de pau de pedir propina para favorecê-lo na suposta transação. O cara topou e lhe enviou uma mala cheia de dinheiro. Lustig sumiu num trem para a Áustria, e o sujeito passado para trás não o denunciou, tão humilhado estava.

O trapaceiro tentaria depois aplicar o mesmíssimo truque. Foi desmascarado, embora tenha conseguido fugir a tempo. Como nem tudo é perfeito, a carreira do golpista terminou em 1935, quando foi capturado nos EUA para 12 anos depois morrer de pneumonia num hospital para prisioneiros.

Mas Lustig, que tem ainda no currículo a notável invenção de uma máquina de notas falsas, não foi o único a tentar comercializar monumentos. George C. Parker (1870-1936) vendeu a Ponte do Brooklyn, a Estátua da Liberdade e o Metropolitan Museum of Art para turistas desavisados em Nova York.

Barão da mentira
Munchausen foi um embusteiro tão inveterado que deu nome à síndrome dos falsos doentes.

Karl Friedrich Hieronymus (1720-1797) poderia ter sido mais um obscuro nobre europeu do século 18, não tivessem suas lorotas lhe garantido um lugar na história. Nascido em Bodenwerder, atual Alemanha, o Barão de Munchausen serviu como pajem do Duque de Brunswick-Lüneburg quando jovem e depois atuou no Exército russo como mercenário contra os turcos.

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Ao voltar para casa, deu para narrar episódios inverossímeis. Teve a façanha de escapar de um atoleiro puxando os próprios cabelos, com o que salvou também o cavalo em que estava montado. Conseguiu invadir as fortificações inimigas cavalgando uma bala de canhão. Por fim, foi o primeiro homem a ir à Lua – duas vezes, uma escalando um pé de feijão e outra, a bordo de um navio levado por uma tempestade. Lá teve um encontro com um rei de cabeça removível.

Toda essa mitomania nos chegou por meio de relatos de diferentes escritores, entre eles Rudolf Erich Raspe, que publicou, em 1785, o livro As Aventuras do Barão de Munchausen inspirado na figura real. Depois de morto, virou uma espécie de padroeiro dos fingidores. Tanto que batizou um grave e raro distúrbio psiquiátrico (leia na página 10). O portador da síndrome de Munchausen simula doenças e, em uma variação sua, pode até tentar provocá-las nos próprios filhos por meio de envenenamento. Tudo para chamar a atenção do médico e da família.

Uma morta muito louca
Para evitar revolução, militares argentinos sequestraram o corpo de Evita Perón.

A Argentina é fascinada pela morte. O cemitério da Recoleta virou ponto turístico, os enterros são sempre dramáticos e os jornais adoram um close no rosto dos defuntos. Nenhum argentino, porém, teve uma vida de morto tão movimentada como Eva Perón (1919-1952), a Evita.

Ex-atriz e mulher do presidente Juan Domingo Perón (1895-1974), Evita foi venerada pelos pobres de seu país. Ao morrer de câncer com apenas 33 anos, seu corpo foi embalsamado e exposto publicamente. Em 1955, quando militares deram um golpe que tirou o viúvo do poder, temia-se que o cadáver pudesse virar destino de peregrinação para os descamisados e agitar o ambiente. Sequestrou-se então a falecida e teve início seu rocambolesco esconde-esconde.

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Entres os mentirosos envolvidos estava o tenente-coronel Carlos Eugenio de Moori Koenig, que ficava com um furgão dando voltas e voltas com o corpo e terminou morrendo louco. O major Eduardo Arandía hospedou Evita no porão de casa por uns tempos e nada contou para a mulher grávida. Um dia, ela resolveu descer até lá para desvendar o segredo do marido. Com medo de que fosse um peronista atrás da múmia, Arandía disparou contra o vulto e matou a esposa. Já o major Hamilton Alberto Díaz recebeu a incumbência de enterrar Evita com uma identidade falsa na Itália.

Essa saga inspirou o romance Santa Evita (1995), de Tomás Eloy Martínez, que mistura fatos reais com ficção. Em 1976, o corpo de Evita foi finalmente entregue à família. No jazigo dos Duarte, o túmulo mais visitado da Recoleta, ela descansa hoje em teórica paz.

Senhor às moscas
Militar escocês se passou por soberano de um país caribenho que jamais existiu.

