Entrando numa fria: SUPER entrevista o aventureiro Tim Jarvis
Jarvis refez a jornada do comandante britânico Ernest Shackleton. Em 1916, Shackleton atravessou 1.400 km a vela pelo oceano gelado, depois caminhou por mais 36 horas no gelo.
Vanessa de Sá
O comandante britânico Ernest Shackleton foi um homem de coragem. Em 1916, o navio que o levaria à Antártida afundou, e ele passou cinco meses acampado na neve. Foi então que ele partiu para buscar ajuda. Foram 1.400 km a vela pelo oceano gelado, depois mais 36 horas de caminhada gelada. Todos foram resgatados com vida. Quase 100 anos depois, o anglo-australiano Tim Jarvis refez a jornada.
Por que você decidiu reencenar a façanha de Shackleton?
Essa viagem e a travessia a pé pelas montanhas da Geórgia do Sul ficaram marcadas nos livros como a maior jornada pela sobrevivência. Alguns anos atrás, eu estava num evento na Royal Geographic Society, em Londres, quando a neta de Shackleton, Alexandra “Zaz” Shackleton, chegou até mim e disse: “Se existe alguém que pode fazer isso é você”. Quando isso acontece, não se diz não. Foram quatro anos de preparação.
Vocês também usaram instrumentos daquela época para se guiar?
Além de o bote ter sido uma réplica fiel, usamos o mesmo tipo de roupa que eles. Portanto, nada de jaquetas de Gore-Tex ou luvas, mas apenas peças de lã e gabardine – não mais do que você usaria em casa no inverno. Foi como usar só um agasalho e uma capa de chuva. Fizemos uso da navegação celestial para nos guiar – compasso, cronômetro, sextante e as estrelas – e seguimos uma dieta parecida – pemmican (um concentrado de gordura e carne seca), chocolate, biscoito, chá. Só!
Quais foram os maiores desafios dessa expedição?
Para mim, a travessia pelo mar representou um grande risco, já que navegação não é a minha especialidade. Nos dias 2 e 3, por exemplo, pegamos uma tempestade brutal, com ondas de mais de 7 metros e ventos de 92 km/h. Foi difícil conduzir o bote, impossível ficar seco e dificílimo comer algo sem vomitar. Mas a travessia a pé foi mais complicada psicologicamente. Subestimei as montanhas congeladas superescarpadas e os trechos com fendas profundas. O mau tempo nos forçou a dispensar dois membros da equipe de filmagem, ambos excelentes montanhistas. Isso depois da desistência forçada de três dos seis homens que haviam estado no bote, porque seus dedos do pé corriam o risco de gangrenar. Eu não sabia se sobraria alguém para cruzar as montanhas, que seria mais seguro se feito com um time de três. No final das contas, nós conseguimos [apenas ele e o montanhista Barry Gray fizeram o trecho final]. Depois do que passamos, acho ainda mais incrível que Shackleton e sua equipe, que não tinham experiência de montanhismo, tenham conseguido sobreviver.
Como você se sente depois de ter conseguido refazer a odisseia de Shackleton?
Chegar à estação baleeira Stromness no dia 11 de fevereiro foi um misto de júbilo, alívio e orgulho, mas também de humildade. Chegamos perto de compreender o que Shackleton fez quase 100 anos atrás – o medo, a dor, o sofrimento e tudo aquilo que ele e seus homens tiveram de enfrentar. Como disse Shackleton, acho que conquistamos pela resistência. Mas também recriamos um pouco dessa história incrível.
Imagem: Wikimedia Commons