Se Fernando Collor de Melo não tivesse caído apesar da enxurrada de escândalos, a conseqüência mais provável seria a eleição de Lula ainda em 1994. Talvez mesmo um ano antes. De acordo com Fernando Luís Abrúcio, professor de Ciência Política da PUC-SP, o governo Collor (1990-1992) já nasceu fadado ao fracasso. “Sem o impeachment, seu mandato poderia até ser reduzido para 4 anos pelo Congresso, acabando no final de 1993.”
A sociedade brasileira, quando se sentisse traída com o plano econômico que confiscou 60% do seu dinheiro depositado em poupança e conta corrente, iria para o tudo ou nada, apostando na promessa de renovação do PT. E não teria ocorrido o governo Itamar, que lançou o Plano Real – e deu enorme popularidade ao seu ministro da Fazenda, o tucano Fernando Henrique Cardoso.
Para Francisco Fonseca, cientista político da Fundação Getúlio Vargas e da PUC-SP, o Lula de 1994 não seria nem o radical de 1989 nem o “Lulinha Paz e Amor” que levou o pleito de 2002. “As variáveis da época não permitiriam um governo radical. A esquerda já estava em crise com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética. Não seria possível recuar no processo de abertura econômica iniciado por Collor.”
Nem sapo barbudo, nem paz e amor
Lula meio-termo se elegeria se não houvesse impeachment
ECONOMIA
Como foi: Fernando Henrique criou o Plano Real (ainda em 1994, como ministro da Fazenda) e estabilizou a inflação na casa dos 10% ao ano. Fez várias privatizações, como as dos sistemas de telefonia e energia elétrica.
Como seria: Sem Plano Real, “Lula 94” poderia controlar os preços galopantes por meio do congelamento – em que certamente teria o apoio da população exausta com as taxas absurdas de inflação. Para impedir que o plano fizesse água, uma alternativa seria lançar mão dos aparatos policial e judicial: mandar para a cadeia quem aumentasse os preços, com espetáculo televisivo incluído. Provavelmente não voltaria atrás nas privatizações da era Collor, mas não levaria adiante a desestatização. Assim, serviços como a telefonia e a geração de energia elétrica seguiriam por mais alguns anos sob administração pública – e, se as políticas de gestão vigentes fossem mantidas, uma linha telefônica ainda poderia ter o preço de uma moto. No que diz respeito às contas externas, o governo Lula dificilmente declararia a moratória da dívida.
Como era em 2005: Lula deu sequência à política econômica traçada por FHC.
SOCIEDADE
Como foi: O presidente FHC contava com o apoio da elite. Precisou contornar vários conflitos com o Movimento dos Sem-Terra, que chegou a invadir sua fazenda em Minas Gerais. Além disso, sofreu pressão constante dos setores sociais organizados, como a CUT e o funcionalismo público.
Como seria: A elite provavelmente se dividiria em um hipotético governo Lula de 1994. Parte dela ficaria descontente com a abertura econômica – os empresários das indústrias de autopeças e têxtil, que tiveram um revés imenso com a queda das taxas de importação, se encaixam nesse grupo. A outra metade, composta por consumidores de produtos importados, apoiaria a política do governo. A política agrária não seria muito mais revolucionária que a de FHC – ainda assim, as afinidades políticas fariam com que o MST fosse mais tolerante. O maior calo talvez fosse a chiadeira e as greves do funcionalismo público, pois o congelamento de seus salários seria uma medida cogitada para equilibrar as contas.
Como era em 2005: Os movimentos sociais e estudantis mantêm-se mais tolerantes do que foram com FHC, por causa do vínculo que tiveram com o PT no passado. O governo ainda encontra apoio em todos os estratos sociais – mas sua popularidade mantém-se em queda, devido às denúncias de corrupção.
POLÍTICA
Como foi: No governo de Fernando Henrique, o PT assumiu o papel principal na oposição. FHC teve forte apoio do Congresso e canetou muitas emendas constitucionais, entre elas o projeto da reeleição – que abriu a chance de um presidente governar por 8 anos, como conseguiu o próprio Fernando.
Como seria: O PSDB seria rival do PT nas eleições que levariam Lula ao Planalto, mas poderia se aliar ao governo após a posse do presidente. A oposição ficaria sob a liderança do PFL de Antônio Carlos Magalhães. O corpo ministerial seria mais esquerdista do que o de FHC e até mesmo que o do governo eleito em 2002. Na época, o PT dava mais ouvidos aos intelectuais de esquerda e poderia se valer deles para compor o governo. Alguns nomes possíveis: Paulo Freire (Educação), Celso Furtado (Fazenda) e Plínio de Arruda Sampaio (Agricultura). Ninguém se arriscou a prever se poderia pipocar algum escândalo decorrente de práticas política “não-convencionais”.
Como era em 2005: O PSDB e o PFL são a principal oposição a Lula. O governo sofre pouca pressão do Congresso, que está desmoralizado pelo escândalo dos mensalões e mensalinhos.