Se você está lendo este post, as chances de que você tenha aprendido a ler quando criança são altas. Mas essa não é a regra. No Brasil, oito milhões de pessoas com mais de 15 anos não sabem ler e escrever.
Recentemente, cientistas descobriram que aprender a ler tem efeitos na estrutura cerebral de adultos, mesmo em regiões que não são frequentemente associadas à leitura e escrita. O aprendizado reorganiza sistemas profundos no tálamo e no tronco cerebral – regiões conhecidas por, dentre outras coisas, coordenar informações dos nossos sentidos e movimentos.
A leitura e a escrita são coisas recentes se olharmos do ponto de vista histórico-evolutivo. Por isso, ainda não existe um local específico para essa habilidade na nossa cabeça. Assim, várias partes do cérebro acabam se envolvendo, como áreas responsáveis pelo reconhecimento de objetos complexos, como rostos, por exemplo. Para conseguirmos ler, regiões do nosso sistema visual se transformam em interfaces entre a visão e o sistema linguístico.
A descoberta é de um time de pesquisadores do Instituto Max Planck de Cognição Humana e Ciências Cerebrais, na Alemanha, que pretendiam estudar como as culturas modificam nosso cérebro. Para isso, eles ensinaram um grupo de 30 mulheres analfabetas do interior da Índia a ler e escrever – o país apresenta uma taxa de analfabetismo em torno de 39%. As voluntárias tinham 31 anos, em média.
Ao longo de seis meses, 21 delas aprenderam o alfabeto Devanagari, usado em Hindu e outros idiomas de origem indiana. Todas elas tiveram seus cérebros escaneados antes e depois do período de aprendizado. No início da pesquisa, a maioria não sabia ler nenhuma palavra em sua língua materna. Com meio ano de treinamento, as mulheres chegaram a um estágio equivalente ao primeiro nível de proficiência da língua.
Ao final do período, a equipe de pesquisadores percebeu diferenças nítidas entre o cérebro das mulheres que haviam aprendido e aquelas que não foram ensinadas. As mulheres agora letradas tiveram um aumento notável na atividade do córtex, região cerebral atrelada ao aprendizado e à memória.
Mas a maior mudança foi percebida nas regiões do tálamo e do tronco encefálico que não são tipicamente envolvidas nos processos de leitura e escrita. Essas duas partes do cérebro se conectaram mais fortemente com a região que processa a visão. O tronco encefálico e o tálamo são uma estrutura em forma de nó, atrelada a informações motoras e sensoriais, incluindo a concentração e a atenção – uma prova de que essas habilidades podem ser aprimoradas quando aprendemos a ler e escrever.
Nas mulheres que se saíram melhor ao longo do experimento, as alterações foram ainda mais drásticas. Os cientistas também perceberam que quanto mais atividade nesses locais, melhor a capacidade de leitura das voluntárias.
Essas alterações cerebrais notadas nas voluntárias indianas provavelmente acontecem mais rápido e mais fortes no cérebro das pessoas que aprendem a ler quando crianças. Mas ainda não existem estudos feitos em pequenos leitores para provar esse fenômeno.
“É difícil para nós aprender um novo idioma, mas aprender a ler na nossa língua natal é muito mais fácil. Essa é uma prova de que o cérebro adulto pode ser incrivelmente flexível”, afirma Falk Huettig, líder do estudo, ao periódico Science Advances.
Os pesquisadores acreditam que o tálamo e o tronco encefálico ajudam o córtex a filtrar e selecionar as informações visuais importantes para a leitura mesmo antes do nosso cérebro percebê-las conscientemente. Ou seja, essa descoberta que liga a visão à concentração pode explicar por que leitores vorazes conseguem navegar e filtrar informações mais rapidamente nos textos.
Além de ser um estímulo à parte para ler e escrever, a descoberta também pode sinalizar um tratamento da dislexia – muitos pesquisadores acreditam que a condição tem relação com o mau funcionamento do tálamo. Os pesquisadores defendem que ainda precisam aprofundar os testes e replicá-los em um número maior de voluntários. Mesmo assim, fica a prova de que a leitura é uma atividade vital para o desenvolvimento do nosso cérebro.