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12 grandes avanços que a humanidade deve à cerveja

Pode parecer conversa de boteco, mas não é

Por Nicolas Gunkel, de Exame.com
Atualizado em 12 mar 2018, 19h14 - Publicado em 15 jul 2015, 13h45

Alguns dos acontecimentos mais importantes na história da ciência, da tecnologia e da civilização devem créditos a uma bebida extremamente popular: a cerveja. Com a ajuda do líquido fermentado, o homem deixou de ser nômade, escreveu algumas das primeiras palavras de que se tem registro, ergueu impressionantes monumentos arquitetônicos, atravessou continentes e salvou milhões de vidas.

Mais do que isso, a busca pela perfeição de uma das bebidas mais antigas produzidas pelo ser humano também trouxe avanços fundamentais para a ciência moderna. Não é à toa que nomes como James Joule e Louis Pasteur — cientistas que trabalharam para a indústria cervejeira — são obrigatórios nos livros didáticos de hoje.

“Algumas conquistas históricas aconteceram exclusivamente por causa da cerveja, enquanto outras foram apenas impulsionadas e não se devem 100% a ela”, explica o mestre cervejeiro Matheus Aredes, graduado pelo VLB Berlim e fundador da academia de cerveja Bräu Akademie. Em entrevista a EXAME.com, Aredes defendeu que há duas maneiras de se abordar o papel da bebida na história da humanidade: uma mais ufânica e uma mais realista.

A verdade é que, seja como personagem principal ou coadjuvante, a “gelada” participou de momentos decisivos da história da humanidade. Veja alguns dos avanços que devemos a ela. A viagem começa há milhares de anos.

12 grandes avanços que a humanidade deve à cerveja

1. Revolução Agrícola

Se a revolução agrícola é considerada um divisor de águas na história do homem moderno, o que poucos sabem é que a cerveja teve papel decisivo no assentamento da primeira civilização. Entre 9000 a.C. e 7000 a.C., nômades sumérios começaram a plantar cevada de maneira regular na região da Mesopotâmia. Por décadas, especialistas assumiram que o cultivo do grão tinha por objetivo a produção de pão.

Mas estudos mais recentes apontaram resíduos de cevada em jarras antigas, indicando que a planta possa ter sido cultivada antes mesmo do alimento. Para Aredes, é difícil avaliar a ordem dos acontecimentos. “É uma teoria que não está 100% provada. É possível que a cerveja tenha sido mais consequência do assentamento humano do que o contrário.”

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2. Escrita

A tecnologia mais importante associada à cerveja é também uma das mais antigas: a escrita. Há mais de 5 mil anos, os sumérios começaram a gravar pictogramas em barro molhado, com o objetivo de codificar transações comerciais e… anotar receitas de cerveja. Segundo o especialista em textos antigos da Universidade da Pensilvânia (EUA), Stephen Tinney, mais de 160 símbolos da escrita cuneiforme estão diretamente ligados à bebida fermentada.

“Era necessário registrar a produção de diversas commodities, e isso incluía a cevada e o trigo”, destaca Aredes. Apesar dos fortes indícios de que o desenvolvimento da escrita na Suméria está associado à cerveja, arqueólogos divergem até hoje sobre a primeira civilização a dominar a técnica. Há evidências de que egípcios já produziam na mesma época, de forma independente, seus primeiros hieróglifos.

Como a história humana também foi marcada por extermínios culturais — como o da civilização maia pelos espanhóis —, é ainda mais difícil afirmar com certeza onde e por que surgiu a escrita.

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3. Pirâmides

As pirâmides egípcias são até hoje objeto de fascínio e discussões entre arquitetos, arqueólogos e historiadores. Não há dúvida, no entanto, sobre o combustível que permitiu suas construções. Para levantar os monumentos que abrigariam seus túmulos, os faraós pagavam a cada operário cerca de 4 litros de cerveja por dia. Em uma estimativa aproximada, pode-se dizer que o levantamento da grande pirâmide de Gizé, uma das sete maravilhas do mundo, consumiu cerca de 876 milhões de litros da bebida.

“Apesar de ser inventada na Mesopotâmia, a cerveja foi impulsionada no Egito. Foi quando ela passou a ser produzida em escala e a ser usada como moeda de troca pela força de trabalho”, conta Aredes. Vale lembrar que, mais do que um meio de pagamento, a cerveja era o alimento que mantinha os operários em pé. A bebida da época era mais leve em álcool e muito mais densa em nutrientes do que o líquido que tomamos hoje — não é à toa que, na Alemanha, a cerveja é também conhecida como “pão líquido”.