Lutar pela independência das colônias espanholas fica bonito para o currículo de um militar, sobretudo se ele nasceu na Escócia, que não tinha nada a ver com o peixe. Gregor MacGregor (1786-1845), contudo, não era só um aventureiro interessado na causa da liberdade. Ele também contou uma mentira intercontinental que prejudicou muita gente. Ao voltar para a Inglaterra, em 1820, MacGregor se proclamou Cacique do Principado de Poyais, um suposto fértil país caribenho com minas de prata e ouro que precisava de investidores e de imigrantes europeus dispostos a trabalhar.

MacGregor chegou ao desplante de montar uma delegação diplomática de Poyais em Londres e a patrocinar a publicação de um livro de 350 páginas sobre o lugar escrito por um tal de Capitão Thomas Strangeways. Era um paraíso – nem doenças tropicais havia na terra prometida, segundo a obra.

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Dois navios levaram cerca de 300 pioneiros a Poyais. O que eles encontraram na atual região de Honduras? Selva, alguns nativos e as ruínas de um antigo povoado, que MacGregor havia dito ser a próspera capital, St. Joseph. Um dos ludibriados cometeu suicídio, outros conseguiram escapar da furada em navios, alguns morreram das tais doenças tropicais. O cara ainda tentou enganar mais incautos com a lorota até se mudar, em 1839, para a Venezuela, de cuja luta de independência havia participado e pela qual pediu uma pensão do governo.

Milagre da multiplicação
Vigarista criou a pirâmide financeira quase um século antes de Bernie Madoff.

Nascido em 1882, Charles Ponzi chegou a Boston em 1903 com “US$ 2,50 no bolso e US$ 1 milhão em esperanças”, como disse ao New York Times. Para isso, italiano inventou um engenhoso engana-trouxa conhecido como “Esquema Ponzi”, que envolvia compra e venda de selos postais. Era uma espécie de pirâmide financeira. A versão mais popular circula no correio: a pessoa recebe uma lista de 10 pessoas com suas contas bancárias. Então manda uma certa quantia para o primeiro nome, exclui-o da lista e coloca seu nome na última posição. Por fim, arruma outros 10 bobos e envia pelo correio a lista modificada. Com isso, o número de participantes (e seu investimento) cresce exponencialmente. Mas esse tipo de operação não é sustentável – afinal, o número de participantes precisaria ser infinito.

Em 1920, Ponzi lesou 30 mil pequenos investidores e levantou cerca de 100 milhões de dólares em valores atuais. Preso e deportado para a Itália, acabou vindo ao Brasil, onde morreu pobre em 1949. Mas o esquema não acabou. Ele é a base do rombo de 65 bilhões de dólares realizado por Bernard Madoff dos anos 1990 até 2009 – a maior fraude do capitalismo.

Vira-casaca
Ex-fraudador preso em 3 países virou consultor de segurança do FBI.

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Leonardo Di Caprio encarnou Frank Abagnale no filme Prenda-Me se For Capaz (2002). A vida de mutretas que esse nova-iorquino nascido em 1948 levou supera os devaneios de muitos roteiristas. Aos 16 anos, começou a fazer trambiques mancomunado com frentistas. Frank fingia comprar com o cartão de crédito do pai pneus, baterias e combustível. Os produtos permaneciam com os caras do posto, que os vendiam depois por conta própria. Em troca, davam um pouco de dinheiro vivo ao moleque. Passados 5 anos, quando foi preso, já tinha uma ficha de 2,5 milhões de dólares em fraudes montadas com cheques frios e documentos falsificados.

Nesse meio-tempo, lançou mão de variadas identidades fictícias. Passou-se por piloto da Pan Am, professor de sociologia, pediatra, advogado… Como o título do filme sugere, os policiais seguiam no seu encalço, e Abagnale finalmente foi capturado na França em 1969. Ele passou por penitenciárias de lá e da Suécia até ser deportado para os EUA. Em 1974, foi libertado sob a condição de ajudar o governo a combater fraudes financeiras. Até hoje trabalha como consultor de segurança do FBI.


A lorota na…

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…Imprensa
Jayson Blair não foi o único jornalista a mentir na história da profissão. Mas a quantidade de entrevistas forjadas, plágios e viagens inventadas transformou-o em exemplo do que não se deve fazer. O escândalo estourou em maio de 2003. O jornal The New York Times, onde Blair trabalhava, considerou o episódio uma crítica quebra de confiança em sua trajetória de 152 anos. Hoje, o moço dá palestras motivacionais.

…Pintura
O holandês Han van Meegeren (1889-1947) levou a falsifcação ao estado da arte. Pintor frustrado quando tentou uma carreira própria, ele criou quadros atribuídos ao conterrâneo Johannes Vermeer (1632-1675). Especialistas gostaram (antes de saber do golpe, claro) e até o nazista Hermann Göring tinha uma bela fraude em sua coleção. O quadro Ceia em Emaús, por exemplo, foi vendido em 1937 pelo equivalente a 4,5 milhões de dólares atuais.

…Música
Surgida em 1988, a dupla franco-alemã de dance music Milli Vanilli levou o Grammy de revelação em 1990 – mesmo depois de o rapper Charles Shaw ter declarado que os vocais do disco não pertenciam a Fab Morvan e Rob Pilatus, mas a ele próprio e outros cantores. Quando o empresário Frank Farian confirmou a farsa, a desgraça se abateu sobre o duo, que teve o prêmio revogado.

…Internet
Durante os protestos no mundo árabe, o blog de uma lésbica muçulmana sírio-americana virou hit internacional. Nele, Amina Arraf, 35, falava sobre sua fé no Islã, criticava o ditador Bashar al-Assad e mostrava como sua família a apoiava. Até que em junho uma suposta prima postou no blog que Amina havia sido sequestrada ao sair para uma manifestação. Era o plano de Tom MacMaster, americano casado de 40 anos, para sumir com o personagem que ele criara. Mas, a essa altura, Amina já recebera 6 mil e-mails, e uma página no Facebook com 15 mil membros exigia sua libertação. Tom revelou a farsa publicamente.

…Literatura
Tinha toda a cara de ser golpe de marketing: garoto de programa de beira de estrada que se vestia de mulher na adolescência e fugiu para as ruas de São Francisco resolve virar escritor memorialista. E era mesmo: JT LeRoy foi inventado pela nova-iorquina Laura Albert. Para as aparições públicas do pseudoautor, ela escalava a andrógina cunhada Savannah Knoop. O embuste foi revelado em 2006, quando LeRoy já tinha 3 livros lançados, um deles com adaptação para o cinema. Em 2007, Laura – hoje com 45 anos – foi condenada a pagar indenização a um estúdio de cinema que pretendia adaptar o livro Sarah.

 

Vips

Na coluna social, o que importa é ficar bem na foto

Marcelo Nascimento da Rocha
Preso por estelionato, esse cara fingiu ser filho do dono da companhia aérea Gol num Carnaval fora de época no Recife em 2001. Namorou beldades, e até o apresentador Amaury Jr. caiu na história e entrevistou o mentiroso. A falsidade acabou rendendo o filme VIPs, com Wagner Moura como protagonista.

David Hampton
“Sou filho do ator Sidney Poitier”, dizia o rapaz de 19 anos na década de 80. Com isso, comeu de graça em restaurantes, pegou dinheiro emprestado e até dormiu na casa dos outros. O estilista Calvin Klein foi um dos que engoliram a cascata, transposta para o cinema em Seis Graus de Separação, com Will Smith.

Erich von Stroheim
Cineasta e ator (é o mordomo de O Crepúsculo dos Deuses, 1950, de Billy Wilder), Stroheim nasceu numa modesta família judia fabricante de chapéus em Viena. Mas humildade não estava em seu roteiro. Primeiro, tentou ser oficial do Exército austríaco, mas foi considerado fraco demais. Para começar do zero, partiu em 1909 aos EUA, onde se passava por filho de conde e baronesa – e ainda fazia pouco caso disso. “Sou cidadão americano há tempo suficiente para não me importar com uma besteira dessas.”

 

 

Ouro de tolo

Para ir ao pódio, o espírito esportivo fica na reserva

Dora Ratjen
Nas Olimpíadas de Berlim de 1936, Dora obteve um esquecível 4º lugar em salto em altura. Só que Dora era… Heinrich! Passados 20 anos, ele revelou à revista Time que foi forçado pelos nazistas a mentir. A revista Der Spiegel contesta a versão.

Rosie Ruiz
A atleta amadora foi a primeira a cruzar a chegada da maratona de Boston de 1980. Mas como, se nem suada estava? Rosie, na verdade, entrou na pista no fim da prova. Com base em testemunhas e na falta de imagens durante o percurso, ela perdeu o prêmio.

Roberto Rojas
Maracanã, eliminatórias da Copa de 1990. Brasil, 1, Chile, 0. Cai um sinalizador no campo. O goleiro chileno vai ao chão, ferido pelo artefato. Mentira: cortou-se com uma lâmina trazida dentro da luva. Rojas foi banido do futebol e o Chile, que já perdia, foi excluído também para 1994.

Saiba mais
Santa Evita
Tomás Eloy Martínez, Companhia das Letras, 1996

The Land That Never Was – Sir Gregor MacGregor
David Sinclair, Da Capo Press, 2004

 

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