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Pássaro com condição rara é meio macho, meio fêmea 

Chamada de ginandromorfismo, essa anomalia genética fez com que metade do corpo desse pássaro fosse de menina, e a outra metade, de menino.

Por Leo Caparroz
2 jan 2024, 17h56

Algumas espécies têm aparências diferentes dependendo do sexo, algo chamado dimorfismo sexual. Isso é bem comum entre pássaros: os machos costumam ter cores mais vibrantes, enquanto as fêmeas têm plumagens mais discretas. 

Isso acontece porque elas preferem os caras mais coloridos e chamativos, de modo que os genes para uma plumagem marcante passam para mais filhotes. É a seleção sexual, uma variação da seleção natural que o próprio Darwin propôs.

Já os tons mais discretos das moças, como já mencionamos, podem servir para camuflá-las contra predadores (os machos, afinal, correm um risco alto com suas pinturas exuberantes, visíveis de longe). Isso é seleção natural básica, claro.

Esse saí-verde da foto acima (Chlorophanes spiza) tem uma condição rara: sua aparência é dividida entre metade fêmea e metade macho. Seu lado direito tem as penas azuis e cabeça preta típicas dos machos, e o lado esquerdo, as penas verde-esmeralda das fêmeas.

Pássaro extremamente raro capturado em vídeo
Esse indivíduo da espécie Chlorophanes spiza, conhecida como saí-verde, apresenta uma rara condição: metade de seu corpo é de uma fêmea e a outra metade, de um macho. (Foto: John Murillo / University of Otago/Reprodução)

O nome disso é ginandromorfismo. A palavra vem do grego gynos, que significa feminino, andros, que significa masculino, e morfo, que é forma.

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Essa condição ocorre em insetos, crustáceos, répteis e aves, mas não em mamíferos. Trata-se de algo diferente dos organismos hermafroditas, que têm “só” os órgãos reprodutivos dos dois sexos. Como você já pôde perceber, os ginandromorfos possuem o corpo todo, incluindo a aparência externa, dividido entre macho e fêmea. 

Uma das hipóteses mais aceitas é que ela aconteça por uma anormalidade no zigoto (o nome que se dá à primeira célula do futuro bebê, após a fusão entre o gameta masculino e o feminino).

Um óvulo mutante com dois núcleos pode acabar tendo cada um desses núcleos fecundado por um espermatozoide diferente. Se um dos espermatozoides for X e o outro Y (ou o equivalente a isso em pássaros, já que eles tem um sistema de determinação de sexos diferente do nosso), o bichinho nasce dividido ao meio. 

O exemplar em questão foi visto pela primeira vez pelo ornitólogo amador John Murillo, em uma reserva natural perto da cidade de Manizales, Colômbia. Esse é o segundo caso de ginandromorfismo registrado nessa espécie e o primeiro em 100 anos. Ele mostrou o pássaro para Hamish Spencer, professor de zoologia da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, que na época estava de férias. 

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Então começou um processo de observação do pássaro metadinha. Durante 21 meses, de outubro de 2021 a junho de 2023, os pesquisadores acompanharam as visitas da ave ao bebedouro e comedouro de uma fazenda, onde ela (ou ele) se alimentava de frutas e água com açúcar.

“Muitos observadores de pássaros poderiam passar a vida inteira sem ver um caso de ginandromorfismo bilateral em nenhuma espécie de ave”, afirma Spencer. “É muito impressionante, tive o privilégio de vê-lo”.

Os dois, junto de colegas ornitólogos, publicaram suas observações no periódico Journal of Field Ornithology. Segundo eles, o comportamento do pássaro era como de qualquer outro membro de sua espécie, só um pouco mais solitário e sem muito interesse em acasalamento.

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“Em geral, ele evitou outros da sua espécie, e os outros também o evitavam”, escrevem em sem artigo. “Não observamos nenhum comportamento de corte ou acasalamento na ave e suspeitamos fortemente que ela não se reproduza.”

O pássaro nunca foi capturado, então os pesquisadores não sabem se os seus órgãos internos também foram divididos meio a meio em macho e fêmea.

Contudo, eles afirmam que essa hipótese é esperada, já que os órgãos sexuais das aves se desenvolvem com base apenas na genética das suas células – enquanto o desenvolvimento da genitália humana e outras características sexuais humanas sofre muita influência de hormônios ao longo da gestação. 

Não são todos os ginandromorfos que têm essa cara simétrica. O tipo dessa saí-verde é chamado de ginandromorfismo bilateral, em que cada lado corresponde ao fenótipo de um sexo. Também existe o ginandromorfismo polar, em que a divisão é pela parte anterior e posterior do corpo; e o oblíquo, em que o corpo se divide diagonalmente.

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O ginandromorfismo não é só uma anomalia genética curiosa, ele também é valioso para entender mais sobre desenvolvimento embrionário dos pássaros, já que os genes específicos que controlam o surgimentos das características específicas de cada sexo ainda são um mistério.

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