O dente caído de Renan Calheiros e um almanaque de curiosidades de 300 anos
Pirro foi um rei grego que ganhou um punhado de batalhas no século III a.C. Mas, para conquistar essa vitória, ele sofreu perdas irreparáveis. Por isso, originou a expressão “vitória pírrica” ou “vitória de Pirro”, usada para se referir a objetivos alcançados a um preço exageradamente alto. Mais ou menos como um grupo de amigos […]
Pirro foi um rei grego que ganhou um punhado de batalhas no século III a.C. Mas, para conquistar essa vitória, ele sofreu perdas irreparáveis. Por isso, originou a expressão “vitória pírrica” ou “vitória de Pirro”, usada para se referir a objetivos alcançados a um preço exageradamente alto. Mais ou menos como um grupo de amigos de Curitiba que apostou na Mega-Sena da Virada de 2015. Cada um deu R$ 10 mil. Muito dinheiro. Tinham que ganhar. E ganharam: R$ 648 para cada. Fuen.
Nathaniel Wanley, ilustre cidadão de Leicester (que, ao que tudo indica, ainda está em festa), viveu no século XVII e escreveu o livro Wonders of The Little World (“maravilhas do pequeno mundo”), apontado como o pioneiro de um estilo que se tornaria febre nos dias de hoje, as listas.
Nesse almanaque de curiosidades, que hoje vale mais como registro de uma época do que como referência história, mais forma editorial inovadora do que conteúdo fidedigno, há um verbete dedicado a dentes e anomalias ligadas à quantidade, posição e outros fatores. Diz Wanley que Pirro, nosso general do “barato sai caro”, não tinha vários dentes no maxilar, distintos uns dos outros, como a maioria das pessoas, mas um osso inteiro, de um lado ao outro da gengiva. Um habitante da Groenlândia levado à corte do rei Cristiano IV da Dinamarca também teria essa característica.
Ferécrates, poeta da comédia ateniense, “nasceu sem dentes e assim continuou até o fim da vida”. A filha de Mitrídates, outro rei grego, teria uma dupla fileira de dentes. Um filho de Colombo teria algo ainda mais raro: uma fileira tripla. Um homem de Samotrácia, uma ilha no Mar Egeu, chegou aos 140 anos de vida e, não bastasse, ganhou novos dentes, que brotaram na boca feito plantas! Zenobia, rainha de Palmira (sim, a cidade cujas ruínas foram destruídas pelo Estado Islâmico), tinha dentes bizarramente brancos, que faziam sua boca parecer um saco de pérolas quando aberta. O belga Nicholaus Sojerus, contemporâneo de Wanley, tinha um poder intrigante: conseguia atear fogo em madeira com seus dentes – pelo menos foi o que o irmão dele, “sujeito qualificado nos estudos gregos”, disse ao próprio Wanley.
Moçambicanos chamaram a atenção do autor pelos dentes afiados. Maldivanos ostentavam sorrisos vermelhos de tanto mascar folhas de uma planta local. Japoneses deixariam os dentes enegrecidos “porque os cachorros têm dentes brancos, e eles odeiam imitar os cachorros”. Na Sicília, durante o reinado de Tibério, encontraram corpos de homens com dentes maiores que os pés de uma pessoa comum.
Wanley encerra o capítulo de seu Buzzfeed do século XVII com o curioso caso de Eurídamos, um atleta dos Jogos Olímpicos da Antiguidade. Ao lutar com um oponente, ele foi atingido na boca, perdeu um dente e acabou engolindo-o. Parou o combate, recobrou a confiança, retornou e venceu.
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Ontem, 11 de maio, dia em que o Senado votou e aprovou a admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff, o presidente da Casa, Renan Calheiros, durante uma entrevista à TV, gerou um meme ao ter cuspido aquilo que as redes sociais definiram imediatamente como um dente. Se Wonders of The Little World tivesse uma edição brasileira revista e atualizada, poderia incluir o episódio.
Foi dente ou chiclete? Semana que vem mal lembraremos disso.
Mas talvez ainda haverá muito debate sobre o outro assunto, o principal, do qual decorre a anedota banguela: a recente vitória da oposição, com o afastamento de Dilma: foi uma vitória de Pirro?