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Alexandre Versignassi

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Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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Entenda por que Trump está bravo com o real desvalorizado

Dólar alto é ruim. Real baixo, nem tanto. Entenda o que fez nossa moeda perder valor, e porque Trump reagiu aumentando tarifas para produtos brasileiros.

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Atualizado em 5 set 2024, 08h58 - Publicado em 2 dez 2019, 13h50

Parece um desafio à lógica: se o dólar alto é ruim para o Brasil, por que é que Trump está bravo? Para quem não viu: hoje de manhã, ele tuitou que “O Brasil e a Argentina estão promovendo uma desvalorização maciça de suas moedas, o que não é nada bom para os nossos fazendeiros. Logo, para efeito imediato, restabeleço as tarifas sobre o aço e o alumínio que esses dois países exportam para os EUA.”

Opinião política à parte, o único erro técnico do tweet foi o de trazer a imagem de fazendeiros plantando aço e alumínio. De resto, é o cara defendendo o dele. Para quem não se dedicou a estudar economia em algum momento da vida, porém, não é fácil entender. Se toda vez que o dólar sobe é um Deus nos acuda, porque catzo o Brasil (e a Argentina) estariam “promovendo desvalorização”?

Primeiro, não tem aspas aí. O Brasil está, sim, forçando uma desvalorização do real. Seria então um plano maquiavélico de Paulo Guedes para destruir o País e vender como sucata para banqueiros suíços?

Não. O ato de desvalorizar a moeda é um artifício bem mais comum em regimes de esquerda – e nada indica que estejamos sob um. Se você quer entender melhor o que está acontecendo, então, pegue sua ideologia e deixe num cantinho por enquanto.

Agora, vamos começar pelo começo. A primeira coisa a ser compreendida é o seguinte: moeda é uma mercadoria como qualquer outra. Está sujeita à lei da oferta e demanda. Se muitos gringos quiserem reais, seja para comprar chapa de aço da Usiminas, seja para picotar e fazer confete (já que as notas são coloridas), o real vai subir de preço. Seu valor em dólar vai aumentar.

Outra coisa que aumenta a demanda por uma moeda, e o valor dela, é o preço que o governo cobra por essa moeda. O governo, afinal, tem um superpoder. Ele fabrica moeda.

Outra coisa que aumenta a demanda por uma moeda, e o valor dela, é o preço que o governo cobra por essa moeda. O governo, afinal, tem um superpoder. Ele fabrica moeda.

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Fabrica e entrega para você? Não. Fabrica e entrega para os bancos. Todo final de dia, os bancos do País se reúnem numa mesa virtual. O que eles fazem lá? Ficam emprestando dinheiro uns para os outros. Sim, banco também precisa de dinheiro. Às vezes, um está sem caixa para bancar as despesas do dia e vai pedir emprestado, prometendo pagar já no dia seguinte.

Nisso, o Bradesco chega lá e pede um zilhão de reais para o Itaú. Não significa que o Bradesco não tenha essa grana. Ele tem. Mas fica tudo investido, a maior parte em títulos públicos. E não vale a pena vender títulos na correria para pagar despesas do dia a dia quando o caixa está baixo. É melhor usar esses títulos como garantia, e pedir para o Itaú, pagando um juro pequenininho.

O nome dessa ciranda de empréstimos é “overnight”, justamente porque os empréstimos acontecem de um dia para o outro. A média dos juros que os bancos cobram um dos outros nessa roda é algo tão importante para a economia que tem até um nome: Selic. Você sempre paga mais do que a Selic nos seus financiamentos, entre outros motivos, porque não deixa títulos públicos como garantia. Já os outros motivos são o lucro que o banco tira, claro.

Mas vem cá: você sempre ouviu que a Selic é algo determinado pelo governo, certo? Bom, até é, mas de uma forma bem indireta.

