Não importa com o que você trabalhe: sempre haverá uma mensagem não respondida, uma ideia que ainda não foi colocada em prática, um relatório para entregar ou um colega mala com quem você precisa lidar. E, claro, a necessidade de resolver tudo isso. Mas nem todos os problemas corporativos precisam beirar o apocalipse kafkiano da falta de saídas – e a literatura pode ser uma grande aliada para solucioná-los.
Você pode ser perguntar: “Mas o que uma história que não é verdade tem a ver com meu dia a dia no trabalho? ”. Muito. Mesmo quando lemos ficções científicas, enredos que não conversam com a nossa realidade, podemos aprender com esse tipo de narrativa.
Um claro exemplo disso é o Bill Gates. O criador da Microsoft é um leitor voraz, lê todas as noites durante uma hora antes de dormir e periodicamente divulga sua lista de leitura. Mesmo em se tratando de uma pessoa bastante afeita a assuntos técnicos, um cérebro “de exatas”, Gates também se interessa por ficção (se você quiser ter assunto com ele, dá uma conferida).
Ok, você não vai ser dono de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo apenas por gostar de ficção, mas isso não quer dizer que o ler este gênero literário seja apenas uma forma de passar o tempo. Já dissemos por aqui que quem lê vive mais e pesquisas comprovam que o hábito pode ajudar a desenvolver habilidades fundamentais para melhorar sua vida profissional e seus negócios. Veja algumas delas:
Olhar longe para resolver de perto
Existe uma expressão que diz que de perto os problemas parecem com uma cruz, mas, olhando de longe, veremos apenas pontos. Se você já leu um bom livro de ficção, ficou imerso nele e quando terminou a leitura viu a sua realidade de uma forma diferente, com mais distanciamento, saiba que essa é uma das benesses da literatura: nos ajudar a dar dimensão às coisas. E por coisas entende-se também pessoas.
Não é novidade que ler abre os nossos horizontes, nos transporta a lugares distantes e nos faz conhecer personagens que não conheceríamos na nossa rotina. De fato. A novidade é que existe uma comprovação científica pra esse efeito “viajar sem sair da poltrona”. Um estudo de psicologia cognitiva da Universidade de Toronto comprovou que por se engajarem nas histórias, se envolverem emocionalmente na trama de personagens complexos e em circunstâncias diferentes do que costumam encontrar no dia a dia, os leitores passam a ter uma compreensão mais ampla dos outros.
Em entrevista ao jornal The New York Times, o professor Keith Oatley compara o efeito da ficção no cérebro a um simulador “Assim como as simulações computadorizadas nos ajudam a voar em um avião ou prever o clima, as novelas, histórias e dramas podem auxiliam a entender as complexidades das pessoas e da vida social”.
Ser empático
Você já sentiu pena de Macabéa, admiração pelo Capitão Rodrigo ou atração por Gabriela? Pode até ser que eles tenham sido tenham sido inspirados em alguém, mas esses três personagens não existem fora dos livros de Clarice Lispector, Érico Veríssimo e Jorge Amado. Mesmo assim, eles e outros tantos personagens nos despertam sentimentos humanos.
Uma pesquisa feita pela Universidade de York, também no Canadá, defende que isso acontece porque nós processamos as narrativas com as nossas funções cognitivas básicas e essa é a mesma maneira como processamos o restante do mundo. Além disso, também colocamos nossas vivências passadas na jogada. Ou seja, pouco importa que a Macabéa seja apenas um punhado de letras sobre uma página. Quando ela é atropelada, sentimos pena, compaixão, choque – e se você já foi atropelado, viu alguém ser atropelado ou já atropelou além, vai sentir ainda mais. Não há como separar a realidade da ficção.
Em um encontro da Associação Americana de Psicologia, o líder da pesquisa canadense, Raymond Mar, defendeu o impacto das experiências ficcionais na nossa vida: “As vivências que temos em nossas vidas moldam nossa compreensão do mundo e as experiências imaginadas através das narrativas também são capazes de nos moldar.” Mesmo que a verdade dos livros não seja real, como no caso da ficção, ela faz com que a gente sinta e descubra coisas reais sobre os relacionamentos interpessoais e a mente humana.
Relaxar
Existe um livro chamado Farmácia Literária, das inglesas Ella Berthoud e Susan Elderkin. Trata-se de uma compilação de mais de 400 males e desconfortos, e que oferece vários livros como “remédio” para cada um deles. Para o amor não correspondido, a receita é ler Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Gorthe; para solucionar a mania de organização, as autoras indicam a leitura de On the Road, de Jack Kerouac; para largar as drogas, a distópica sociedade à base de Soma descrita em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. E para aliviar a sua respiração, desacelerar os batimentos e esvaziar a mente, a sugestão é O Homem que Plantava Árvores, de Jean Giono.
Apesar de Farmácia Literária ser uma ótima leitura (e uma ideia bem original), a receita dos cientistas rumo à tranquilidade é mais democrática e simplista: basta ler. A atividade é mais eficiente no combate ao estresse do que ouvir música, dar uma caminhada e tomar chá. Essa foi a conclusão de um time de pesquisadores da Universidade de Sussex, na Inglaterra. Eles perceberam que 68% dos voluntários sentiram-se mais relaxados depois de ler algumas páginas. E, se você não tem uma hora sagrada como Bill Gates para se dedicar à leitura, saiba que em poucos minutos seu corpo já desacelera. No experimento foi possível perceber que em apenas seis minutos de leitura os batimentos cardíacos e a tensão muscular dos voluntários diminuíram.
Em entrevista ao Telegraph, o neuropsicólogo cognitivo responsável pela pesquisa, David Lewis, defendeu que não importa o que você lê, perder-se em um livro é a melhor maneira de relaxar. “Você consegue escapar das preocupações cotidianas e explorar o domínio da imaginação do autor. Ler é mais que uma distração, as palavras impressas nas páginas estimulam a sua criatividade e fazem com que você entre no que é, essencialmente, um estado de consciência alterado”.
Na próxima vez em que você estiver fulo da vida com um colega, preocupado com um prazo ou esgotado com a sua rotina, anote aí: bastam seis minutos de leitura.