Inversão dos polos magnéticos levou à descoberta de que o fundo oceânico se move
O campo magnético da Terra se inverte a cada dezenas de milhares de anos, deixando “marcas” nas rochas. Entenda como isso ajudou a confirmar a Teoria do Espalhamento do Fundo Oceânico
Este é o quinto texto do blog Deriva Continental, escrito pela Diretoria Executiva da Sociedade Brasileira de Geologia
O fim da Segunda Guerra Mundial não trouxe avanços tecnológicos apenas nas áreas militar e física. Foi nesse momento que geólogos começaram a mapear o fundo dos oceanos, com o intuito de monitorar a distribuição mundial de terremotos. Algumas instituições guardavam dados mundiais de sismicidade, onde todo dia colocava-se alfinetes em painéis para marcar os epicentros de terremotos ao redor do globo.
Ao mesmo tempo, geólogos e geofísicos confeccionavam um mapa fisiográfico (ou seja, com as propriedades físicas) do Atlântico Norte. Dados de relevo indicavam a presença de uma elevação central que consistia em uma cordilheira presente em todo o meio do Atlântico Norte.
Os focos dos terremotos rasos (de 0 a 100 km de profundidade) delineavam o ápice dessa cordilheira, batizada Cordilheira do Meio do Atlântico. Por meio dos mapas obtidos por Marie Tharp e Bruce Heezen, do Lamont-Doherty Earth Observatory da Universidade Columbia, em Nova York, foi visto que essa Cordilheira seguia pelo Atlântico Sul e por todos os oceanos do mundo, formando a forma de relevo mais extensa da superfície terrestre – o sistema de Cordilheiras Meso-Oceânicas.
Nessa época, ainda havia forte resistência, na comunidade geológica mundial, à teoria da deriva continental, proposta por Wegener (leia mais neste texto). A falta de um mecanismo científico razoável dificultava sua aceitação. A disponibilidade de mapas mundiais que apresentassem os sistemas de dorsais oceânicas (como o da figura acima), despertou a atenção de dois eminentes geocientistas norte-americanos: Harry Hess, da Universidade de Princeton e Robert Dietz, do Instituto Scripps de Oceanografia.
Os dois propuseram, separadamente, a teoria do espalhamento do fundo oceânico como mecanismo para a formação dos oceanos. As hipóteses surgiram praticamente ao mesmo tempo, por volta de 1960, e foram confirmadas nos anos seguintes – principalmente, graças à inversão dos polos magnéticos da Terra.
Inversão do campo magnético
Não demorou para que os geólogos fizessem medições do campo magnético da Terra nas áreas oceânicas. Elas começaram a Oeste dos Estados Unidos, onde as anomalias magnéticas positivas e negativas justapostas formavam um padrão zebrado (veja abaixo).
Já se sabia que o campo magnético da Terra se invertia eventualmente. Atualmente, o polo sul magnético fica no norte, enquanto o polo norte magnético fica no sul, mas eles trocam de lugar a cada dezenas de milhares de anos. A descoberta foi feita graças aos sucessivos derrames de lava sobrepostos no Japão, que foram datados com as direções alternadas do campo magnético. Essas medições proporcionaram o estudo das inversões de polaridade nos últimos 4 milhões de anos da história da Terra.
Mas o que esse padrão zebrado significava? Uma indicação veio de trabalhos em um perfil magnético do Oceano Atlântico Norte, que ia do centro da Cordilheira Meso-Atlântica à Europa. A profundidade do oceano mostrou uma simetria notável com as anomalias magnéticas – como se a crosta oceânica “gravasse” essas anomalias em si.
Uma possível explicação para a distribuição das anomalias é que a crosta oceânica estaria se formando continuamente no topo da cordilheira, e se espalhando pelos lados com o passar do tempo. Já a polaridade do campo magnético variava de direção, deixando sua marca na crosta. Dessa forma, foi confirmada a Teoria do Espalhamento do Fundo dos Oceanos.
A correlação entre as inversões de polaridade no meio da cordilheira e as anomalias das lavas sobrepostas do Japão nos últimos 4 milhões de anos permitiu calcular a velocidade do espalhamento do fundo oceânico.
Para confirmar a teoria, o navio Glomar Challenger perfurou a crosta oceânica (“DSDP-Deep Sea Drilling Project”) no Atlântico Sul, em distâncias simétricas ao eixo da Cordilheira Meso-Atlântica. Amostras de rochas obtidas nos dois lados da cordilheira foram datadas com a mesma idade, dando ainda mais robustez à teoria.
Posteriormente, verificou-se que o padrão zebrado das anomalias magnéticas ocorria em todo o fundo oceânico, mas devido a diferentes razões de espalhamento. Assim se desenvolveu o estudo da estratigrafia magnética dos fundo dos oceanos, que permitiu estimar a idade de qualquer porção de crosta oceânica a partir das inversões magnéticas.
As idades obtidas nas rochas do fundo oceânico são bem recentes do ponto de vista geológico. Enquanto a idade dos continentes é medida em bilhões de anos, a idade dos oceanos é Triássica, entre 200 e 300 milhões de anos.
No outro lado do Oceano Pacífico, pesquisadores estudaram a distribuição dos terremotos ao longo das fossas submarinas de Tonga e Kermadec. Por lá, os terremotos ocorrem em uma faixa de 20 km de largura (chamada zona de Wadati-Benioff) que mergulha em direção ao manto terrestre até centenas de quilômetros de profundidade. Os tremores são provocados pelo atrito entre as placas da crosta oceânica.
O reconhecimento do mecanismo de espalhamento do fundo oceânico foi o primeiro grande passo para a aceitação plena da deriva dos continentes e o advento da tectônica de placas. Ele explica o nascimento da crosta oceânica no eixo central das Cordilheiras Meso-Oceânicas e seu desaparecimento no conjunto das fossas oceânicas, mantendo constante a área superficial da Terra.
O nascimento e morte da crosta oceânica e a manutenção e transformação dos bordos continentais explicam a diferença de idades entre os oceanos e os continentes. A teoria explica também a origem das feições de relevo mais importantes da superfície da Terra: as cordilheiras meso-oceânicas.