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Toxina do caracol mais letal do mundo pode ajudar a tratar diabetes

A substância que já matou dezenas de humanos pode ter mecanismos úteis para a fabricação de novos medicamentos.

Por Bela Lobato
Atualizado em 21 ago 2024, 19h06 - Publicado em 21 ago 2024, 19h00

Você está passeando na praia e vê uma concha grande, daquelas que a Ariel usa para ouvir o som do mar. Inocentemente, você a pega com as mãos, sem saber que ali dentro ainda vive um dos animais mais venenosos do mundo. Foi assim que morreram pelo menos 36 pessoas nos últimos três séculos, desde que os caracóis-do-cone (Conus geographus) começaram a ser monitorados.

Agora, cientistas estudam as toxinas desse animal e como elas podem ajudar a produzir medicamentos para diabetes. Uma pesquisa sobre esse tema foi publicada nesta terça (20) na revista Nature.

Pode ser que você conheça a sensação que o caracol-do-cone provoca em suas vítimas: uma das toxinas é parecida com um hormônio humano chamado somatostatina, que regula o nível da glicose no sangue. Quando circulam na corrente sanguínea, as substâncias provocam uma baixa na glicose (hipoglicemia) cujos primeiros sintomas são confusão mental, fraqueza e tremores. Levado ao nível extremo, a hipoglicemia provocada pelo caracol-do-cone deixa a vítima sem reação, e mata em até cinco horas.

A somatostatina atua como um freiopara muitos processos no corpo humano, impedindo que os níveis de açúcar no sangue, hormônios e outras moléculas aumentem perigosamente. 

Os pesquisadores da Dinamarca e EUA descobriram o caracol-do-cone produz uma toxina chamada consomatina. Ela funciona de forma semelhante à somastostatina, mas é mais estável e específica do que o hormônio humano. Enquanto a somatostatina interage diretamente com várias proteínas, a consomatina interage apenas com uma. Esse direcionamento preciso faz com que a toxina do caracol-do-cone afete os níveis de hormônio e de açúcar no sangue, mas não os níveis de muitas outras moléculas.

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A consomatina também é mais específica do que as drogas sintéticas de primeira linha, e dura muito mais tempo no corpo do que o hormônio humano, graças à inclusão de um aminoácido incomum que dificulta sua decomposição. Esse é um outro mecanismo que deve ser útil para os pesquisadores farmacêuticos que investigam maneiras de produzir medicamentos com benefícios duradouros.

A descoberta revela um modelo promissor para o projeto de medicamentos, mas ainda não passou por testes clínicos em animais ou humanos. Na verdade, os pesquisadores pretendem estudar um mecanismo semelhante, mas que seja menos agressivo que a substância do caracol.

“Essa consomatina, em específico, não é particularmente para o diabetes, mas achamos que poderia ser um bom tipo de inspiração para futuros distúrbios hormonais e para tratamentos de câncer” diz Ho Yan Yeung, bioquímica e principal autora do estudo, em entrevista à Super.

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Ho Yan Yeung, PhD, primeiro autor do estudo (à esquerda) e Thomas Koch, PhD, também autor do estudo (à direita) examinam um lote recém-coletado de caracóis cônicos.
(Safavi Lab/Reprodução)

Encontrar medicamentos melhores por meio do estudo de venenos mortais pode parecer contraintuitivo, mas Helena Safavi, autora sênior do estudo, explica que a letalidade das toxinas geralmente tem um direcionamento preciso de moléculas no corpo da vítima. Essa mesma precisão pode ser muito útil no tratamento de doenças.

“Os animais peçonhentos, por meio da evolução, ajustaram os componentes do veneno para atingir um alvo específico na presa e desorganizá-lo”, diz Safavi. “Se você retirar um componente individual da mistura de veneno e observar como ele perturba a fisiologia normal, essa via geralmente é realmente relevante para doenças.” Ela explica que, para quem trabalha com a química da medicina, “é um meio que um atalho”.

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“É muito surpreendente como muitos desses animais peçonhentos nos deram tantos candidatos a medicamentos interessantes, que poderíamos desenvolver como futuras terapias” diz Yeung, que cita exemplos de medicamentos que foram obtidos a partir de venenos de larvas, aranhas e cobras. “Isso mostra que precisamos investigar mais a natureza para tentar encontrar fontes de medicamentos mais interessantes para o futuro.”

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