Restaurar 30% das áreas degradadas do planeta pode salvar 71% das espécies em extinção
Liderada por brasileiro, pesquisa sugere que priorizar certos biomas é o caminho para obter o máximo de conservação pelo menor custo. Entenda.
Uma pesquisa publicada nesta quarta-feira (14) na revista científica Nature mostrou que a restauração da fauna e da flora da Terra pode ser mais eficaz se os esforços para a conservação se concentrarem, inicialmente, em áreas mais devastadas – como a Mata Atlântica.
O estudo foi encomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e envolveu 27 pesquisadores de 12 países. Eles identificaram mais de 29 milhões de quilômetros quadrados de áreas restauráveis em todos os continentes e em todos os tipos de biomas, como florestas e desertos.
A partir daí, os pesquisadores investigaram quais locais degradados mereciam prioridade, afim de obter o maior benefício possível com o menor custo de restauração. Para isso, consideraram três critérios: preservação da biodiversidade, sequestro de carbono (a retirada de gás carbônico da atmosfera) e as despesas necessárias.
Nestes critérios, vários fatores foram levados em consideração. Para a biodiversidade, áreas com espécies endêmicas (que só existem ali) e ameaçadas de extinção aumentavam a prioridade. Para o carbono, foram analisados dados como quantidade de chuvas, umidade e tipo de solo da região; em relação aos custos de restauração, valores como o custo da mão de obra de cada país.
Este é o primeiro estudo a fazer um levantamento de áreas prioritárias em escala global. Os cientistas concluíram que restaurar 30% das regiões degradadas do planeta pode salvar 71% das espécies que seriam extintas nas próximas décadas. O esforço resultaria também em retirar 466 bilhões de toneladas de gás carbônico da Terra – o equivalente a 49% de todo o CO2 acumulado desde a Revolução Industrial, iniciada no século 18.
O levantamento, que levou dois anos para ser feito, foi liderado pelo brasileiro Bernardo Strassburg, professor do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio, que ressalta a importância da definição de áreas prioritárias. “Dependendo de onde a restauração acontece, os resultados podem ser bastante diferentes”, disse à Agência Bori. Exemplo: recuperar 5% de uma ou outra região afetada faz com que a porcentagem de espécies salvas varie de 7% a 43%.
Strassburg trabalha com essas classificações desde 2013, quando ele e sua equipe desenvolveram a ferramenta que auxilia a determinar a priorização dos espaços de restauração na Mata Atlântica. O trabalho também foi publicado na Nature, em 2019.
“Ao divulgá-lo em fóruns internacionais, a ONU nos perguntou se era possível aplicar a metodologia em escala global”, explicou Strassburg, em entrevista à SUPER. Dentre os colaboradores do estudo, dez pertecem ao Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), do qual o pesquisador é diretor executivo.
O resultado do esforço pode ser conferido no mapa abaixo. As zonas em vermelho representam as áreas com maior prioridade para restauração – como a Mata Atlântica. “Isso significa que, se fossemos restaurar apenas 5% do total de natureza do planeta, ela entra quase que integralmente”, explica Strassburg. “É um bioma muito rico, com espécies endêmicas ameaçadas e que já perdeu 75%, 80% de sua cobertura original.”
Notou algum padrão no gráfico? Boa parte das regiões próximas à linha do Equador está em vermelho, algo já esperado pelos pesquisadores – florestas tropicais desempenham um enorme papel para a preservação de espécies. Mas o levantamento analisa também a importância de regiões alagadas (em inglês, wet lands), como o Pantanal. “Esses locais são vitais tanto para a manutenção da biodiversidade quanto para a do clima.”
Melhor custo-benefício
Um dos principais entraves para os conservacionistas é o argumento de que as ações de preservação ambiental demandam altos investimentos e podem prejudicar a produção agrícola.
Para Strassburg, a seleção de áreas prioritárias evita justamente que isso aconteça. “Podemos recuperar até 55% das áreas degradadas do planeta e ainda manter a produção agrícola atual”. O pesquisador ressalta, ainda, que a agricultura pode se beneficiar dos impactos positivos dessas iniciativas, como a conservação da água e do solo e uma melhora na polinização.
Vale ressaltar que o algoritmo desenvolvido pelos cientistas cruza os três critérios mencionados acima, e não apenas seleciona áreas onde a restauração seja mais barata. “Ela pode ser até 13 vezes mais eficaz nessas regiões em comparação às que levam em conta apenas os custos.”