Geóloga explica atividade recente nos vulcões Etna e Stromboli, na Itália
No começo de julho, essa dupla esquentadinha deu dor de cabeça para os italianos. Conheça suas histórias e entenda a atividade recente.
Este é o 32º texto do blog Deriva Continental.
A Itália é o quarto país mais visitado no mundo, conhecido por sua cultura, arte, gastronomia… e seus vulcões! A península em forma de bota abriga dois dos vulcões mais ativos do mundo, Etna e Stromboli, que recebem, cada um, mais de um milhão de turistas por ano.
O Monte Etna localiza-se no distrito de Catânia, na costa leste da Sicília, enquanto o Stromboli compõe, junto a outras seis ilhas, as chamadas Ilhas Eólias, distantes entre 30 e 60 km da costa norte da Sicília.
Ambos são estratovulcões – o tipo mais comum, que corresponde a 60% do total de vulcões da Terra. Eles têm formato cônico e escarpas íngremes, e são formados pela acumulação sucessiva e intercalada de piroclastos (fragmentos de rocha “cuspidos” pelo vulcão) e derrames de lava. Este tipo de vulcão está comumente associado a magmas mais viscosos e costumam produzir erupções mais explosivas.
Eles se formaram na região em que a placa tectônica Africana é empurrada para baixo da placa Euroasiática. Esse processo é conhecido como subducção e profissionais da geologia chamam de convergência o movimento de colisão entre as duas placas.
Esta convergência específica no sul da Europa apresenta direção aproximadamente leste-oeste na região da Silícia e sofre uma inflexão mudando para direção noroeste-sudeste, atravessando a Itália e formando a Cordilheira dos Apeninos.
O Etna
O Monte Etna é o vulcão mais alto da Europa, com cerca de 3.350 m de altura, mais de 135 km de perímetro basal e com aproximadamente um milhão de pessoas vivendo em um raio de 30 km em torno de seu cume.
Os primeiros sinais de vulcanismo na região do Etna datam de cerca de 600 mil anos atrás, mas o Monte Etna, como conhecemos hoje, começou a se formar há cerca de 300 mil anos, com múltiplos eventos que sobrepuseram diversos edifícios vulcânicos (“edifício vulcânico” é a montanha em si – o cone que as crianças desenham).
Segundo o Global Volcanism Program, ao menos 147 eventos eruptivos foram confirmados durante o Holoceno – a época geológica atual, começada há 11,7 mil anos –, caracterizando a alta recorrência eruptiva do Etna.
Os registros da atividade do Etna por observação direta humana mais antigos datam de 1500 a.C. Os eventos eruptivos variam entre derrames de lava e erupções explosivas (com fontes de lava, fluxos piroclásticos e plumas vulcânicas).
Os fluxos piroclásticos são o produto mais perigoso e destrutivo de erupções explosivas. Tratam-se de avalanches turbulentas que podem atingir até 1000 ºC, embora tipicamente apresentem-se entre 100 ºC e 700 ºC. São compostas por uma mistura de fragmentos de rocha de tamanho variado e gases, que descem as encostas de um vulcão a centenas de quilômetros por hora.
As plumas vulcânicas, por sua vez, são nuvens de partículas e gases lançadas na atmosfera a partir de uma erupção explosiva de intensidade moderada a alta. Podem atingir dezenas de quilômetros de altitude e se espalhar por longas distâncias por meio da ação do vento (se a pluma vulcânica ultrapassa a troposfera e atinge a estratosfera – ou seja, ultrapassa uma média de 15 km de altitude – ela pode se espalhar por todo o planeta).
O índice de explosividade vulcânica (VEI) das erupções do Etna comumente varia entre 1 e 3, mas com eventuais ocorrências de 5 ao longo do Holoceno (o máximo é 8, entenda melhor esse índice neste outro texto do blog Deriva Continental – https://beta-develop.super.abril.com.br/coluna/deriva-continental/erupcao-vulcanica-em-tonga-foi-a-mais-violenta-da-historia-do-pais/).
Erupções no cume do vulcão, que atualmente abriga quatro crateras ativas, tendem a persistir por vários anos, com pequenos intervalos sem ejeção de lavas ou fluxos piroclásticos (como eventos entre 1955-1971, 1995-2001 e 2011-2018). Já as erupções nos flancos (ou encostas) do edifício vulcânico tendem a ser mais rápidas, durando algumas horas a pouco mais de um ano (como entre 1991-1993 e 2008-2009) e mais frequentes (em média, uma erupção a cada dois anos nas últimas décadas).
Um evento que merece destaque foi a ocorrência de fluxos piroclásticos que danificaram a cidade de Catânia, em 1669. Nessa ocasião, o Etna extrudiu cerca de 600 milhões de m³ de lava em quatro meses, recobrindo uma área superior a 40 km². Ele destruiu nove vilarejos e apenas uma pequena parte da cidade de Catânia, que foi protegida pelos muros da cidade medieval. Muitas lavas se acumularam no castelo Ursino, um importante ponto turístico.
Posteriormente, em 1928, lavas expelidas ao longo de 18 dias destruíram totalmente a cidade de Mascali. Desde o século 19 vem-se registrando uma maior frequência dos eventos eruptivos no Etna.
