Exploração de petróleo na Foz do Amazonas é bomba para biodiversidade, alertam cientistas
Em texto publicado na Nature, pesquisadores brasileiros mostram a sobreposição entre os blocos de exploração e regiões de conservação.

Em junho de 2025, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) abriu 47 novas áreas para exploração e produção de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, área do extremo noroeste do país em que o rio Amazonas deságua no oceano Atlântico. Alguns blocos já foram ofertados como concessão para empresas como Petrobras, ExxonMobil e Chevron.
Porém, antes de explorar petróleo na área, os projetos de perfuração precisam ser aprovados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O bloco FZA-M-59, que vai ser explorado pela Petrobras, já está com processo de licenciamento ambiental avançado, depois de muita pressão política para aprovação.
Agora, cientistas brasileiros se uniram para publicar um artigo na Nature Ecology & Evolution que chama atenção para os possíveis riscos ambientais de explorar as reservas de hidrocarbonetos da região. Muitos blocos de petróleo estão próximos ou sobrepostos a áreas prioritárias para biodiversidade, zonas de conservação, restauração e uso sustentável definidas pelo ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
De 56 blocos de exploração na costa, 30 se sobrepõem diretamente com áreas de prioridade para biodiversidade – sendo que 13 deles têm mais de 80% de sobreposição. Os blocos que não se encontram diretamente com regiões de conservação estão, em média, a somente 21,3 km de distância dessas zonas de proteção. O controverso “bloco 59” da Petrobras, por exemplo, está a 37,4 km de distância de uma dessas áreas prioritárias.
A Super conversou com uma das autoras do artigo, a especialista em energia Julia Paletta, pesquisadora da UFRJ, para entender melhor os perigos ambientais que esse projeto de exploração pode trazer para a região.
Um dos argumentos a favor da perfuração é de que os blocos estão distantes da terra firme, e por isso não teriam tantos impactos ambientais. Mas, segundo Paletta, “não é só a distância da foz do Rio Amazonas que importa”. De acordo com a especialista, o argumento ignora métricas como as áreas de extrema importância para a conservação da biodiversidade definidas pelo ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Para tomar uma decisão técnica sobre os blocos da ANP, é preciso levar em conta os impactos ambientais diretos e indiretos, que podem ameaçar o equilíbrio dos ecossistemas da Amazônia. Os cientistas chamaram a exploração petrolífera na região de “bomba de biodiversidade em formação”.
Impactos diretos e indiretos
“Um projeto de petróleo tem um ciclo de vida superlongo”, diz Paletta. Só depois que as operadoras petroleiras começam as perfurações é possível descobrir se o bloco tem petróleo e gás e se há viabilidade comercial para explorá-los. Por enquanto, não dá para ter certeza se existe petróleo na Foz do Amazonas. O que se sabe até agora são probabilidades baseadas em estudos sísmicos e no sucesso dos vizinhos Guiana e Suriname, que encontraram petróleo e passaram a produzi-lo comercialmente.
Depois de descobrir se há viabilidade comercial, começam fases de desenvolvimento e produção dos hidrocarbonetos. Isso envolve um esforço logístico intenso que pode impactar diretamente as áreas prioritárias de diversidade.
Alguns potenciais impactos na biodiversidade podem acontecer por causa de vazamentos de petróleo, tráfego intenso de navios e pessoas na região, gasodutos ou navios aliviadores de óleo para transporte. Além disso, a indústria também precisa de uma infraestrutura significativa para escoar, tratar e transportar o petróleo.
Os mapas de áreas prioritárias para biodiversidade são indicadores validados pelo próprio governo, e por isso foram escolhidos pelos pesquisadores para apontar os possíveis efeitos ambientais negativos da exploração de petróleo na região. No mapa abaixo, produzido pelos pesquisadores, dá para entender como as áreas marítimas de conservação ficam próximas ou no mesmo lugar de alguns dos blocos ofertados pela ANP.

Além dos impactos diretos nas áreas de prioridade, os cientistas chamam atenção para possíveis riscos indiretos. A atividade extrativista atrai muita mão de obra para a região. Num contexto de governança frágil, há risco de desmatamento, construção de estradas e transformação do uso do solo, num processo de urbanização da área de floresta.
“A gente está tratando da exploração de petróleo no ecossistema amazônico, que é uma das últimas fronteiras de preservação do mundo”, diz Paletta. “Justamente num ano de COP [conferência do clima que o Brasil vai sediar em novembro] a gente vai explorar petróleo nessa região? É um pouco incongruente”.
Os cientistas defendem que avaliações ambientais estratégicas deveriam guiar as decisões dos órgãos competentes sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. “É um instrumento multidisciplinar que leva em conta uma série de outros fatores além do impacto direto”, que mistura consulta pública com expertise técnica.
Esse tipo de avaliação ainda não aconteceu na Bacia da Foz do Amazonas – uma omissão que, de acordo com os cientistas na Nature, “prejudica a integridade regulatória e lança dúvidas sobre os compromissos climáticos globais do Brasil”.
Essa situação só piora com a aprovação na Câmara da Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Ela é conhecida como “PL da Devastação”, pois flexibiliza as regras de licenciamento ambiental e permite que grandes projetos de infraestrutura sejam aprovados por critérios estratégicos de interesse nacional. “Isso politiza muito as decisões e deixa o debate menos técnico”, argumenta Paletta.
Transição energética para combater as mudanças climáticas não significa parar de usar combustíveis fósseis do dia para a noite. Porém, num mundo que precisa que as nações diminuam sua dependência dessas fontes de energia, é preciso levar mais critérios em conta para a aprovação de novos blocos de exploração do que só ‘provavelmente tem petróleo ali’.
“É uma discussão importante de ser feita, sobre para onde a gente vai direcionar esse esforço”, diz Paletta. “Do nosso ponto de vista, ali [na Foz do Amazonas] realmente é uma fronteira que a gente tem muito a perder.”