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Dá para curar uma pessoa impondo as mãos sobre ela?

Impor as mãos sobre o corpo vem resistindo aos séculos como o último recurso para a cura. O misterioso é que pode funcionar mesmo - resta saber como.

Por Silvia Lisboa
Atualizado em 19 ago 2020, 14h38 - Publicado em 13 dez 2019, 12h48
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neozelandesa Idris King sofria de frequentes crises de enxaqueca quando procurou o britânico Matthew Manning, conhecido por ter o dom da cura. Em uma sessão de menos de 10 minutos, Manning impôs suas mãos sobre sua cabeça, e Idris sentiu seu cérebro tremer. Depois, teve a sensação de que algo fora arrancado de sua coluna no momento em que Manning colocou as mãos sobre seu pescoço. Saiu da consulta e nunca mais teve uma crise de enxaqueca. Em 1988, o tratamento espiritual de Manning ajudou o duque de Bedford na época, Robin Russell, a recuperar a visão perdida depois de um derrame, do qual ninguém acreditou que sairia vivo. Na realeza, o príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth II, também recorre ao tratamento nada ortodoxo do britânico.

Discreto, Manning, 59 anos, atende pacientes duas vezes por semana em uma clínica em Exmor, região rural e idílica no oeste da Inglaterra. Seu método consiste em impor as mãos sobre o paciente por não mais que 20 minutos e canalizar o que ele chama de “um tipo de amor incondicional”. Segundo ele, não é preciso ter fé no tratamento para que a terapia funcione. Não há, porém, garantia de cura – ele perdeu a mulher para o câncer há 10 anos. Também é desaconselhado abandonar os tratamentos convencionais. O alento é o índice de acertos do britânico, que coleciona um currículo extenso de pacientes que se dizem curados e recebe o aval de médicos como o oncologista Karol Sikora, chefe do programa de câncer da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Impor as mãos sobre os doentes é uma técnica milenar. De maneira intuitiva, os povos antigos conheciam bem o poder terapêutico de impor as mãos. Faz sentido: o tato é o primeiro sentido a ser desenvolvido e costuma permanecer totalmente ativo até o fim da vida. Um recém-nascido depende do toque da mãe para sobreviver – e a partir desse sentido, ele começa a descobrir o mundo. É por esse mesmo motivo que a primeira reação que temos ao sentir dor é colocar a mão sobre o local lesionado: o simples ato dispara o sentido imediato de autoproteção e reduz a ansiedade, o que tem repercussões positivas na imunidade. No Novo Testamento, os registro dos milagres dos apóstolos de Cristo começavam com a imposição das mãos sobre os enfermos – e terminavam com um cego voltando a enxergar ou com os passos de um paraplégico.

No espiritismo, o passe espírita usa as mãos para transferir a chamada energia vital. A doutrina acredita que as doenças físicas são oriundas de doenças da alma, que podem ser tratadas por uma “energia cósmica”, captada e canalizada pela pessoa que dá o passe. Os umbandistas, mórmons e messiânicos também elevam os braços para tentar curar males físicos. Até terapias sem conotação religiosa, como o reiki, usam o mesmo método e compartilham da ideia de que não somos só pele, carne e osso, mas também energia.

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Não restam muitas dúvidas de que o toque tem um algum efeito terapêutico. Se não pode promover curas, pelo menos ajuda no relaxamento. A dúvida é: sujeitos como Manning, padres, médiuns e terapeutas de reiki podem mesmo ter esse poder de curar os males do corpo? Existe um nome para isso: psicocinese, a habilidade de fazer com que uma intenção consciente tenha impacto no mundo e nas pessoas. Apesar de estar associada a eventos mágicos, como queimar lâmpadas com a força do pensamento, as evidências científicas mais contudentes são vistas em indivíduos mesmo.

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Na Rússia dos anos 20 e 30, o fisiologista Leonid Vasiliev começou a testar a influência mental de um indivíduo sobre outro colocando voluntários a 18 metros e a 1,6 mil quilômetros de distância. Vasiliev identificou mudanças na respiração, condutividade elétrica cutânea e nos estados de vigília e sono de quem recebia uma sugestão mental. Os estudos do russo serviram de modelo para o cientista William Braud. Ele colocou voluntários recrutados por anúncios de jornais em salas diferentes. Nenhum possuía qualquer habilidade paranormal. Sentados em poltronas confortáveis, um dos voluntários recebia dispositivos grudados ao corpo, que mediam o suor, considerado um indicador de excitação emocional. Na outra sala, o sujeito que influenciaria a mente podia se valer de qualquer truque mental que quisesse para fazer o outro suar mais.

