AliBabá e os 250 bilhões de dólares
Ele fatura mais que a Amazon e o eBay somados. Tem centenas de milhões de produtos à venda - inclusive coisas bem estranhas, que não se encontram em nenhum outro lugar da web. Conheça a curiosa história do Alibaba: o gigante chinês que quer engolir a internet.
Ali Babá, no conto árabe, é um lenhador pobre que fica rico ao encontrar um tesouro. No portal chinês Alibaba, esse tesouro às vezes tem caras estranhas. Nele e em suas subdivisões é possível encontrar pepino do mar congelado (US$ 12 o quilo), peras em formato de buda (US$ 10 por três), cabelos de “jovens virgens” (US$ 16 a mecha) – ou uma centrífuga para produzir urânio enriquecido (US$ 9 mil). E mais uma montanha de produtos falsificados: são cerca de 800 milhões de artigos piratas, oferecidos por 8 milhões de vendedores chineses. No ano passado, o Alibaba movimentou US$ 250 bilhões. É mais que Amazon e eBay somados (e quatro vezes o faturamento anual do Google). Em termos de dinheiro, o portal chinês é o maior site da internet. Neste mês, deverá colocar suas ações à venda na Bolsa de Nova York. Acredita-se que o valor de mercado do portal possa superar o do Facebook e da IBM. O dia exato do negócio é mantido em segredo, mas especula-se que ele possa acontecer no próximo dia 8 de agosto. Porque oito, em chinês, pronuncia-se “bá”. Oito de agosto é 8-8, ou “ba-bá”. Como Alibaba.
A escolha do dia é um gesto irreverente, bem ao estilo da empresa. Na festa de dez anos do Alibaba, em 2009, 15 mil funcionários se reuniram num estádio para comemorar e ver shows de música pop chinesa. Até que o palco se abriu e, vestindo roupa de couro, óculos escuros e uma peruca com cabelos brancos até a cintura e um grande moicano roxo, o ex-professor universitário Jack Ma virou o centro das atenções. Ninguém diria que ali estava o terceiro homem mais rico da China, com uma fortuna pessoal de US$ 10 bilhões. Mas o que o dono do Alibaba fez depois foi mais bizarro ainda: cantou a música do filme Rei Leão, Can You Feel the Love Tonight, de mãos dadas com uma sósia de Marilyn Monroe. Em seguida, o ex-presidente Bill Clinton participou do evento via teleconferência.
Essa mistura improvável de coisas lembra a trajetória do próprio Jack. Nascido na área rural da China, ele conheceu um turista americano quando era criança, ficou fascinado, e resolveu ir atrás de outros estrangeiros. Passou a ir de bicicleta até o hotel da cidade, pedalando uma hora e meia, só para encontrar gringos e tentar aprender inglês. Fez isso todos os dias por nove anos, até que aprendeu. Virou professor do idioma, ganhando o equivalente a US$ 12 por mês. Em 1995, arranjou um trabalho como tradutor em um projeto e viajou para os EUA, onde viu um computador pela primeira vez e acessou a internet. Ficou maravilhado.
Ao voltar para a China, montou a primeira empresa de internet do país: um site chamado China Pages, que listava os contatos de empresas locais. Mas o governo comunista estranhou. Muitos dos oficiais nunca tinham nem visto um computador, e por isso colocaram vários obstáculos contra a empresa de Jack, que acabou desistindo. Quatro anos depois, em 1999, resolveu tentar de novo. Reuniu 17 amigos e os convenceu a trabalhar de graça na criação do Alibaba. No começo, o site era voltado para comércio entre empresas, com negociações de minério de ferro, máquinas e equipamentos. Deu certo, mas havia um problema. O site não conseguia ganhar dinheiro, pois anunciar nele era (e ainda é) gratuito. Foi então que Jack teve a ideia que o tornaria bilionário: cobrar para dar destaque aos anúncios. Foi o que transformou o Alibaba num gigante, que hoje tem 24 mil funcionários. “Ele não tem nenhum conhecimento de tecnologia, mas sua grande qualidade é montar times com pessoas sem experiência, e motivar essas pessoas”, diz o executivo Porter Erisman, que trabalhou dez anos no site, onde chegou a vice-presidente, e é o diretor de um novo documentário sobre a empresa, Crocodile in the Yangtze (“Crocodilo no Yangtze”, ainda sem versão em português). O filme é apenas um dos que abordam o Alibaba – há pelo menos mais sete a respeito.
