Qual a relação entre a morte de tubarões e a produção de uma vacina para Covid-19?
Ativistas ambientais protestam contra farmacêuticas que usam esqualeno – óleo que pode ser obtido no fígado dos tubarões – para a criação de imunizantes contra o coronavírus.
Macacos, ratos e camundongos são animais já conhecidos por sua participação no desenvolvimento de vacinas. Eles são cruciais para os ensaios que confirmam se o candidato a imunizante de fato é seguro. Se tudo correr bem com os animais, os cientistas passam para os testes em humanos. O que poucos sabem é que animais podem servir mesmo após essa etapa. Tubarões, por exemplo, podem ser vitais para a produção de uma vacina – como a que está sendo buscada para a Covid-19, por exemplo.
Isso acontece porque esses grandes peixes produzem em seus fígados um composto orgânico chamado esqualeno. Ele costuma ser utilizado na formulação de cosméticos, como protetores solares, bases e loções, devido ao seu poder hidratante. No entanto, o óleo também é atrativo para a indústria farmacêutica, já que pode entrar na composição das vacinas na função de adjuvante. Os adjuvantes servem para melhorar a eficácia da vacina, estimulando uma resposta imune maior e precoce. É o Whey Protein dos imunizantes.
Atualmente, das 176 vacinas em ensaios clínicos e pré-clínicos, 17 delas usam adjuvantes. Alguns deles podem ser de origem vegetal, sendo extraídos do farelo de arroz, azeite de oliva ou gérmen de trigo, por exemplo. Mas um levantamento feito pela ONG americana Shark Allies (Aliados dos Tubarões, em português) indicou que pelo menos cinco destas levam óleo de fígado de tubarão.
As consequências podem ser muito maiores do que o imaginado. A Universidade de Queensland (Austrália), em parceria com as empresas de bioterapia CSL Behring e Seqirus, está usando cerca de 9,75 miligramas de esqualeno por dose produzida de vacina contra o coronavírus. Em entrevista à Vice, representantes da Shark Allies estimaram que, se cada pessoa da Terra recebesse apenas uma dose, cerca de 249 mil tubarões precisariam ser abatidos. Considerando que podem ser necessárias duas doses para imunizar a população, o número dobra para quase meio milhão de tubarões mortos.
Os ambientalistas não querem interromper o desenvolvimento das vacinas, mas sim alertar quanto aos impactos que isso tem sobre as diferentes espécies de tubarão, além de pedir por um posicionamento mais sustentável das empresas. Em petição organizada no site Change.org, a Shark Allies escreveu: “O esqualeno feito de óleo de fígado de tubarão é mais comumente usado porque é barato de se obter e fácil de encontrar, e não por ser mais eficaz do que outras fontes”.
A PETA (Pessoas pelo tratamento ético dos animais, em português), ONG pró-direito dos animais dos EUA, também se posicionou contra o uso de esqualeno proveniente de tubarão nas vacinas.
“Cortar partes do corpo de tubarões para uso em vacinas não é apenas cruel para os animais e perigosamente irresponsável do ponto de vista da saúde humana, mas também desnecessário, uma vez que o esqualeno pode ser facilmente derivado de plantas e por muitas das vacinas candidatas para a Covid-19 não contê-lo.”, escreveu a PETA, num comunicado.
Stefanie Brendl, fundadora e chefe executiva da Shark Allies, explicou à Vice que, atualmente, cerca de 2,7 milhões de tubarões já são afetados pela indústria de cosméticos. Os grandes peixes são caçados para terem seu esqualeno retirado e aplicado em bases, loções e outros produtos. Brendl completa dizendo que este número pode dobrar até 2024 e triplicar até 2027. De acordo com a National Geographic, 26 das 60 espécies de tubarão que são mortas para a coleta do óleo são consideradas vulneráveis à extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza.