Entenda por que cientistas criaram mochilas para tartarugas recém-nascidas
Novo método permite entender a movimentação dos animais nos dias que permanecem debaixo da areia, após a eclosão dos ovos
Na época reprodutiva, as tartarugas marinhas enterram seus ovos em ninhos com 30 a 80 centímetros de profundidade na areia da praia. Os filhotinhos eventualmente surgem à superfície e andam até o mar, em um trajeto igualmente fofo e ameaçado pelas mudanças ambientais provocadas pelos humanos.
Agora, uma pesquisa revela o que acontece nos dias entre a eclosão dos ovos e a chegada na superfície. Os resultados devem ajudar nas estratégias de conservação das populações selvagens de tartarugas marinhas, que estão em declínio em todo o mundo.
Já faz algumas décadas que os cientistas descobriram que os filhotes de tartarugas passam entre três e sete dias debaixo da areia após a eclosão dos seus ovos. Muitas tentativas já haviam sido feitas para observar essa movimentação, como o uso de um vidro na areia ou a instalação de microfones no solo.
“Não se pensa em quanto trabalho é necessário para que esses minúsculos filhotes nadem pela areia no escuro, quase sem oxigênio”, diz, em comunicado, Lisa Schwanz, uma das autoras do artigo. “Isso acontece bem debaixo dos pés de todos nós, mas não temos a tecnologia para realmente entender o que está acontecendo durante esse período.”
Agora, com um método totalmente diferente, cientistas australianos chegaram a descobertas inéditas. Eles utilizaram um equipamento no solo que mede a corrente elétrica e consegue detectar flutuações características do momento de eclosão dos ovos. Então, cavaram o ninho e retiraram o filhote que estivesse mais próximo da superfície, e vestiram-no com uma mochila especial. Ele é, então, enterrado novamente na mesma posição que foi encontrado.
A mochila é um acelerômetro, um dispositivo capaz de medir mudanças de velocidade ou direção. “O princípio simples do tipo de acelerômetro que usamos é que ele mede a aceleração de três ângulos diferentes”, diz, no mesmo comunicado, Davey Dor, principal autor da pesquisa, que foi parte do seu doutorado. “Assim, ele pode medir uma mudança na velocidade em um movimento para frente e para trás, um movimento para cima e para baixo e um movimento de um lado para o outro.”
Essa pesquisa foi realizada na Ilha Heron, ao leste da Austrália continental. O local é uma base de monitoramento de longo prazo de ninhos de tartarugas verdes no sul da Grande Barreira de Corais, onde a temporada de ninhos geralmente vai de dezembro a março. Os resultados foram publicados na semana passada na revista Proocedings of the Royal Society B.
“Analisamos os dados e descobrimos que os filhotes mostram uma orientação surpreendentemente consistente da cabeça para cima, apesar de estarem totalmente no escuro, cercados por areia”, diz Dor. “Descobrimos que seus períodos de movimento e descanso são geralmente bastante curtos, que eles se movem como se estivessem nadando em vez de cavando e que, à medida que se aproximam da superfície da areia, restringem seus movimentos à noite”, diz Dor.
As descobertas parecem apontar meros detalhes, mas carregam informações valiosas para a elaboração de estratégias de preservação desses animais. Isso porque, em todo o mundo, iniciativas de conservação intervém nos ninhos, realizando a realocação dos ovos para locais mais seguros, sombreados e irrigados.
Essa medida é essencial diante das ameaças impostas pela mudança climática e pela elevação do nível do mar. Entretanto, há preocupações sobre o impacto que essa mudança pode ter nas condições do ninho, como umidade e temperatura, fatores que influenciam o desempenho dos filhotes, afetando sua capacidade de locomoção e sobrevivência.
E como é sempre muito difícil estudar e entender os fenômenos que acontecem nos primeiros dias de vida dos filhotes, a nova metodologia de pesquisa com o acelerômetro pode preencher lacunas importantes.
Embora saibamos que, na corrida pela areia até a água, os filhotes correm grande risco de predadores, “também é verdade que alguns filhotes nem chegam a esse ponto”, diz Schwanz. “Temos muito pouco conhecimento sobre o que faz com que um filhote consiga emergir e outro não, por isso é muito importante descobrirmos o que pode contribuir para isso.”