O que o governo faz é entrar na ciranda de empréstimos entre os bancos. Se o governo quiser baixar a Selic, como tem feito, como ele opera, então? Ele senta na mesa como se fosse um dos bancos, sob a alcunha de “Banco Central”, e vai ouvindo a conversa dos outros. Aí o Itaú pega e cobra 5% do Bradesco. O governo, porém, quer baixar a Selic para 4,5%. O que ele faz, então? Oferece o mesmo empréstimo para o Bradesco a 4,5% (essa é a taxa anualizada, ou seja, a porcentagem que o Bradesco pagaria se ficasse com o dinheiro por um ano; como ele fica só por um dia, a taxa que ele paga para valer é só uma fração disso).

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De onde o governo tira dinheiro para fazer isso? Do Orçamento? Da saúde? Da educação? Não. Nesses casos, o Banco Central simplesmente fabrica o dinheiro, pois tem esse poder.

Conforme o Banco Central vai fabricando dinheiro e fazendo seus empréstimos a juros mais baixos na ciranda do over, ele baixa a Selic para o patamar que lhe interessa. Com a Selic mais baixa, a tendência é que todos os juros do mercado baixem também, o que dá uma força para a economia.

Mas não é só isso que ele faz. Ao baixar a Selic produzindo dinheiro novo, a quantidade de reais em circulação no mercado aumenta. Aí a lei de mercado se alevanta de novo: com muitos reais em circulação, a tendência é que o preço da nossa moeda, em dólar, caia. É igual tomate: uma safra grande enche as feiras com o vegetal vermelho. Com a abundância tomateira, o preço dele cai. Com dinheiro é a mesma coisa: Selic em baixa coloca muitos reais no mercado. E o valor da nossa moeda cai. Desvalorização.

É igual tomate: uma safra grande enche as feiras com o vegetal vermelho. Com a abundância tomateira, o preço dele cai. Com dinheiro é a mesma coisa: Selic em baixa coloca muitos reais no mercado. E o valor da nossa moeda cai. Desvalorização.

E porque a desvalorização é ruim para o Trump? Porque ela deixa os produtos brasileiros mais baratos lá fora. A Usiminas vai e exporta chapas de aço para a Tesla fazer seus carros. Digamos que ela cobra R$ 1 milhão. Com o real desvalorizado, a Tesla vai precisar de menos dólares para pagar pela mesma quantidade de aço à Usiminas. Nisso, os produtores de aço dos EUA tomam uma rasteira, já que vão ser obrigados a baixar seus preços para concorrer – ou talvez nem tenham como concorrer sem tomar prejuízo.

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Existe um outro lado nessa moeda, claro. Se a Usiminas precisar de uma máquina gringa, vai pagar mais caro, já que o real está desvalorizado. Quando uma empresa assim já tem sua capacidade instalada, porém, o dólar caro não é um problema, já que despesas correntes, como o pagamento de dívidas com bancos brasileiros e os salários dos empregados são pagos em reais mesmo. É assim que um real desvalorizado ajuda a economia e cria empregos.

O grande outro lado da moeda é que todos os produtos importados encarecem. Um deles é o trigo, que em sua maioria vem de fora. O pão fica mais caro. A carne e a gasolina também. Mesmo que o Brasil tenha boi e petróleo de sobra, essas duas commodities são cotadas em dólar no mercado internacional. Como o dólar mais caro, o fazendeiro e a Petrobras ganham mais exportando do que vendendo aqui. Então só vão vender aqui para quem topar pagar o mesmo preço que estiver rolando lá fora. Mais caro.

Por essas, não existe receita mágica. Quando um governo mantém os juros altos, fazendo rarear a quantidade de reais em circulação, a moeda brasileira valoriza, e o dólar cai. Nessas horas, porém, o governo é chamado de “financista”. É acusado de governar para os “rentistas”, que lucram com os juros altos. FHC e Lula sofreram esse tipo de ataque. Quando o governo faz o oposto, a acusação é a de que estão deixando “o povo sem pão”. Dilma Rousseff já ouviu isso. E o Paulo Guedes ouve hoje.

Dá para pegar e chegar a um meio termo platônico, ideal, em que ninguém reclame de nada? Não. Mesmo assim, essa insanidade eterna é uma das belezas da economia, a mais exata das ciências humanas, e a mais humana das ciências exatas.


Para saber mais: CRASH – Uma Breve História da Economia, da Grécia Antiga ao Século 21

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