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A matemática Christina Brech estuda espaços com dimensões infinitas

Para um ser 3D, é impossível imaginar uma quarta dimensão: podemos apenas descrevê-la com a matemática. A #MulherCientista desta semana vai além – e explora dimensões sem fim.

Por Maria Clara Rossini
12 fev 2021, 12h13

O espaço tem três dimensões: altura, largura e profundidade. Como nós somos seres tridimensionais, com uma cognição tridimensional, é impossível, para nós, visualizar (ou mesmo imaginar) uma quarta dimensão do espaço. Não o importa o quanto os matemáticos se esforcem em criar um desenho, uma animação ou mesmo um modelo mental de uma forma 4D: não dá certo. Você pode até sacar a lógica da coisa, mas a experiência subjetiva do mundo 4D estará para sempre fora do alcance – tão inacessível quanto a cor do ultravioleta, que nossos olhos não captam. 

É possível entender o motivo dessa limitação imaginando um ser fictício que vive em apenas uma ou duas dimensões – menos do que as nossas três. Um mundo de uma dimensão seria uma linha, e o ser contido nela poderia andar apenas para frente ou para trás (perceba que nós temos uma experiência unidimensional com o tempo: ele só anda em uma direção).

Mesmo que essa linha fosse “curva” olhando de fora – como um círculo desenhado no papel, o ser limitado a ela não saberia a diferença. Ele não pode olhar para o lado e ver que se trata de um círculo porque, para ele, não existe lado. Só frente e trás. O mesmo vale para um ser bidimensional desenhado em uma folha de papel. Ele pode caminhar de um lado para o outro, mas não saberia dizer se a folha está amassada ou dobrada – porque não há em cima e embaixo para ele.

Então, se existem espaços de duas ou três dimensões (mesmo que nossos amigos “menos-dimensionais” não consigam observá-las), por que não poderiam existir quatro, cinco ou infinitas dimensões? A matemática estuda justamente espaços dessas dimensões. É possível fazer cálculos, simulações e avaliar quais seriam as propriedades desses espaços, mesmo que eles não possam ser vivenciados. 

Esse é o campo de estudo de Christina Brech. A professora do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP trabalha mais especificamente com espaços de Banach. Em jargão matemático, esses espaços são definidos como sendo vetoriais, normados e completos. Mas você não precisa saber o que significam esses nomes todos. Basta dizer que o nosso universo tridimensional, por exemplo, é um espaço de Banach. Ou seja: eles são algo familiar para nós. 

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Dentre os espaços de Banach, ela não se limita aos de quatro, cinco ou seis dimensões. Ela foca naqueles de dimensões infinitas. E acontece que existem diferentes tipos de infinitos.

Para explicar essa afirmação contraintuitiva, vamos começar com uma constatação muito familiar: todo número pode ser elevado ao quadrado.

12 = 1

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22 = 4

32 = 9

42 = 16

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E por aí vai. Se todo número pode ser elevado ao quadrado, isso significa que existem tantos quadrados quanto existem números. E como existem infinitos números, existem infinitos quadrados. Mas isso dá origem a um paradoxo: claramente há menos quadrados do que números naturais. Afinal, a sequência de números naturais avança unidade por unidade (1, 2, 3, 4, 5…), já a sequência de quadrados avança em saltos grandes (1, 4, 9, 16, 25…). Como pode os conjuntos dos quadrdos e dos números naturais serem do mesmo tamanho infinito se, quando consideramos um pedacinho finito, os quadrados claramente são só uma seleção dentre os números naturais?

Essa é a noção de pareamento, introduzida por Georg Cantor no final do século 19. Se você pode formar parzinhos entre os elementos de dois conjuntos, de um jeito que nenhum elemento de nenhum conjunto fique sozinho, então os dois conjuntos tem a mesma cardinalidade – isto é, o mesmo número de elementos. “Como a gente sabe que as nossas mãos têm o mesmo número de dedos mesmo sem precisar contar? É só colocar uma em cima da outra e ver que tem essa correspondência”, explica Christina.

O legal disso é que não importa quantos elementos você adiciona a um conjunto infinito: ele continua sendo um infinito com a mesmíssima cardinalidade (até existe um infinito maior que o infinito, mas aí o negócio complica – entenda melhor neste outro texto). 

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Isso torna os espaços de dimensões infinitas um pouco diferentes dos finitos. Se quiséssemos transformar nosso amigo bidimensional do início do texto em um ser tridimensional, bastaria adicionar uma dimensão. Mas isso não funciona nos espaços de dimensão infinita. “Se eu adicionar uma única dimensão a um espaço que já tem infinitas dimensões, ele continua sendo infinito. Então, para pensar em um espaço de dimensão maior que ele, eu preciso dar um salto ainda maior”, diz a professora.

Estudar diferentes infinitos em espaços de Banach foi uma forma de juntar duas áreas da matemática que ela pesquisou durante a graduação. Os infinitos se encaixam na teoria de conjuntos, enquanto os espaços de Banach fazem parte da análise funcional. Christina começou a trabalhar com a correlação entre os dois durante sua pesquisa de mestrado.

Em paralelo às aulas e pesquisas, Christina também atua em debates sobre mulheres na matemática. Ela passou a refletir mais sobre o tema em 2012, quando a questão ainda era pouco discutida no Brasil. Desde então, a professora tem participado de encontros, grupos e iniciativas que debatem o tema.

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