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4. Idade das Trevas

No período medieval, a cerveja era comumente utilizada como alternativa à água, que nem sempre era potável. Mais do que isso, o recurso hídrico era responsável pela proliferação de uma série de doenças, como a cólera. Por causa dos rios sujos e da carência de saneamento básico, cerca de 50% da população não vivia até mais do que 6 anos de idade.

Mesmo quando feita com água poluída, a cerveja era uma fonte mais segura de nutrição. Apesar de terem atribuído a purificação do líquido a forças ocultas, e não à fervura e à fermentação, os alquimistas e monges da época acabaram salvando milhões de vidas ao produzir a bebida.

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5. Novo Mundo

Há pouco mais de cinco séculos, quando conquistar a América ainda era um sonho para os europeus, manter embarcações abastecidas durante as viagens era um grande problema. Além da quantidade de comida necessária para meses a bordo, muitos suprimentos estragavam nas primeiras semanas, inclusive a água.

Para contornar o problema, os navegadores estocavam queijo, mel, azeitona e outros alimentos em conserva. E para garantir a hidratação, levavam consigo galões e galões de cerveja. “Eles não viajavam sem cerveja, porque ela era esterilizada e tinha conservantes naturais. É difícil dizer que os colonizadores não teriam conseguido chegar aqui sem a bebida. Mas ela deu uma força”, conta Aredes.

Mesmo depois de desembarcar no Novo Mundo, os viajantes tinham receio de tomar da mesma água que os nativos bebiam por considerá-la insegura, o que acabou estimulando a produção cervejeira na colônia.

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6. Pasteurização

Uma das descobertas que ajudou a estabelecer as bases da medicina moderna deve créditos à cerveja — e não ao leite, como muitos pensam. O processo de pasteurização foi identificado pelo microbiólogo francês Louis Pasteur, que publicou em 1876 a obra Études sur la Bière (“Estudos sobre a Cerveja”, em tradução livre).

O cientista, que também trabalhava como consultor para cervejarias, queria entender por que a cerveja frequentemente estragava. Ao analisar as células de levedura na bebida, ele notou a presença de microorganismos até então desconhecidos: as bactérias. Além de provar que eram elas que prejudicavam o sabor da bebida, o cientista apontou uma maneira de eliminar as intrusas: a pasteurização, que consiste em esquentar uma substância a temperaturas entre 65ºC e 70ºC durante um certo intervalo de tempo.

Os estudos de Pasteur repercutiram imediatamente na ciência e na medicina, reavivando a teoria dos germes, ideia de que as pessoas poderiam adoecer se entrassem em contato com esses micro-organismos invisíveis a olho nu. “Ele gerou uma discussão sobre contaminações, higiene e infecções hospitalares. Só depois disso os médicos começaram a lavar as mãos, por exemplo, antes de fazer um parto”, conta Aredes. “Uma vez entendendo a origem das doenças, ficou mais fácil criar métodos para preveni-las e combatê-las.”

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7. Escala de pH

No início do século passado, o laboratório da cervejaria alemã Carlsberg enfrentava um grande problema de precisão. Não havia uma escala adequada para definir o quão ácida estava a bebida produzida. Até então, mestres cervejeiros utilizavam termos vagos, como “muito ácido”, “bom” ou “básico”.

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Foi então que, com o objetivo de controlar os resultados, o químico dinamarquês Soren Sorensen desenvolveu a escala de potencial hidrogeniônico, o pH. Trabalhando no laboratório da cervejaria, ele estudou o efeito da concentração de íons em proteínas, e percebeu que quanto mais ácida era a bebida, mais ela apresentava íons de hidrogênio.

Com algumas revisões posteriores, o modelo desenvolvido pelo cientista ganhou o mundo. A escala de pH é usada hoje em todo o planeta e é crucial para qualquer procedimento químico.

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8. Refrigerador

O desprazer de beber uma cerveja quente não é um drama recente. Até o fim do século 19, a bebida era produzida e vendida apenas nos meses frios por conta da dificuldade em mantê-la gelada durante o verão. Além disso, o próprio processo de maturação da cerveja exigia temperaturas amenas, o que demandava o transporte de toneladas de gelo da natureza para adegas subterrâneas — onde havia menor variação térmica.

