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“Terremoto” em câmera lenta atingiu Turquia por 50 dias em 2016 – ninguém notou

Isso é porque ele não foi propriamente um terremoto: a energia acumulada foi liberada ao longo de dois meses, em vez de alguns segundos. Entenda.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 jul 2021, 13h04 - Publicado em 8 fev 2019, 12h32

A superfície da Terra não é contínua. É dividida em segmentos rígidos chamados placas litosféricas (achou que se chamavam placas tectônicas? Pois é, a Super também. Vivendo e aprendendo).

As placas se encaixam como peças de um quebra-cabeças e “flutuam” sobre o manto, uma camada extremamente quente (4000°C a 2900 km de profundidade). O manto é uma coisa peculiar. Se o interior da Terra fosse qualquer coisa parecido com a superfície, ele seria composto de rocha perfeitamente derretida. Mas àquela profundidade a pressão é tão grande que a rocha continua sólida, ou quase isso – se move 1 ou 2 centímetros por ano, mais ou menos a velocidade em que cresce a sua unha.

Essas placas não vivem em harmonia. Elas deslizam para lá e para cá. Em alguns pontos, escorregam uma para cima da outra. Em outros, se afastam, deixando um vão livre por onde emerge magma formado no manto. Chegam até a se esfregar lateralmente – como dois galhos de árvore atritados para gerar faísca. Os pontos da superfície do planeta que se localizam sobre essas zonas de contato são instáveis, mais sujeitos a terremotos (pelo menos em relação ao meio das placas).

Alguns lugares são uma espécie de encruzilhada tectônica, em que várias placas de grande porte se encontram. É o caso na Turquia. Ela repousa na tríplice fronteira entre os blocos de rocha que sustentam a Eurásia, a África e a Península Arábica. No meio desses três monstrinhos principais, ficam espremidas duas subplacas – a da Anatólia e a do mar Egeu. O rala e rola tectônico é intenso por ali, como você pode imaginar. Istambul foi fundada há 2600 anos e provavelmente não passou nenhum deles sem um terremoto, mesmo que sutil.

A lateral de uma placa, óbvio, não é lisa. Está mais para um paredão de rocha irregular, cheio de reentrâncias. Conforme uma placa desliza na direção oposta da outra, dois trechos de rocha particularmente gordinhos podem ficar enganchados. E aí a pressão aumenta. E aumenta. Como se você estivesse esticando um elástico de escritório de uns 30 centímetros.

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Quando você solta um elástico esticado esse tanto, ele é arremessado e bate na parede. A energia potencial que se acumulou é liberada rapidamente. Parte dela movimenta o ar ao redor e gera ondas mecânicas, que chegam ao seu ouvido na forma de som. Um estalo, em suma.

Quando o lugar em que os blocos de rocha se engancharam finalmente cede, a pressão também é liberada de uma tacada só. E ondas mecânicas também são formadas. Só que essas ondas, em vez de se propagar pelo ar, se propagam pelo interior da crosta terrestre. São ondas sísmicas, e é nisso que consiste um terremoto.

Acontece que nem todo movimento no interior da Terra é repentino ou brusco o suficiente para gerar ondas sísmicas. “Há os movimentos sísmicos e os assísmicos”, explicou à SUPER o professor Marcelo Bianchi, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. “Os sísmicos são os que geram ondas sentidas como terremotos. Os assísmicos são tão lentos que não emitem ondas. A movimentação dentro da Terra tem que ser rápida para gerar ondas.”

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Em 2016, a falha localizada entre a placa da Anatólia e a placa da Eurásia acumulou energia suficiente para desencadear um terremoto de 5,8 graus na escala Richter – dá para danificar construções mais frágeis, embora não derrube prédios de alvenaria. Istambul é maior que São Paulo, com 15 milhões de habitantes, e o epicentro estaria alguns quilômetros ao sul da cidade.

Nada aconteceu, porém, pois a energia foi liberada aos poucos, ao longo de 50 dias, em vez de explodir em uma tacada só. Em resumo, um movimento assísmico. Essa é a conclusão de um artigo científico recém-publicado no periódico Earth and Planetary Science Letters. É como se, em vez de soltar o elástico na parede como um projétil, você diminuísse lentamente a força aplicada a ele, fazendo-o retornar sem alarde ao estado inicial.

Ninguém fica sabendo de um movimento assísmico – nem o sismógrafo, pois ele funciona captando as ondas mecânicas, e movimentos assim não geram ondas perceptíveis O que leva à pergunta chave deste texto: como diabos alguém pode descobrir que esse terremoto ao contrário aconteceu?

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O pulo do gato é que os cientistas do Centro Helmholtz, na Alemanha, não mediram as ondas sísmicas geradas pelo abalo, e sim o quanto uma amostra de rocha localizada a grande profundidade se deformou graças à energia liberada. Ou seja, mediram o elástico, e não a vibração produzida por ele. Esse é um método razoavelmente novo, que pode revolucionar nossa compreensão de terremotos não tão óbvios assim – como, por exemplo, os que ocorrem no meio de placas tectônicas, e não nas bordas.

Viva, então, os terremotos em slow motion: eles não machucam ninguém. E de quebra são uma janela curiosa para entender o interior da Terra, que ainda é um bocado misterioso para nós. Nas palavras do físico Richard Feynman, “nós entendemos a distribuição de matéria no interior do Sol bem melhor do que entendemos o interior da Terra.”

 

 

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