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O trigo sem glúten

De uns tempos para cá, o glúten virou o novo vilão da alimentação. Mas cientistas espanhois descobriram como removê-lo do trigo - sem afetar a qualidade do pão.

Por Bruno Garattoni e Eduardo Szklarz
Atualizado em 23 abr 2019, 19h26 - Publicado em 21 abr 2019, 18h47

1% das pessoas tem doença celíaca, e não pode comer glúten (pois isso lhe causa inflamação no intestino). Também há pessoas com algum grau de sensibilidade ao glúten, mas não muitas: as estimativas mais exageradas falam em 6%. Para todas as demais, não há nenhum problema em ingerir essa proteína presente no trigo. Muita gente acha que é intolerante a glúten, mas na verdade não é. Cientistas da Universidade de L’Aquila, na Itália1, acompanharam durante dois anos um grupo de 392 pessoas que diziam ter problemas com glúten – e descobriram que 86% não apresentavam intolerância nem sensibilidade, a ele. Era tudo coisa da cabeça delas. Mas o fato é que, de uns anos para cá, o glúten se tornou mais um vilão da alimentação, e o mercado tem respondido a isso lançando novos produtos, como os pães sem trigo. O problema é que eles não são, nem de longe, tão gostosos quanto o pão de verdade. Mas e se alguém conseguisse criar um trigo que não tivesse glúten?

Cientistas do Instituto de Agricultura Sustentável (IAS), da Espanha, dizem ter conseguido fazer mais ou menos isso. Eles desenvolveram um trigo sem gliadina, que é o componente irritante do glúten – e afirmam que o pão feito com ele é idêntico, em todos os aspectos, ao pão comum. “Fizemos uma degustação e ninguém percebeu a diferença”, diz o cientista Francisco Barro, do IAS.

O projeto começou em 2006, quando Barro usou uma técnica de silenciamento de genes conhecida como RNA de interferência (RNAi). Esse método usa um mecanismo natural de defesa das plantas, que destrói vírus invasores ao identificar seu RNA mensageiro (molécula que carrega informações sobre o DNA de cada vírus). Os cientistas isolaram o DNA da gliadina, e o inseriram num gene artificial. Depois, implantaram esse gene no trigo, e isso ativou o sistema de defesa da planta – que começou a destruir toda a gliadina.

“Nós conseguimos linhagens de trigo com 99% das gliadinas silenciadas”, diz Barro. Ele testou o produto com sucesso em ratos, e foi autorizado pelo governo da Espanha a cultivar uma tonelada de grãos, com os quais obteve 700 quilos de farinha. Agora, está fazendo testes clínicos com pessoas celíacas e sensíveis ao glúten em hospitais da Espanha. Mas, como o novo trigo é geneticamente modificado, será difícil lançá-lo no mercado europeu. “Não conseguimos cultivar produtos transgênicos na Europa por pressão dos ecologistas”, afirma. “O trigo de RNAi tem mais chances de chegar ao mercado no Brasil ou nos EUA. Já temos empresas interessadas”, diz ele.

1. Non-Celiac Gluten Sensitivity among Patients Perceiving Gluten-Related Symptoms. A Cappanollo e outros, 2015.

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