Como se pode imaginar, todo esse trajeto tornava o produto mais caro e mais escasso. Foi então que, a pedido da cervejaria irlandesa Guinness, o engenheiro alemão Carl von Linde desenvolveu o primeiro sistema viável de refrigeração artificial. “O primeiro ponto positivo foi a facilidade de resfriar a cerveja enquanto ela era produzida. O segundo, a economia com transporte; e, o terceiro, a própria degustação da cerveja. Fora que agora era possível produzir cerveja o ano inteiro”, explica Aredes.

A invenção, que até então era vista como um projeto de ficção científica, acabou resolvendo o que era um grande desafio para a humanidade: a conservação de alimentos, medicamentos e até órgãos para transplante.

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9. Termodinâmica

Apesar de não ter criado o primeiro termômetro, a indústria cervejeira deu um grande empurrão para aprimorar o instrumento. Isso porque James Joule, filho de uma rica família de cervejeiros, desenvolveu grandes habilidades de experimentação na cervejaria que herdou do pai. O físico amador inglês precisava de condições extremamente controladas para provar a relação entre o trabalho mecânico e o calor, que, mais tarde, levaria à teoria da conservação de energia.

Para isso, projetou termômetros capazes de ler centésimos de graus Fahrenheit, sem os quais não poderia captar mudanças mínimas de temperatura. Os experimentos conduzidos no laboratório de Joule tornaram-se a base do que chamamos hoje de termodinâmica.

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10. Garrafas de vidro

Apesar de não ter inventado o vidro, a indústria cervejeira foi responsável pela criação de uma das primeiras máquinas de produção em grande escala de que se tem registro: a de garrafas de vidro. Até por isso, alguns estudiosos apontam Michael Owens, seu criador, como um dos precursores da fábrica moderna.

“Eram as grandes indústrias da época. Nos EUA, cervejarias viraram fábricas gigantes, que ajudavam a impulsionar a economia”, afirma Aredes. Entusiastas da bebida creditam outro grande avanço à invenção: a redução do trabalho infantil. Até então, a indústria do vidro era a maior empregadora de trabalho para crianças nos EUA. Após a automação desse processo, tal modalidade de trabalho foi erradicada em apenas dez anos.

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11. Mapeamento genético

A produção de cerveja é extremamente sensível e repleta de processos que podem dar errado. Para reduzir esse risco, cientistas empreendem há décadas esforços para dominar os genomas do lúpulo, conservante natural que dá amargor à bebida, e da levedura, fungo responsável por quebrar o açúcar e transformá-lo em álcool.

O primeiro trabalho nesse sentido consta de 1883, quando o cientista dinamarquês Emil Christian Hansen isolou as primeiras culturas puras de levedura, na Cervejaria Carlsberg. “Se alguma coisa dá errado na produção de cerveja hoje, existe uma grande chance de ser por causa da instabilidade da fermentação. E é por isso que o mapeamento genético da levedura é importantíssimo para nós”, explica Aredes.

A manipulação e o cruzamento genético desses organismos para torná-los mais resistentes acaba sendo importante não só para acertar a mão na produção da bebida, mas para diversos outros setores da economia.

No caso da levedura, alguns exemplos são as indústrias química, farmacêutica, de pães, e de combustível. Já o lúpulo é utilizado principalmente para o tratamento de ansiedade, taquicardia e uma série de outros distúrbios. Seu aroma intenso é recomendado como método para a indução ao sono, motivo pelo qual é comumente colocado dentro de travesseiros.

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12. Saúde

Apesar dos comprovados males causados pelo consumo excessivo de álcool, também é consenso entre cientistas que a ingestão moderada da substância pode reduzir o risco de uma série de problemas de saúde. E, por ser mais leve do que a maioria das bebidas, a cerveja se encaixa bem nesse perfil de consumo.

Em 2006, um estudo conduzido no Beth Israel Deaconess Center, nos EUA, constatou que o risco de ataque cardíaco entre pessoas que consomem doses moderadas da substância é entre 40% e 60% menor do que entre não consumidores. Mais tarde, pesquisadores da Harvard School of Public Health, também nos EUA, apontaram que a bebida ajuda a prevenir a formação de coágulos nas artérias do coração, do pescoço e do cérebro, prevenindo acidentes vasculares cerebrais.

A cerveja também é rica em vitaminas. Segundo um estudo realizado na Holanda, consumidores da bebida possuem, em média, 30% a mais de vitamina B6 no organismo do que não consumidores. “Mais do que isso, a cerveja também alivia o estresse, o que acaba promovendo a saúde de uma forma mais ampla”, acrescenta Aredes.

Conteúdo publicado originalmente em Exame.com

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