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Foram feitos 13 experimentos, e o coeficiente de sucesso ao acaso esperado era de 5%, mas a taxa foi de 40%. O melhor, como descreve a neurocientista Diane Powell em Poderes Paranormais, foi o relato dos voluntários. Um deles disse ter a impressão de ver alguém entrando na sala e sacudindo a sua cadeira pelas costas. A surpresa foi descobrir que o influenciador usou essa mesma imagem mental para provocar a alteração fisiológica remota. O estudo revela uma faceta tão sobrenatural que parece roteiro de filme de ficção científica: todos nós teríamos alguma capacidade de influenciar as células de outra pessoa. Seja como for, trata-se de um experimento isolado. Não existe evidência científica de fato.

Sucesso em laboratório

O britânico Matthew Manning deu objetivos nobres à habilidade psicocinética que julgava ter após uma viagem à Índia, em 1977. Aceitou passar cinco anos sendo testado por cientistas da Fundação Mente e Ciência, do Texas, da Universidade da Califórnia e da Universidade de Londres.

Primeiro, os pesquisadores queriam testar se Manning era capaz de influenciar células isoladas em laboratório. Assim, eles tirariam da jogada um possível impacto do efeito placebo, quando a crença do indivíduo influencia o resultado de um tratamento – até hoje a explicação mais aceita para os supostos benefícios dos tratamentos espirituais. O teste consistia em monitorar a atividade de um tipo de enzima, conhecida pela sigla MAO, antes e depois de Manning impor suas mãos por 5 minutos sobre as culturas de células. A MAO está envolvida em doenças como depressão, déficit de atenção e vícios. Em 80% dos casos, a ação da enzima foi significativamente alterada após o trabalho do curandeiro. Em dois testes semelhantes, Manning venceu o acaso e conseguiu evitar a morte de hemácias e inibir a proliferação de células cancerígenas.

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Em uma sessão de reiki, a habilidade psicocinética do terapeuta também é decisiva. Tanto que os terapeutas da milenar técnica japonesa precisam cumprir três estágios de formação. A primeira etapa é aprender a aplicar a técnica em si próprios. Conforme a filosofia do reiki, os principais órgãos, glândulas e juntas do corpo são os centros de energia (ki significa energia) e o toque gentil e concentrado do terapeuta teria o poder de canalizá-la para promover o bem-estar.

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Para testar a eficácia da técnica, o pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Ricardo Monezi dividiu idosos em dois grupos. O primeiro fez sessões de reiki com terapeutas com mais de 5 anos de experiência. No segundo grupo, eram atores que encenavam a aplicação da técnica. Na comparação dos benefícios, o primeiro grupo se saiu melhor, com uma redução significativa nos níveis de estresse e ansiedade.

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O médico Paulo de Tarso Lima, chefe do Grupo de Medicina Integrativa do Hospital Albert Einstein, de São Paulo, acredita, porém, que a explicação por trás dos benefícios dos tratamentos espirituais está em um único lugar: dentro do próprio paciente. “A maioria desses métodos estimula processos biológicos inatos de combate a doenças”, diz. “Não é o padre, o pai de santo ou o rabino que promovem a cura. Eles facilitam a ativação de mecanismos fisiológicos básicos, que acionam o sistema parassimpático, que por sua vez modula a resposta inflamatória e a imunologia do organismo contra todo tipo de doença”, defende.

Além do caso da enzima MAO, um estudo conduzido pelo médico Giancarlo Lucchetti, da Universidade Federal de Juiz de Fora, mostrou que os passistas, pessoas credenciadas pelo espiritismo a dar passes, superaram outras terapias de imposição de mãos em um teste que mediu a capacidade das técnicas para inibir a proliferação de bactérias em laboratório. Ou seja, nem tudo é efeito placebo.

Nesse ponto, os físicos podem estar mais próximos do que os médicos de uma resposta. No final dos anos 70, surpreso com as habilidades sobrenaturais de Matthew Manning, Brian Josephson, prêmio Nobel de física em 1973, se arriscou a provar a paranormalidade com a física quântica – opção que até hoje lhe rende críticas. Para detalhar melhor sua hipótese, Josephson comparou um surfista a um paranormal. Estranho? Sim. Josephson explica: ao entrar no mar, um surfista aproveita as ondas para nadar sem fazer tanto esforço. Do mesmo modo, um paranormal deve ser capaz de redirecionar energias no nível subquântico para seu próprio objetivo – no caso de Manning, curar dores do corpo e da alma.

Mas os cientistas não fazem ideia de que energia é essa.“Não sabemos qualificar ainda a natureza dessa energia”, diz o psicobiólogo Ricardo Monezi, que tem em seu grupo três físicos, um deles cético convicto, dedicados a buscar meios para medir essa grandeza enigmática.“Precisamos de equipamentos ultrassensíveis para mensurá-la. E eles ainda não existem”, diz o pesquisador do Núcleo de Medicina e Práticas Integrativas da Unifesp.

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