Em 13 de junho deste ano, começou no Etna uma atividade stromboliana. Essa é uma erupção de explosividade moderada onde gases e “coágulos” de lava incandescente de baixa viscosidade são ejetados. Recebe este nome por ser a erupção típica do vulcão Stromboli, na Itália, do qual falaremos a seguir.
Após três semanas de um aumento gradual desta atividade, o vulcão produziu, entre os dias 4 e 5 de julho, ao longo de mais de 10 horas ininterruptas, um espetacular paroxismo. “Paroxismo” é o nome que se dá à erupção de maior intensidade do ciclo eruptivo, quando ele atinge seu clímax, comumente gerando as erupções cinematográficas e mais violentas deste ciclo, como registrado na foto abaixo.
Nessa ocasião, o Etna expeliu fontes de lava que atingiram 4.500 m acima do nível do mar, plumas vulcânicas e fluxos piroclásticos que espalharam material vulcânico à sudeste do vulcão, com queda significativa de cinzas até o município de Siracusa (a cerca de 80 km).
O Stromboli
Apelidado de Farol do Mediterrâneo – devido às erupções recorrentes que geram belos espetáculos noturnos – a parte emersa desse vulcão é uma pequena ilha, com área superficial de 12,2 km² e cujo pico eleva-se a mais de 900 metros acima do mar.
Essa é só a ponta do edifício vulcânico, cuja maior parte fica submersa no Mediterrâneo a uma profundidade aproximada de 2 mil metros. Por causa do turismo, a ilha abriga uma população flutuante – que varia de algumas centenas a quase 4 mil pessoas, dependendo da época do ano.
As primeiras atividades magmáticas na região, que deram origem aos montes submarinos a oeste das Ilhas Eólias, datam de 1 a 2 milhões de anos atrás. Mas as rochas mais antigas encontradas no Strombolicchio (uma pequena ilha desabitada situada a 2 km ao norte do Stromboli) datam em cerca de 200 mil anos, enquanto as rochas mais antigas na ilha de Stromboli datam em cerca de 100 mil anos.
Esse vulcão apresenta uma história complexa marcada por repetidas fases de crescimento e destruição parcial de edifícios vulcânicos. O colapso mais recente, ocorrido há cerca de 5 mil anos, foi responsável pela geração da Sciara del Fuoco, uma escarpa íngreme na porção noroeste da ilha. Desde então, o edifício vulcânico foi reconstruindo, assumindo a forma que conhecemos hoje.
Nas últimas décadas, o Stromboli apresentou atividades eruptivas na Sciara del Fuoco e em três crateras localizadas em seu cume, em um platô a cerca de 750 metros de altitude, nas quais diversos vents eruptivos (aberturas através das quais o material é expelido em erupções) podem surgir em períodos de intensa atividade.
De acordo com o Global Volcanism Program, ao menos 22 eventos vulcânicos foram confirmados no Stromboli durante o Holoceno. Cabe ressaltar, entretanto, que tais eventos são atividades persistentes ao longo de décadas ou mesmo séculos, com pequenos intervalos de quiescência, como pode ser constatado nos registros de eventos históricos, sobretudo aqueles registrados desde o século 16.
As erupções são tipicamente de baixa a moderada intensidade. Os principais produtos são explosões que duram algo entre segundos e minutos e liberam lava e piroclastos (cinza vulcânica e fragmentos de rocha) até algumas centenas de metros ou quilômetros de altitude, bem como derrames de lava.
Eventos de maior intensidade, chamados paroxismos, ocorrem esporadicamente, gerando plumas vulcânicas e fluxos piroclásticos. No último século o Stromboli produziu 5 eventos paroxismais: em 1919, 1930, 2002-2003, 2007 e 2019.
Merece destaque a atividade registrada entre 2002 e 2003, que gerou intensa efusão de lavas, um deslizamento na Sciara del Fuoco, que resultou em um tsunami de até 11 metros que causou danos significativos à comunidade da Ilha de Stromboli e de Panarea, e culminou num intenso paroxismo que lançou cinzas e blocos de rocha sobre o vilarejo de Ginostra.
Nas últimas décadas, a atividade do Stromboli tem sido marcada por explosões moderadas em intervalos de 20 a 35 minutos, derrames de lava a partir de suas crateras e vents laterais (na Sciara del Fuoco e eventuais paroxismos (que, lembre-se, são as emissões de lava mais bonitas e pirotécnicas).
Na última semana de junho de 2024, entretanto, foram registradas erupções mais frequentes, em intervalos de até dez minutos. Nos primeiros dias de julho, especialmente a partir do dia 3, a intensidade dos tremores vulcânicos foi, ainda que variável, elevada, acima da média normal da região.
A atividade eruptiva apresentou rápidos incrementos, gerando derrames de lava e fluxos piroclásticos que desceram pela Sciara del Fuoco, atingiram a costa e avançaram centenas de metros pelo mar.
No dia 04 de julho, fluxos piroclásticos geraram uma coluna de cinzas que atingiu 2 km de altura. Ao final do dia 05 de julho os relatórios do INGV (Istituto Nazionale di Geofisica e Vulcanologia) já indicavam decréscimo na intensidade da atividade vulcânica, próximo aos níveis normais do sistema.