Pacientes inconscientes “despertam” graças a estímulos da família
Não foi apoio moral – e, sim, uma nova terapia, que pode ser usada em casa, por qualquer um, e instiga a atividade cerebral.
Após anos em estado minimamente consciente, um grupo de pacientes despertou pela primeira vez, graças a uma terapia de estimulação cerebral aplicada por seus próprios familiares.
O Liège University Hospital, na Bélgica, pesquisa há anos como a estimulação transcraniana direta pode reverter os quadros de estado mínimo de consciência.
Pacientes são considerados minimamente conscientes quando, após um trauma, entram em coma, mas conseguem se recuperar parcialmente, dando sinais de percepção de quem são e do que acontece ao seu redor – mas esses sinais são flutuantes, e a consciência vem e vai. Quando o coma evoluí para um estágio estável, mas completamente inconsciente, ele é chamado de estado vegetativo persistente (entenda as diferenças desses quadros nesta matéria).
Os pesquisadores do Liège descobriram, em 2014, que estímulos elétricos leves conseguiam reverter a consciência temporariamente, tornando os pacientes capazes de se comunicar, reagindo a comandos e respondendo perguntas através de sinais. Esse estágio alerta e reacordado costuma durar algumas horas – o recorde máximo foi de uma semana – e aí o paciente retorna ao seu estado de consciência flutuante.
O novo passo dos cientistas foi adaptar o método de estimulação para o atendimento domiciliar, de forma que ele pudesse ser aplicado por enfermeiros ou parentes do paciente. Assim, pessoas estáveis, que não precisam necessariamente de internação hospitalar, poderiam seguir participando de pesquisas – e, com sorte, se comunicar com as suas famílias.
Os aparelhos de uso doméstico foram testados em 27 pessoas com quadros crônicos, a maioria vivendo há 8 anos com distúrbios de consciência. Uma delas está em estado minimamente consciente há 33 anos.
A ideia era comprovar que o tratamento era seguro de se praticar em casa e factível de ensinar a cuidadores e parentes. Os pacientes foram acompanhados durante seis meses. No primeiro mês, alguns pacientes eram sorteados para receber o tratamento real: 20 minutos de um leve estímulo elétrico no córtex pré-frontal, transmitido por eletrodos grudados à cabeça, com sessões semanais.
O restante recebia um placebo: a corrente elétrica desligava sozinha após 5 segundos. Nem pacientes, nem cuidadores e nem os pesquisadores que acompanharam o estudo sabiam quem recebia placebo e quem recebia corrente elétrica real.
Após um intervalo de 2 meses, os grupos foram invertidos. E os pacientes seguiram acompanhados pelos pesquisadores no restante do período.
No fim do estudo, seis pacientes que nunca tinham dado sinal de consciência desde o seu diagnóstico tiveram seu primeiro “despertar”.
De acordo com familiares dos participantes, que conversaram com a revista New Scientist, os pacientes “pareciam mais presentes”. Um deles riu de piadas de um parente, outro chorou ao ouvir notícias tristes. Eles também estavam mais conscientes do mundo ao seu redor – mostrando, também com risadas, que entendiam as cenas cômicas que passavam na TV.
Ao fim do estudo, como nos demais testes, essas pessoas voltaram aos poucos aos seus estados não-comunicativos. Mas as famílias e cuidadores ganharam o direito de ficar com os aparelhos, com a condição de usá-los no máximo uma vez por dia, e seguir com acompanhamento mensal dos cientistas.
Os pesquisadores acreditam que pacientes que estão inconscientes há menos tempo podem reagir melhor ao tratamento. Também pensam que o uso de correntes mais intensas (o máximo desse aparelho é 2 miliamperes) pode oferecer resultados melhores. “Mas precisamos ser muito cuidadosos com efeitos colaterais, porque essas pessoas não conseguem comunicar dor apropriadamente”, conclui uma das líderes da pesquisa.