Entenda em 6 minutos: O que é a consciência?
O que estudos de imagem do cérebro revelaram sobre a consciência nas últimas duas décadas – e quais mistérios da mente ainda escapam às garras da ciência.
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Durante milhares de anos, a mente humana não passou de objeto de especulação. Insondável, oculta sob a espessa caixa craniana que abriga o cérebro, ela nos intrigava a ponto de nos perguntarmos se era dali mesmo que emergia a consciência.
Então vieram os anos 1990, a chamada “década do cérebro”. Graças a tecnologias avançadas de imagem, os cientistas começaram a ver nossa cachola em pleno funcionamento, durante experimentos cuidadosamente controlados.
Depois de tantos milênios de chutômetro, a revolução proporcionada por técnicas com nomes complicados, como as tomografias por emissão de pósitrons e principalmente as imagens de ressonância magnética funcionais (fmRI), pareciam colocar a mente humana finalmente ao alcance dos cientistas.
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Nas famosas fMRI, um ímã alinha os átomos de hidrogênio do corpo. Aí a máquina emite um pulso de rádio, e os átomos alinhados reagem num processo chamado de ressonância magnética. Com isso, emitem um sinal que é captado pela máquina. E tudo isso vira uma imagem que permite enxergar não a atividade dos neurônios em si, mas o nível de oxigenação sanguínea das diversas partes do cérebro.
Os cientistas estão bem confiantes de que há uma correlação entre o nível de oxigenação e a quantidade de atividade em uma dada região cerebral, de forma que um dos dados serve de referência para que se estime o outro.
Assim, é possível ver que áreas do cérebro se ativam no chamado córtex visual quando somos estimulados por alguma imagem. Um estudo revolucionário feito por pesquisadores japoneses em 2008 chegou a demonstrar que os sonhos também acontecem no córtex visual. Ou seja, em termos de processamento, as imagens mentais geradas no cérebro não são muito diferentes das reais.
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Em 2013, o mesmo grupo de cientistas mostrou que a ressonância magnética funcional permitia determinar, com 80% de precisão, se os sonhos dos voluntários tinham alguns temas básicos, como “carro”, “homem” e “mulher”.
Para a visão real, os avanços foram ainda mais incríveis. Em 2011, pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley conseguiram reconstruir imagens coloridas obtidas a partir da visão de voluntários.
Os videoclipes gerados não são uma perfeição, mas permitem ver vultos aproximados das imagens originais a que as pessoas foram expostas, enquanto estavam na máquina de ressonância. Eles esperam que, num futuro não muito distante, seja possível gravar sonhos para revê-los na televisão.
Com experimentos desse tipo, muitas das coisas que cumprem um papel fundamental no que chamamos de consciência já puderam ter seus mecanismos básicos esmiuçados. Sabemos muito sobre a diferença entre memórias de curta duração (como guardar na cabeça um número de telefone por alguns minutos) e memórias que duram a vida inteira; entendemos como o cérebro mapeia cada parte do corpo, e como isso pode levar à sensação de “membros fantasmas” quando alguém sofre uma amputação.
Conhecemos também a considerável especialização das áreas cerebrais para cumprir as mais variadas funções e, ao mesmo tempo, a importância das conexões entre essas áreas para realizar tarefas complicadas de cognição.
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Essa montanha crescente de dados ajuda a elaborar algumas hipóteses preliminares do que seria a consciência. Para alguns pesquisadores, ela é simplesmente uma forma evolutiva sofisticada de “concentrar atenção”, ou seja, direcionar o foco em tarefas importantes para a sobrevivência.
Para outros, ela pode ser apenas uma extensão da “teoria da mente”, a ideia de que é importante, num contexto social e de sobrevivência, ser capaz de imaginar o que os outros devem estar pensando. Ao surgirem os mecanismos cerebrais capazes de fazer isso, de lambuja ganhamos a capacidade de “autoanalisar” nossos processos de pensamento.
Há quem defenda que a consciência é só um mecanismo de confabulação, ou seja, ajuda a justificarmos com racionalidade decisões e ações que são na verdade decididas de forma inconsciente pelo cérebro (da mesma maneira que crianças tendem a inventar histórias quando perguntadas sobre algo que desconhecem).
Por fim, há o raciocínio simplista de imaginar que, quando se atinge uma rede de neurônios suficientemente grande e complexa, ela por algum motivo desenvolve consciência naturalmente.
Ninguém sabe qual dessas explicações é a correta, e uma boa aposta seria imaginar que o processo evolutivo da consciência mistura um pouco de cada uma das receitas. É claro, existe uma esperança de que, com experimentos inteligentes e técnicas de imageamento cerebral, possamos estar a apenas um passo ou dois de saber a resposta.
Só que não.
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ONDE MORA A CONFUSÃO
O cérebro humano responde por 2% da massa do indivíduo e, ainda assim, é responsável por 20% do consumo de energia total do corpo. É pequeno e custoso.
A razão evolutiva pela qual vale a pena investir num bagulho desses é que ele resolve muitos problemas e cuida de muitas tarefas. Modula respostas hormonais, controla movimentos involuntários, como os do sistema cardiovascular, respiratório e digestório, e ainda serve como o coordenador e integrador de todas as informações fornecidas pelos sentidos.
