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Sono: a fonte da juventude

Uma das melhores coisas que você pode fazer pela sua saúde é dormir bem. O sono evita doenças e é  fundamental para que você tenha uma vida mais longa

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 jan 2001, 22h00

Rodrigo Vergara

Você é daqueles que acha a vida curta demais para desperdiçar um terço dela na cama, dormindo? Pois esse raciocínio é tão sensato quanto o de um marinheiro que, ao detectar um furo no casco do barco, faz outro buraco para a água escoar para fora. Ou seja, só agrava o problema. Pesquisas recentes mostram que dormir, longe de ser um desperdício de tempo, prolonga o tempo de vida. Ou seja: quem dorme menos do que precisa vive menos.

Em primeiro lugar, é bom esclarecer que essa fórmula da juventude não tem nada a ver com a ladainha da sua avó, que obrigava você a dormir oito horas por dia. Esse tabu caiu faz tempo. O consenso médico atual diz que cada um sabe quanto sono precisa. Basta que o descanso seja de boa qualidade e suficiente. A medida é não haver sonolência no dia seguinte. Parece simples, certo? Afinal, dormir é grátis e não requer aprendizado.

Mas não é o que acontece. A falta de sono afeta tanta gente que já vem sendo chamada de epidemia. Só nos Estados Unidos, a privação de descanso afeta o trabalho de 160 milhões de pessoas, vítimas da pressão cultural pela redução do tempo que passam na cama. Nos últimos 100 anos, o homem moderno perdeu, em média, 90 minutos de sono por noite, roubados pela difusão da luz elétrica, pela industrialização, pelas longas jornadas de trabalho. Em 1910, dormia-se nove horas em média. Hoje, são 7,5 horas. Pode-se argumentar que, de lá para cá, a expectativa de vida dobrou. No Brasil, de 33,7 anos, em 1900, para 68 anos, em 1999. A verdade é que a evolução da expectativa de vida envolve outras variáveis, como a cura de doenças e a melhoria das condições sanitárias.

Isolado, porém, o sono é determinante para a longevidade, como comprova uma pesquisa publicada no ano passado por médicos da Universidade de Nagoya, Japão. Eles estudaram por 12 anos um grupo de 5 000 habitantes da cidade de Gifu. A pesquisa analisou apenas os hábitos de sono do grupo e revelou que o risco de morte para quem dorme menos de sete horas diárias é quase duas vezes maior que o das pessoas cujo descanso varia entre sete e dez horas.

“O sono é o mais importante indicador de quanto tempo uma pessoa viverá. Mais importante até que seus hábitos de risco, como tabagismo e sedentarismo, ou alguns níveis metabólicos vitais como pressão arterial e nível de colesterol no sangue”, diz William Dement, fundador do primeiro centro de estudos do sono, na Universidade de Stanford, Estados Unidos.

“O sono desempenha uma função fundamental para o funcionamento do corpo”, afirma o neurologista Rubens Reimão, do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Só que ninguém sabe que função é essa.” Uma das hipóteses mais aceitas é que a razão de dormirmos é que poupamos energia durante o sono. Para vários cientistas, no entanto, dormir serve para o organismo refazer os estoques de proteínas e enzimas gastos durante o dia. Há ainda quem sustente que o corpo metaboliza alguma substância – que ainda não se sabe qual é – acumulada no período de vigília. Ou, simplesmente, que o sentido do sono é meramente ficar quieto para evitar chamar a atenção dos predadores. Ou seja, dormir seria apenas uma estratégia do tipo “fingir-se de morto”.

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O mecanismo que leva uma pessoa a dormir também permanece um mistério. O que faz com que você perca a consciência em um certo momento e mergulhe de cabeça no mundo de Morfeu? Uma enzima? Uma pane elétrica no cérebro? Ninguém sabe. Aliás, o tema é tão pouco conhecido que substâncias importantes envolvidas no ato de dormir foram descobertas há apenas três anos.O que se sabe é que o sono está relacionado a relógios biológicos com ciclos de 24 horas. Um desses gatilhos envolve a melatonina, hormônio indutor do sono produzido no cérebro principalmente à noite. Para alguns cientistas, é a melatonina que “diz” ao corpo quando é hora de dormir, o que dispara uma mudança no organismo. A temperatura corporal cai 1°C ou 2°C, o fluxo sangüíneo cerebral diminui e o metabolismo desacelera seu ritmo em cerca de 10%. Os músculos perdem aos poucos a tonicidade até ficarem flácidos. E o cérebro, longe de ficar “desligado”, funciona a pleno vapor, mas de forma diferente, com ondas elétricas mais lentas.

