Transplante de mente
Se o cérebro abriga o que somos, criar cópias virtuais dele pode ser o passaporte para uma consciência indestrutível
Texto Luciana Christantea
“Este corpo não te pertence mais”, alguém poderia lhe dizer, quando o upload de sua mente em um robô for concluído com sucesso, numa espécie de reencarnação cibernética que poderá torná-lo imortal. Maluquice? É só uma questão de deixar a imaginação fluir e seguir o raciocínio de alguns cientistas que acreditam que um dia, ainda muito distante, o transplante de mente será viável.
Já dá para perceber que fazer o upload da mente inteira para uma máquina será fichinha se comparado ao download do sistema que roda em nosso cérebro e cujas especificações ainda mal conhecemos. Se bem que este último detalhe não preocupa o americano Ray Kurzweil, um dos mais importantes teóricos do assunto. Segundo ele, não será preciso decifrar todo o funcionamento mental para poder copiá-lo. O grande desafio é a cópia em si, ou melhor, a ferramenta que dará conta de reproduzir fielmente o emaranhado dinâmico de redes neurais do cérebro humano em redes de inteligência artificial de computadores.
Reengenharia póstuma
Uma dessas possíveis ferramentas é a ressonância magnética (RM). Não a que temos hoje, mas uma bem mais sofisticada, que revele a arquitetura neural até o nível molecular. Ela poderia ser usada de forma invasiva ou não invasiva. No primeiro caso, trata-se de um procedimento post mortem, em que fatias finíssimas do cérebro seriam escaneadas. Depois, as informações seriam integradas para a construção da rede artificial, e a mente do falecido ressuscitaria num disco rígido. O problema é que o cérebro precisa estar intacto, e ninguém sabe em que circunstâncias vai morrer. Um acidente que cause perda parcial ou total do cérebro ou uma doença neurodegenerativa das mais graves, como o mal de Alzheimer, por exemplo, poderiam arruinar os planos do candidato ao transplante.
Por isso, os métodos não invasivos devem ser preferíveis. Além do mais, com o sujeito vivo, o cérebro em ação seria escaneado, o que melhoraria a qualidade da cópia. Hans Moravec, da Universidade Carnegie Mellon (EUA), descreve uma cena desse tipo em seu livro Homens e Robôs. Você está consciente numa sala de operação e um robô, que também é um equipamento de RM, escaneia seu cérebro e ao mesmo tempo escreve o programa que é uma réplica do seu funcionamento mental (isso pode demorar algumas horas, mas o que é um tempinho desses diante da grande promessa da imortalidade?). O programa é então instalado e testado num computador. Sua mente está duplicada e o robô-cirurgião checa se você está satisfeito.
Supondo que esteja tudo certo, sua mente artificial pode ser transferida para um androide (até lá eles serão idênticos a nós, ou quase). Resta saber o que será feito de você em carne e osso. Opção 1: dispensar o corpo e curtir as delícias da imortalidade como um ciborgue. Opção 2: esperar pela morte natural para só depois usar o backup mental – neste caso, tudo o que passar por seu cérebro depois da cópia será perdido, mas isso pode trazer conflitos de identidade. Nem é preciso dizer que as implicações éticas do transplante de mente, se um dia for realizado, serão gigantescas.