Humanos podem ter chegado à América muito antes do que se pensava
Indícios da presença de hominídeos no atual território dos EUA 100 mil anos antes da data que é consenso na ciência podem mudar a história da civilização
Os primeiros seres humanos da América podem ter chegado aqui há 130 mil anos. E não, esse não é um erro de digitação. Um artigo científico publicado ontem na Nature questiona a versão mais aceita para a chegada de nossa espécie ao Novo Mundo – a de que uma migração teria cruzado o estreito de Bering, entre Rússia e Alasca, há 20 mil anos – e apresenta indícios arqueológicos da presença de hominídeos por aqui muito antes da data que hoje é consenso.
A conclusão ousada se baseia em fragmentos de rocha e ossos de um mastodonte – um primo pré-histórico do elefante extinto há 10 mil anos – encontrados por acidente em 1992, durante obras de manutenção em uma rua no subúrbio de San Diego, nos EUA. Na época, as autoridades chamaram Tom Deméré, paleontólogo do museu de história natural da cidade, para avaliar a descoberta.
Os ossos foram retirados de uma fenda que foi aberta por um pequeno córrego no passado. Mas os fragmentos de rocha que foram encontrados com eles eram pesados demais para terem sido levados para perto da ossada do animal só pela força da água corrente. “Nós pensamos em algumas explicações possíveis para essa situação, mas sempre voltávamos a uma teoria que envolvia humanos”, afirmou Deméré à Nature. Em outras palavras, parecia provável que as rochas tivessem sido usadas por hominídeos como ferramentas para manipular o esqueleto.
Tentativas de atribuir uma idade ao marfim das presas do mastodonte, ainda na década de 1990, deram 300 mil anos ao mamífero. Mas o método de datação aplicado pela equipe do pesquisador era impreciso, e a data não batia nem com as expectativas mais otimistas sobre a presença humana nas Américas. A investigação foi abandonada, e os fósseis foram para a gaveta.
Em 2008, mais de 15 anos depois, Kathleen Holen e seu marido Steven Holen, um casal de arqueólogos que já havia publicado pesquisas polêmicas sobre a origem dos primeiros hominídeos americanos, bateu na porta de Deméré e pediu para dar uma olhada no material arquivado. Ele topou retomar a pesquisa.
O primeiro passo foi usar uma técnica mais moderna para revisar a idade do esqueleto do animal. Uma análise dos níveis de tório e urânio – metais radioativos que servem como uma espécie de “calendário” químico – deu 130 mil aniversários ao mastodonte.
Depois, foram analisadas as “cicatrizes” nas rochas e no animal – e os indícios se provaram típicos de assentamentos humanos. Os ossos teriam sido posicionados em uma pedra maior, que teria a função de bigorna, e então golpeados com uma pedra menor, que fazia as vezes de martelo. A intenção provavelmente não era cortar a carne do gigante para consumi-la, mas sim produzir ferramentas com seu esqueleto. Simulações de laboratório com ossos de elefantes contemporâneos geraram resultados muito parecidos.
“Eu sei que nossos colegas serão céticos, é de se esperar”, afirmou Steven Holen. “Esse material é muito, muito anterior a data em que a maior parte dos arqueólogos espera encontrar hominídeos nas Américas. Eu digo isso até para mim mesmo.”
“Antes de atribuir esses resultados a seres humanos, os pesquisadores precisam eliminar a possibilidade de que forças naturais quebraram essas pedras e ossos”, afirmou David Meltzer, pesquisador de uma universidade do Texas que não participou do estudo. “Se você quer mudar 100 mil anos de história em uma tacada só, você precisa de um argumento arqueológico bem melhor do que esse.”
Outros pesquisadores entrevistados pela revista norte-americana acharam a análise dos indícios mais convincente do que Meltzer, mas não encontram uma forma de encaixá-la na história humana. Se algum hominídeo de fato esteve no atual território dos EUA em uma época tão remota, é pouco provável que ele fosse da linhagem que daria origem aos seres humanos atuais – os candidatos mais razoáveis são Neandertais ou homens de Denisova, que habitaram o sul da Sibéria há cerca de 100 mil anos. Mesmo assim, não há provas de que eles teriam as habilidades ou tecnologia necessárias para atravessar o Oceano Pacífico a partir da Ásia, ainda que no ponto mais estreito.
Para entender melhor a teoria predominante sobre a chega de seres humanos à América – e conhecer outros pesquisadores que nadam contra a corrente – vale dar uma olhada nesta matéria da SUPER.