De todas as funções que ele tem, a consciência é uma parte relativamente pequena e aparentemente muito difusa. Você tem a área do cérebro responsável pela visão, a que cuida do olfato, a que cuida da coordenação motora das mãos, mas você não tem o “departamento da consciência”. Ela parece emanar de um conjunto de atividades paralelas que o cérebro faz e, por isso, não é simples “observá-la” em ação.
Apesar disso, às vezes os neurocientistas acabam se entusiasmando tanto que começam a imaginar ter compreendido coisas que estão longe de ser resolvidas. “A despeito de inferências bem informadas, o maior desafio do imageamento é que é muito difícil os cientistas olharem para um ponto ativo em uma imagem cerebral e concluírem com certeza o que está acontecendo na mente da pessoa”, dizem a psiquiatra Sally Satel e o psicólogo Scott O. Lilienfeld.
Eles são autores de Brainwashed: The Seductive Appeal of Mindless Neuroscience (“Lavagem cerebral: O apelo sedutor da neurociência irrefletida”). No livro, os autores tentam colocar os pingos nos is no que diz respeito aos lampejos que os neurocientistas estão – ou meramente acham que estão – produzindo sobre o real funcionamento da mente.
Um exemplo eloquente de como imageamento cerebral pode não refletir acuradamente o que se passa em nossa cabeça apareceu em 2008, quando um grupo de neurocientistas da empresa FKF Applied Research, de Washington, tentou enxergar o “posicionamento político” no cérebro de voluntários indecisos sobre sua preferência na eleição americana.
Eles foram colocados em máquinas de ressonância magnética e expostos a imagens de diversos pré-candidatos democratas e republicanos. Segundo suas conclusões, publicadas em artigo no jornal The New York Times, os dois candidatos mais impopulares eram John McCain e Barack Obama, ambos mais tarde indicados como candidatos preferenciais de Republicanos e Democratas nas eleições. Obama se sagrou presidente e foi muito popular ao longo de seus dois mandatos.
“O domínio neurobiológico é do cérebros e das causas físicas. O domínio psicológico, o domínio da mente, é das pessoas e seus motivos. Ambos são essenciais para um entendimento completo de por que agimos como agimos e para aliviarmos o sofrimento humano. O cérebro e a mente são diferentes arcabouços para explicar a experiência [humana]”, escreveram Satel e Lilienfeld.
O comportamento crítico da dupla não é tão surpreendente se pensarmos que se trata de uma psiquiatra e um psicólogo. Mas será que, entre os neurologistas, mais acostumado aos fatos nus e crus da fisiologia cerebral, essa opinião também predomina?
Se esse neurologista for o americano Robert Burton, a resposta é sim. Para ele, há uma desconexão entre o que é uma imagem de atividade cerebral e o que é experiência interna daquela atividade, algo que só quem está em contato com sua própria consciência pode realmente saber. “Olhar para as mais detalhadas imagens do cérebro não capturará o que sentimos quando experimentamos amor ou desespero, tanto quanto examinar os pixels individuais numa pintura não lhe dará um senso geral do quadro”, diz.
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TOSTINES MENTAL
Para ele, um dos desafios da neurociência é que, para correlacionar um tipo de pensamento a um padrão de atividade cerebral, é preciso que o voluntário relate o que está pensando. Aí fica fácil dizer que “visualizaram” um pensamento específico no cérebro.
Mas isso é quase uma tautologia. O voluntário já sabia o que estava sentindo, e não precisava de uma imagem cerebral para provar! Por outro lado, sem a informação de quem está “do lado de dentro”, o padrão de atividade em si não permite ir além de inferências gerais.
Em seu livro A Skeptic’s Guide to the Mind: What Neuroscience Can and Cannot Tell Us About Ourselves (“Um guia cético para a mente: o que a neurociência pode e não pode nos dizer sobre nós mesmos”), Burton sugere que acreditar demais no poder da neurociência pode ser problemático.
Com ampla experiência médica, ele lembra os casos em que a pessoa fica em coma profundo, ou em estado vegetativo, por vários anos. Alguns neurocientistas têm investigado o nível de atividade cerebral nesses pacientes e sugerido, a partir disso, que eles ainda estão conscientes, apesar de incomunicáveis. Burton defende que essa é uma conclusão precipitada, sem base em ciência sólida, e que pode levar ao sofrimento muitos parentes que optaram por desligar o suporte de vida a esses pacientes.
Indo mais longe, o neurocientista acredita que há uma falha essencial que impedirá os humanos de compreender sua própria mente em termos objetivos. “Acho que todos nós – neurocientistas, cientistas cognitivos, psicólogos, filósofos e leigos – deveríamos estar cientes do paradoxo essencial que leva a todas as investigações da mente”, afirma.
“Ela existe em duas dimensões diferentes – como experiência sentida e como conceito abstrato. A perda inevitável é que uma constelação de sensações mentais involuntárias tem um papel crítico em como pensamos que uma mente ‘é’ e ‘faz’. É a condição humana experimentar uma mente gerada de forma largamente involuntária, que acredita fortemente que pode explicar a si mesma de maneira racional. Esse paradoxo é inevitável e não contornável com ciência melhor ou novas tecnologias.”