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Alfred Russel Wallace: o outro barbudo que descobriu a seleção natural

Darwin enrolou 20 anos para publicar sua teoria. Demorou tanto que quase foi ultrapassado – e precisou resolver a questão com um acordo de cavalheiros.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h35 - Publicado em 20 ago 2018, 18h46

18 de junho de 1858. Manhã de verão no distrito de Downe, um vilarejo bucólico que, no censo demográfico de 1861, contava com 500 habitantes. É um subúrbio típico, localizado 22 quilômetros a sudoeste do centro de Londres. Charles Darwin, então com 49 anos – e já usando a barba de seu retrato mais célebre – observa o carteiro chegar. A cena é vista por meio de um espelho, instalado em seu estúdio em um ângulo tal que o permitia fiscalizar a movimentação na caixa de correio sem obrigá-lo a se levantar da escrivaninha.

Mantenha a data acima em mente: ela será a mais importante deste texto. O parágrafo acima é um resumo da segunda metade da vida de Darwin – quando, após retornar de sua longa expedição à bordo do HMS Beagle em 1837, ele se trancou em uma mansão no interior da Inglaterra para escrever A Origem das Espécies.

Ele gostava (muito) de cartas, e dependia delas, mais que de seus diários e anotações de viagem, para pôr a Teoria da Evolução no papel. Janet Browne, sua mais dedicada biógrafa, calcula que ele tenha escrito ou recebido 28 mil cartas, das quais 14 mil estão até hoje preservadas em museus e bibliotecas. Em 1877, já idoso, gastou £ 53 em itens de papelaria, selos e postagem – o equivalente a £ 4,5 mil atuais (cerca de R$ 20,3 mil). Sua saúde débil era a desculpa perfeita para se trancar em casa e evitar contato com gente de carne e osso.

A caixa de correio da casa em Downe era o núcleo de uma rede de contatos de pôr inveja em qualquer jornalista. Sempre educado, e num inglês antiquado até para os padrões da época, Darwin extraia informações de intelectuais e leigos de todos os cantos e áreas de influência do império britânico – América do Sul, Índia, Austrália, África do Sul etc.

Beirando o egoísmo, usava esses dados e observações, fornecidos de bom grado por pares e admiradores, para apoiar em pilares sólidos a sacada mais importante da história da biologia. “Seu estúdio tornou-se uma fábrica intelectual (…) no qual ele despachava pedidos de informação e processava respostas, mantendo-se na dianteira da ciência contemporânea”, afirma Browne.

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Darwin guardou a teoria da seleção natural para si por duas décadas. Optou por aperfeiçoar cada mínimo detalhe à exaustão, em vez de publicá-la logo de cara. E uma hora, de tanto procurar pelo em ovo, acabou sendo ultrapassado.

Na tal manhã de 1858, a que abre o texto, o carteiro trouxe uma mensagem de Alfred Russel Wallace, um dos correspondentes mais frequentes de Darwin. Era um artigo científico, intitulado On the tendency of varieties to depart indefinitely from the original type (em português, algo como “Sobre a tendência das variedades de se distanciar indefinidamente do tipo original”).

O artigo nada mais era que uma descrição resumida do mecanismo de evolução por seleção natural – que Wallace havia deduzido sozinho, sem saber do progresso de Darwin. Nas palavras do próprio Darwin: “Eu nunca vi uma coincidência tão chocante. Ele [Wallace] não poderia ter feito um resumo melhor! Até os seus termos agora se tornaram cabeças dos meus capítulos”.

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A sorte de Darwin é que Wallace o respeitava. O respeitava tanto que tinha mandado o tal artigo só para ele. Queria, antes de mais nada, saber o que Darwin achava. Se valia a pena publicá-lo. Em caso positivo, pediu ao próprio Darwin que enviasse o manuscrito a Charles Lyell, um famoso editor londrino. Haja sorte.

Darwin poderia ter simplesmente rasgado a carta. Mas optou pela saída ética: mandou Lyell, o editor, juntar suas conclusões e as de Wallace em um único artigo, que foi lido diante da Sociedade Linneana de Londres (uma tradicional congregação de CDFs ricaços) em 1º de julho, só duas semanas depois. Em 20 de agosto – há exatos 160 anos – o artigo foi impresso e distribuído. A ciência nunca mais seria a mesma. 

Wallace não poderia ter se dado melhor: ele não era ninguém na alta sociedade inglesa. Ele precisava de status para convencer os demais cientistas de uma teoria tão revolucionária – e assinar um artigo científico com Darwin, na época, era o equivalente de apresentar o Jornal Nacional com o Cid Moreira. Nunca lhe ocorreu reivindicar a teoria apenas para si próprio. Pelo contrário: ele encarnou a figura do aprendiz humilde.

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“Eu vou insistir para sempre que a teoria na verdade é sua, e só sua. Você a esmiuçou em detalhes que eu nunca tinha pensado, anos antes que eu tivesse uma luz sobre o assunto. Meu artigo nunca teria convencido ninguém, e teria sido recebido como uma especulação ingênua, enquanto seu livro revolucionou o estudo da História Natural. O único mérito que reivindico para mim é ter conseguido te forçar a finalmente escrevê-lo e publicá-lo”, escreveu Wallace.

A primeira edição d’A Origem das Espécies seria publicada um ano depois, em 1859, com 502 páginas de escrutínio e ponderação. Mesmo assim, foi considerada por Darwin, na introdução, um esboço rústico, preliminar. “No presente momento, minha obra está quase concluída, mas, como ela ainda me tomará alguns anos para ser completada, e minha saúde está longe de ser boa, tive certa urgência em publicar este resumo”. Em outras palavras: a água bateu na bunda. 

“Espero que o leitor consiga depositar alguma confiança em minha exatidão(…). Este resumo, que agora publico, deve estar com certeza imperfeito.” É, Darwin… Acho que deu para confiar. E também deu para reconhecer o papel de Wallace. Felizmente, esse capítulo da ciência foi resolvido sem brigas.

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