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Ubirajara: a polêmica do dinossauro brasileiro preso num museu alemão

O fóssil do dinossauro foi encontrado no Ceará, mas saiu irregularmente do Brasil, está guardado na Europa e é estudado por europeus. Paleontólogos pedem nas redes sociais a repatriação do material; os alemães resistem.

Por Carolina Fioratti, Luisa Costa
17 set 2021, 19h12

Há 110 milhões de anos, um dinossauro do tamanho de uma galinha e revestido por penas habitava a região da Bacia do Araripe, no interior do Ceará. Sabemos disso porque há ossos e outras partes do dito-cujo para contar a história. Porém, caso você seja um curioso interessado em visitá-los – ou um pesquisador com vontade de estudá-los –, saiba que não será tão fácil assim: o fóssil do Ubirajara jubatus está guardado no Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, a mais de 9 mil km de distância de seu país de origem. 

Vamos entender essa história. Tudo começou em dezembro de 2020, quando a nova espécie foi descrita no periódico científico Cretaceous Research. No artigo, afirmava-se que o fóssil havia sido encontrado em 1995, 25 anos antes da publicação. O problema é que não nenhum paleontólogo brasileiro participou do estudo – de fato, ninguém aqui no país sequer sabia da existência destes vestígios.

O fato de que o Ubirajara morava na Alemanha e era estudado por britânicos deixou os pesquisadores brasileiros intrigados. Já em 1942, Getúlio Vargas assinou um decreto afirmando que fósseis encontrados em território nacional pertencem ao Brasil, e qualquer movimentação para o exterior deve ser autorizada pelo governo.

Em 1990, outro decreto determinou que as autorizações deveriam ser emitidas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (atual Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), e essa é a única hipótese em que uma expedição pode levar material paleontológico para fora do Brasil. 

Os pesquisadores que descreveram o Ubirajara citam no estudo uma autorização para exportação concedida em 1995 pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, órgão substituído hoje pela Agência Nacional de Mineração. Porém, o funcionário que assinou o termo já foi condenado por fraudar laudos para extração de pedras preciosas, o que levou a Sociedade Brasileira de Paleontologia a questionar o documento. Além disso, a autorização cita apenas o transporte de duas caixas de calcário com fósseis, uma descrição vaga e insuficiente para a exportação de material científico tão valioso.

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Em 2020, o museu alemão se mostrou aberto a negociar a devolução da peça, mas parece ter voltado atrás. Diante disso, pesquisadores brasileiros iniciaram a campanha #UbirajarabelongstoBR (“Ubirajara pertence ao Brasil”, em português). Além da hashtag, há um abaixo-assinado pedindo a repatriação da peça, que já conta com mais de 6,5 mil assinaturas.

Em nota publicada no Instagram, o Museu de História Natural de Karlsruhe disse que o fóssil era propriedade do estado de Baden-Württemberg, alegando que a peça foi adquirida antes da entrada em vigor da “Convenção da Unesco sobre Medidas para Proibir e Prevenir a Importação, Exportação e Transferência Inadmissível de Propriedade de Bens Culturais”. Apesar da convenção citada ser da década de 1970, foi assinada em 2016 uma lei na Alemanha que define quais peças entram na conta. Assim, ficou estabelecido que qualquer material que tivesse sido levado ao país antes do dia 26 de abril de 2007 pertenceria a eles.  

A lei, no entanto, não impede que o material seja devolvido de maneira voluntária. De acordo com Juan Cisneros, pesquisador da Universidade Federal do Piauí (UFPI), falta ética por parte da instituição alemã. “Isso são práticas colonialistas, antigas, que algumas instituições e pesquisadores continuam perpetuando”, explica. “É minimizar as leis locais e usar as leis do país-potência para segurar o material.”

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Uma publicação compartilhada por Naturkundemuseum Karlsruhe (@naturkundemuseumkarlsruhe)

Segundo Cisneiros, este não é o primeiro caso de fóssil retirado irregularmente do Araripe e levado ao museu alemão. Existem outros exemplos, como fósseis de pterossauros Ludodactylus sibbicki, Lacusovagus magnificens, Unwindia trigonus e Tapejara navigans, cujos estudos apontam explicitamente que os materiais foram comprados (de maneira irregular).

O Ubirajara jubatus é o primeiro dinossauro de Gondwana (um antigo supercontinente que abarcava o território brasileiro atual) encontrado com a pele preservada. Ele tinha o tamanho de uma galinha, uma longa cauda com penas e estruturas rígidas nos ombros nunca observadas em outras espécies de dinossauros. De acordo com pesquisadores, esses detalhes eram utilizados para atrair parceiros sexuais ou intimidar inimigos.

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O dinossauro brasileiro tem grande potencial para melhorar o entendimento de pesquisadores a respeito da Formação Crato. Hoje, a maior parte dos fósseis de vertebrados conhecidos desta região pertencem a peixes e pterossauros, sendo mais raros os de dinossauros. Além disso, as adaptações morfológicas do Ubirajara, o que inclui as penas curiosas em seus ombros, podem fornecer um panorama da paleopaisagem daquele ambiente Cretáceo. 

Os paleontólogos envolvidos na campanha pelo retorno do fóssil ao Brasil ainda destacam que ele não somente agrega à pesquisa científica brasileira, mas tem valor simbólico. De volta ao País, o Ubirajara jubatus poderia ficar no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri (próximo à sua região de origem), e trazer uma série de benefícios.

“Com o fóssil no Brasil, as pessoas podem se sensibilizar com nosso patrimônio geológico, por exemplo, e podem vir pesquisadores do mundo inteiro para o país”, afirmou à Super o paleontólogo Victor Beccari, da Universidade de São Paulo (USP). “O fóssil também pode promover turismo e movimentação econômica para a região. Então são inúmeras possibilidades que são tiradas de nós quando perdemos um espécime, como nesse caso.”

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