Jack Ma é mesmo um ídolo na China, onde é conhecido pela capacidade de convencer qualquer pessoa de qualquer coisa. Isso foi fundamental para superar um desafio típico de lá: a relação com as autoridades, que controlam a internet com mãos de ferro. “Na China, nenhum negócio sobrevive se não tiver um relacionamento amigável com o governo”, afirma Fabro Steibel, professor de novas tecnologias da ESPM. Ma conseguiu convencer os líderes comunistas de que o Alibaba seria um bom negócio, que iria gerar divisas para a China.
Conforme foi crescendo, o site também se tornou mais polêmico – e de modo tipicamente chinês. Como qualquer pessoa ou empresa pode anunciar no Alibaba, e são centenas de milhões de produtos, fica difícil saber o que é original e o que não é. Na China, a falsificação também não carrega o estigma que tem no Ocidente. “Uma empresa pode fabricar uma cópia de um produto, ou fazê-lo de maneira levemente diferente, sem que isso seja considerado pirataria. É um jeito diferente de abordar a propriedade intelectual”, diz Steibel. O Alibaba não quis falar com a SUPER, alegando que está no chamado quiet period (período silencioso), uma regra imposta pelas autoridades americanas. Quando uma empresa está prestes a abrir seu capital em Bolsa, é proibida de dar entrevistas e falar com a imprensa – para que não dê declarações que possam inflar o valor das ações.
Oficialmente, o Alibaba proíbe a venda de artigos falsificados, e há casos de anúncios que foram deletados do site por causa disso. O portal também criou o site Tmall.com, que é voltado para o mercado interno chinês e só vende produtos oficiais de marcas conhecidas, como Nike, Adidas, GAP, Apple e Ray-Ban. Outro site criado pelo grupo é o AliExpress, que oferece artigos baratos, como roupas, cosméticos e bugigangas eletrônicas, para o mercado internacional. Ele tem versão em português, e faz sucesso entre os brasileiros – que são seus terceiros maiores clientes (só atrás dos americanos e dos russos). O frete é grátis, mas a entrega é um problema: chega a demorar meses. Foi o que aconteceu com a advogada Andrea Araújo, que comprou uma blusa por US$ 8 e só a recebeu depois de mandar uma reclamação para o site.
O vendedor enviou uma resposta pouco amigável, em um inglês macarrônico, dizendo que ela estava sendo injusta. Depois de alguns meses, o produto chegou. Andrea diz que vai comprar de novo. “É tão barato que vale a pena”, afirma.
Juros irresistíveis
A nova investida do grupo Alibaba é o AliPay, um serviço que atua como intermediário nas compras e vendas. Ele retém o dinheiro pago pela mercadoria, e só o entrega ao vendedor depois que o comprador recebe o produto e confirma que está tudo OK. Mais ou menos como o MercadoPago e o PagSeguro, no Brasil, e o PayPal, nos EUA. Só que os chineses resolveram dar um passo além. Aproveitaram a popularidade do AliPay para criar um fundo de investimentos, o Yu¿e Bao (algo como “tesouro sobrando”, em chinês), no qual qualquer pessoa pode aplicar seu dinheiro com poucos cliques. Deu muito certo: em apenas dez meses, 81 milhões de chineses investiram no fundo, que já soma US$ 92 bilhões e paga juros de 5,5% ao ano – muito mais que os 0,35% anuais oferecidos pelos bancos. Um negócio irresistível. O sucesso foi tão grande que levou outras empresas chinesas de internet a criar seus próprios fundos de investimento. E está irritando os bancos chineses, que recentemente publicaram um artigo defendendo que o governo imponha regras para conter o Yu¿e Bao. O Alibaba pode acabar sendo atrapalhado pelo próprio sucesso. Ou, se sua oferta de ações der certo, se consolidar como quarta maior empresa de tecnologia do mundo – só atrás de Apple, Google e Microsoft.