“Mas o que torna o sono imprescindível é que alguns processos vitais, como a produção de determinados hormônios essenciais, só ocorrem quando estamos adormecidos”, diz o biólogo Mário Pedrazzoli, pesquisador de Genética Molecular do Sono no Instituto do Sono, em São Paulo, e que trabalhou por dois anos no laboratório de Genética do Sono da Universidade de Stanford. Reduzir o tempo dedicado a esses processos é como não carregar direito a bateria do celular. O tempo de uso do aparelho – no caso, seu corpo – diminui.

“Um dos efeitos da redução do tempo de sono é o envelhecimento precoce”, diz a biomédica Deborah Suchecki, também do Instituto do Sono, um dos maiores centros de estudos do tema no mundo, pertencente à Universidade Federal de São Paulo. O sono, por exemplo, facilita o metabolismo dos radicais livres – moléculas de oxigênio super-reativas resultantes da produção de energia nas células. Circulando pelo corpo, tais moléculas provocam desde envelhecimento celular até câncer. Pois bem. Privadas de sono, cobaias tiveram uma redução na concentração de glutationa, enzima que regula o metabolismo dos radicais livres. Menos enzima significa mais radicais livres e, portanto, envelhecimento e morte antecipados.

Em humanos, a privação de sono em jovens é o suficiente para fazê-los parecer velhinhos. É o que diz um estudo divulgado no ano passado por Eve van Cauter, médica da Universidade de Chicago. Onze rapazes saudáveis, com idades de 18 a 27 anos, foram proibidos de dormir mais de quatro horas por noite durante seis dias. Ao final do teste, seus metabolismos eram comparáveis aos de pessoas com mais de 60 anos. O nível de insulina no sangue caiu para níveis de portadores de diabetes e a concentração de cortisol, hormônio secretado em situações de estresse, manteve-se em níveis elevados, como acontece em idosos. Os pesquisadores vêem no resultado um caráter socioeconômico. “Pessoas de menor poder aquisitivo não têm oportunidade de dormir o suficiente”, diz o estudo. “Dormir é um privilégio que se conquista com muito esforço. Quando jovem, eu trabalhava 14 horas por dia e dormia pouco. Hoje, durmo quanto quero”, diz o empresário Olacyr de Moraes, que perdeu boa parte de seu império, mas, como se vê, manteve o privilégio de dormir bem.

Seguir acordado noite adentro também favorece o surgimento de infecções. Em laboratório, cientistas privaram ratos de sono por tempo indeterminado. Resultado: morte por infecção generalizada, sugerindo que a falta de sono debilita o sistema imunológico. Tal hipótese é reforçada por outros estudos sobre o sono e as defesas do corpo, como a ação das interleucinas, substâncias fundamentais na resposta imunológica. Em altas concentrações, as interleucinas induzem o sono, o que explica por que doentes dormem mais. O sono, portanto, não só previne doenças como também auxilia a cura.

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Outro ponto interessante é que, durante o sono, cai a produção de noradrenalina, um neurotransmissor acionado em situações de estresse. Na etapa do sono chamada REM (Rapid Eyes Movement, em inglês movimento rápido dos olhos), na qual ocorrem os sonhos , a produção da noradrenalina é cortada. Com menos horas de sono, o tempo de REM diminui e o corpo passa mais tempo sob efeito do neurotransmissor do estresse.

Por fim, há o risco de acidentes. Uma noite em claro causa uma embriaguez leve, algo como beber uma cerveja. Mas não é preciso virar a noite para comprometer a atenção: apenas 90 minutos a menos de cama reduzem 32% a vigilância, diz estudo realizado na Universidade Estadual Wright, em Ohio, Estados Unidos. Ficar sem dormir atrapalha a conexão entre neurônios, lembra a pesquisa. No Reino Unido, mais de 20% dos acidentes de trânsito são causados por motoristas que dormem ao volante. Por tudo, o sono é uma daquelas poucas coisas da vida que têm tudo o que todo mundo procura: é gostoso, faz bem e é barato. Então, vá dormir!

