Luiz Dal Monte Neto
No número 11, ano 3, de SUPERINTERESSANTE, apresentei ao leitor um tipo de quebra-cabeça praticado sobre o tabuleiro de xadrez. Conhecido como “a volta do cavalo”, aquele passatempo utilizava apenas um ilustre equídeo, que trotava solitariamente pelo tabuleiro. Mas há outras peças e há outros problemas igualmente intrigantes. Novamente, os leitores enxadristas não devem se inquietar, pois não é necessário saber jogar xadrez para se divertir com os quebra-cabeças seguintes.
A figura em destaque, desta vez, é a dama – esta personagem poderosa neste matriarcado disfarçado que é o xadrez, onde o rei pode ter prestígio, mas não tem força. A dama move-se para qualquer número de casas, horizontal, vertical ou diagonalmente. Na ilustração vê-se um ponto em cada uma das casas para as quais pode se dirigir a dama ali representada. A dama tem grande mobilidade. Um bom problema para o leitor convencer-se disto, enquanto aprecia sua despojada forma de andar, consiste em levá-la para um passeio pelas 64 casas do tabuleiro em exatamente 14 jogadas.
E permitido passar mais de uma vez pelas mesmas casas e é obrigatória a chegada na casa de origem. Se você for trabalhar sobre um tabuleiro, para controlar o processo, utilize as peças de 1 a 14 de um jogo de loto, ou pequenos papéis numerados. Se você não tiver um tabuleiro, não se preocupe: com lápis e papel a graça do problema é a mesma. Ele não é muito fácil, embora o leitor possa considerá-lo uma brincadeira, se comparado com um passeio com a mulher para a compra de um par de sapatos (coincidentemente, eles sempre acabam sendo comprados na primeira loja visitada).A dama é muito influente. Quando colocada no centro do tabuleiro, chega a controlar mais de 40% dele. Este fato deve ter inspirado Max Bezzel que, em 1848, numa revista enxadrística berlinense, propôs um célebre quebra-cabeça baseado nesta grande influência feminina. O problema correu mundo e motivou um razoável volume de artigos e análises.
Ele pode ser expresso assim: qual o número máximo de damas que podem ser dispostas num tabuleiro, de modo que cada uma não seja atacada pelas demais? (Sempre me lembro dele no dia-a-dia entre mãe, sogra, mulher e duas filhas). Para o não-enxadrista, o problema pode ser melhor colocado deste modo: qual o número máximo de damas que podem ser postas num tabuleiro, de modo que nenhuma fileira, coluna ou diagonal contenha mais que uma delas?
É imediata a constatação de que esse número não pode exceder 8. Generalizando, para um tabuleiro de n x n casas, onde n > 3, consegue-se colocar n damas satisfazendo as condições do enunciado. O número de soluções varia conforme o tamanho do tabuleiro. Para o de 8 x 8 casas, existem 92 soluções, contudo apenas 12 são essencialmente diferentes, uma vez que as demais podem ser obtidas através de rotações e reflexões delas. Em 1850, em Leipzig, elas foram apresentadas por Franz Nauck.
Cada uma das soluções-base gera 7 outras – 3 por rotação e 4 por reflexão (devido a sua simetria, ela gera apenas 3 outras soluções). As onze soluções-base restantes estão na seção de soluções, que o leitor perseverante no trato dos caprichos femininos, evidentemente dispensará.
Para facilitar (pouca coisa) o trabalho do leitor, lá vão duas dicas: em todas as soluções há sempre uma dama na quarta casa de uma das margens do tabuleiro e em duas das doze soluções-base há uma dama posicionada num dos seus cantos. Depois de solucionar a convivência das damas, sem que elas briguem entre si, será interessante observar que elas sabem se unir – e como! -, quando necessário. Para tanto, deixo o leitor com um último problema: qual o número mínimo de damas que se deve por no tabuleiro (e onde, é claro), para que cada uma das casas não ocupadas seja controlada por, pelo menos, uma delas? Podem existir casas sob controle de mais de uma dama. Busque também soluções para tabuleiros de 9 x 9,10 x 10 e 11 x 11 casas. Você se surpreenderá. As soluções deste último quebra-cabeça serão publicadas no próximo número.