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Milkshake de cocô melhora microbiota de bebês nascidos de cesárea, diz estudo

A mistura de leite e cocô maternos introduziria bactérias presentes no canal vaginal – com que esses nenéns não entram em contato – para evitar futuros problemas de saúde. Mas é claro: não faça isso em casa.

Por Manuela Mourão
2 nov 2024, 19h00

Um estudo recém-publicado demonstrou que alimentar bebês nascidos de cesariana com um pouquinho das fezes da mãe misturadas ao leite materno introduz bactérias benéficas em seu intestino  que elas normalmente obteriam no contato com a vagina da mãe durante o parto natural.

A pesquisa como um todo está em seus estágios iniciais, mas para o autor principal Otto Helve, diretor do departamento de saúde pública do Instituto Finlandês de Saúde e Bem-Estar em Helsinque, os resultados preliminares confirmam a hipótese que a introdução fecal traria resultados positivos para microbiota desses bebês.

Por que isso seria uma alternativa?

Por mais que a solução embrulhe o estômago, ela, na verdade, se baseia em pesquisas anteriores que sugerem que as bactérias presentes no nosso cólon podem influenciar a saúde e o bem-estar humanos de formas que vão muito além da sua frequência no troninho. 

Uma das revelações das últimas décadas é que o contato precoce com esses micróbios ajuda a prevenir doenças no futuro porque ensina nosso sistema imunológico logo no primeiro dia a aceitar as bilhões de forminhas de vida microscópicas que viverão dentro de nós e manterão relações mutualísticas conosco ao longo da vida.

Alguns estudos mostram que bebês nascidos por parto de cesárea têm mais chance de desenvolver doenças provenientes de um sistema imunológico disfuncional, como asma e inflamações no intestino.    

O motivo ainda é incerto, mas cientistas imaginam que seja um resultado da falta de contato com os microorganismos presentes na vagina das mães diferente das crianças nascidas de parto normal, que são menos sensíveis, por exemplo, aos patógenos presentes nos hospitais. 

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Onde entra o cocô nessa história? Bom: mulheres grávidas costumam evacuar durante o trabalho de parto e, de qualquer maneira, as bactérias fecais estão frequentemente presentes na pele genital, por mais higiênico que você seja. Moral da história: parte da microbiota que a mãe lega a seu filho vem do intestino, e isso é natural. Por isso a ideia da mamadeira de cocô.

Algumas alternativas já foram testadas, sem muito sucesso. Por exemplo, passar os micróbios vaginais das mães na pela dos recém-nascidos ou servi-los oralmente. Esses microorganismos, porém, não conseguem colonizar de maneira eficaz os intestinos dos nenéns.

No estudo recente Helve e sua equipe administraram uma mistura de fezes maternas (cerca de 3,5 mg) e leite a 15 recém-nascidos durante a primeira mamada, enquanto outros 16 receberam um placebo. 

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Análises iniciais mostraram uma diversidade microbiana semelhante em ambos os grupos ao nascer, mas revelaram que diferenças significativas começaram a surgir no segundo dia e persistiram por seis meses até a introdução de alimentos sólidos. Mesmo assim, o acompanhamento dessas crianças deve durar pelo menos dois anos até que uma conclusão seja finalmente divulgada. 

Este estudo em andamento se baseia em uma pesquisa piloto anterior, que sugeriu que transplantes fecais poderiam ajudar os bebês de cesárea a obter uma microbiota similar à de bebês nascidos pela vagina. 

No entanto, a pesquisa atual não comparou diretamente os microbiomas de bebês de cesárea que passaram pelo tratamento com aqueles que vieram ao mundo por parto natural, o que é necessário para validar completamente a eficácia da técnica.

O tratamento é seguro para os bebês?

Alguns médicos têm suas dúvidas. Apesar de nenhum problema de saúde ter sido exibido pelas crianças envolvidas, Steven Salzberg, engenheiro biomédico da Escola de Medicina Johns Hopkins em Baltimore, nos EUA, disse ao jornal britânico iNews , que o estudo era um exemplo das pesquisas exageradas que andam rolando na área de microbiomas. 

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Para a revista Nature, Yan Shao, microbiologista do Instituto Wellcome Sanger disse que não havia uma boa justificativa clínica para o estudo: “se essas espécies existirem em todas as populações humanas, não seria mais eficaz e seguro dar aos recém-nascidos um transplante [de bactérias] feito em laboratório?” Escolher as espécies evitaria, é claro, o risco do contato com bactérias desconhecidas nas fezes da mãe.

Isso não é uma receita

Não adianta nem entrar no site da Panelinha buscando essa sobremesa, porque ela não deve, de forma alguma, ser feita em casa (aliás, nem em lugar nenhum, já que se tratam de estudos, não práticas já regulamentadas).

Helve explica que por mais que pareça “simples”, não é só sair colocando cocô no leite, não. “Você tem que ter certeza de que a matéria fecal que você dá ao recém-nascido não inclui patógenos que possam causar uma doença”, diz Helve à Nature, revista onde o estudo foi publicado

54 das 90  mulheres inicialmente envolvidas na pesquisa, por exemplo, foram excluídas do teste por causa da presença de organismos patogênicos.  

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Helve alerta que a abordagem pode não ser adequada para todos os bebês nascidos por cesárea, e observa que, em um grupo grande, é possível identificar que algumas doenças, como asma, são mais comuns em cesarianas. 

“Mas, em nível individual, as diferenças são muito pequenas”, escreve à Nature. Por isso, sua equipe está investigando se grupos com alto risco de desenvolver certas doenças seriam os que mais se beneficiariam do tratamento.  De qualquer maneira, os milkshakes ainda estão longe de serem oferecidos nos McDonald’s de maternidades. 

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