 

Para saber mais

Na livraria:

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Sono, Estudo Abrangente, de Rubens Reimão, Editora Atheneu, São Paulo, 1996

 

The Promise of Sleep, De William C. Dement, Editora Delacorte, Estados Unidos, 1999

 

Na Internet:

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Centro de Estudos do Sono da Universidade de Stanford:

https://www.med.stanford.edu/school/psychiatry/coe/main.html

 

Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos:

https://www.ncbi.nlm.nih.gov

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rodrigo.vergara@abril.com.br

Hora da sesta

Proteína recém-descoberta pode ser a explicação para a vontade de dormir que sentimos depois do almoço

Uma proteína desconhecida até três anos atrás pode ajudar a desvendar um dos maiores empecilhos à produtividade do ser humano: aquele sono irresistível depois do almoço.

De tão nova, a substância, produzida no hipotálamo, não tem nome definitivo: alguns cientistas chamam-na de hipocretina. Outros, de orexina. Agora está se pensando em batizá-la de agripinina.

Nomes à parte, o que importa é a ação da agripinina como neurotransmissor, responsável pela comunicação entre neurônios. Seu papel é estimular uma região do cérebro responsável por nos manter despertos. O elo desse processo com a alimentação é a leptina, uma enzima produzida pelo organismo quando comemos. A presença da leptina inibe a produção da agripinina, ou seja, quanto mais leptina no cérebro, menos agripinina, e maior o sono.

A proteína também está ajudando a ciência a elucidar um grave distúrbio do sono, a narcolepsia, que atinge uma em cada 2 000 pessoas e tem sintomas extravagantes: é a única que causa cataplexia, um sono repentino que acomete o doente em situações emotivas. Há casos de pessoas que caem no sono ao rir de uma piada ou durante uma discussão no trânsito. Detalhe: a pessoa não consegue se mexer, mas se mantém consciente.

“Quem não conhece meu problema acha que estou dormindo, mas em segundos eu desperto e acompanho a conversa normalmente, porque estava ouvindo tudo”, diz o advogado João José Pedro Frageti, que, antes de ser diagnosticado, procurou ajuda em centros espíritas. Em média, os portadores de narcolepsia levam 14 anos para descobrir o mal que os aflige. Os narcolépticos também sofrem de um tipo de paralisia durante o sono. A pessoa acorda, mas não consegue se mexer, porque a resposta muscular está cortada. Pesquisas recentes realizadas pelas universidades de Stanford e Chicago descobriram que 90% dos pacientes têm um defeito genético. “O desafio agora é sintetizar uma substância que imite seu efeito”, afirma o biólogo Mário Pedrazzoli, um dos autores do estudo da Universidade de Stanford.

Dormindo com o inimigo

Em 100 anos de estudo, os cientistas já descreveram mais de 80 distúrbios ligados ao sono. Desde insônias passageiras até doenças que culminam com a morte. Conheça os problemas mais comuns

 

Apnéia obstrutiva do sono – Um problema simples com conseqüências graves. A apnéia tem como causa uma obstrução da passagem do ar durante o sono devido ao relaxamento dos tecidos da faringe ou pela língua. Sufocada, a pessoa acorda por alguns segundos, respira e volta a dormir, em um ciclo sono-despertar que se repete às vezes mais de 80 vezes por hora, causando sonolência durante o dia. A cada sufocamento, a oxigenação do sangue diminui, exigindo uma compensação do coração. Resultado: taquicardia, arritmia e pressão alta. Há outras conseqüências: ao tentar respirar, o paciente acaba por sugar o conteúdo do estômago, causando irritação no esôfago. Pode ser tratada por cirurgia, aparelhos para facilitar a respiração ou mudanças de hábitos de sono.

Insônia – É a percepção de que o sono não foi suficiente. Com essa definição abrangente, a insônia é o distúrbio mais comum: um terço da população sofre desse mal. Há várias causas, desde uma cama desconfortável até problemas psiquiátricos, passando pela mais comum delas: a ansiedade.

Jet-lag – Sonolência decorrente de mudança no fuso horário. Embora temporária, pode trazer grande prejuízo. Há casos de executivos que perderam negócios devido ao mau desempenho em reuniões. Para evitá-lo, o ideal seria começar a dormir antecipadamente no horário do local de destino. Experimentos recentes indicam que o viajante pode atenuar o problema se, alguns dias antes da viagem, passar a comer no horário das refeições de seu destino.

Sonambulismo – Está ligado a um determinado tipo de onda cerebral, as ondas delta, mais presentes no sono durante a infância, o que torna o sonambulismo um distúrbio típico entre crianças. Os cientistas aconselham a não acordar o sonâmbulo, para não deixá-lo confuso. Mas a lenda de que acordar um sonâmbulo pode matá-lo não passa disso mesmo: uma lenda.

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