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Em busca da pele artificial perfeita

Uma pele que simule perfeitamente a humana pode abrir caminho para o fim de testes em animais, de doenças dermatológicas - e até do envelhecimento.

Por Ana Carolina Leonardi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 Maio 2017, 15h46 - Publicado em 26 Maio 2017, 20h07

A pele é o maior órgão do corpo humano – e também o mais imitado. De fabricantes de telas de celular a cosméticos, todo mundo quer saber os segredos de um tecido que é flexível, resistente e se regenera sozinho por anos a fio.

A criação de uma pele artificial que simula perfeitamente a humana é um campo de muito potencial. Poderia simbolizar o fim do uso de animais para testes de segurança de cosméticos, a cura (ou, ao menos, uma compreensão mais profunda) de uma série de doenças dermatológicas e, finalmente, trazer uma clareza maior sobre os misteriosos fenômenos que causam o envelhecimento do corpo.

Isso não só porque a pele artificial perfeita seria um laboratório perfeito para esse tipo de experimento, mas porque próprio processo de construí-la já revelaria respostas sobre os mistérios que tornam a pele humana tão complexa.

Uma ideia com tamanho potencial, é claro, atrai não apenas os cientistas, mas também a indústria.

Em 1979, alguns pesquisadores da L’Oréal se mudaram para Lyon. Não por acaso: lá ficava um dos grandes hospitais para pessoas queimadas da França. O propósito inicial era descobrir os mecanismos que levam a pele a se regenerar. Aos poucos, foram criadas técnicas para reconstruir a pele. A partir de algumas células humanas doadas, os pesquisadores conseguiram cultivar tecidos inteiros. Eram simples, mas ajudavam a entender o funcionamento da pele humana.

“O propósito era ter uma ferramenta de pesquisa da biologia da pele – e, principalmente, do envelhecimento da pele. A velhice é algo que você precisa aguardar para começar a ver os resultados. Precisávamos de um modelo acelerado da velhice, uma pele em que pudéssemos induzir o envelhecimento para entendê-lo melhor. E, então, encontrar uma forma de prevení-lo”, explica Patricia Pineau, diretora de Pesquisa e Inovação da empresa na França.

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Com o avanço da ciência, a complexidade da pele aumentou: os queratinócitos, que formam 90% da pele humana, não eram só “clonados”, mas também se diferenciavam. Dando o estímulo correto às células, os cientistas reconstruíram as duas camadas da pele, epiderme e derme, em laboratório.

O processo se expandiu de tal forma que virou outra empresa, a Episkin. Em seus laboratórios, a pele reconstruída faz testes de eficácia e segurança para os produtos da L’Oreál, mas também comercializa kits de epiderme para pesquisadores e outras empresas.

A pele reconstruída responde à testes de irritação e corrosão, testando fórmulas em qualquer formato: pó, gel ou creme, por exemplo. Também responde à luz ultravioleta, apontando problemas de pigmentação. Ou seja, a pele bronzeia.

A L’Oréal garante que o método ajudou a substituir os testes com animais para todos os novos ingredientes dos seus produtos. E tem melhores condições de prever os efeitos em uma pele de verdade do que um experimento com ratos, por exemplo, porque usa células humanas.

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Mas as aplicações têm limite – e esse limite é a complexidade da pele. Os queratinócitos são 90% dela. Só que os outros 10% incluem folículos capilares, nervos e vasos sanguíneos, conectados a todo o organismo.

Criar todo esse conjunto em laboratório, com células diferentes capazes de interagir e funcionar como em um corpo normal é um desafio gigante. E por isso mesmo exige apoio e parcerias com os mais diversos especialistas.

O cabelo, sozinho, já tem uma estrutura extremamente complexa. Cada folículo capilar tem dentro de si uma série de células tronco e vive em um processo de degeneração e regeneração constantes – e por isso, seu cabelo tanto cai quanto cresce.

Introduzir vasos sanguíneos na pele artificial também é um desafio internacional. Técnicas de impressão 3D e manipulação de células-tronco têm sido tentadas ao redor do mundo – mas nenhum método consistente e reproduzível o suficiente apareceu, por enquanto.

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Mas um dos campos com maior avanço atualmente é a adição de células do sistema nervoso à pele artificial. E tem gente fazendo esse trabalho aqui mesmo, no Brasil.

Por aqui, os cientistas do Instituto D’Or, que abriga o banco nacional de células-tronco, desenvolveram técnicas para induzir células de pele adultas a voltar ao seu estado de células-tronco. Essas células “adaptáveis” eram reprogramadas para neurônios sensoriais periféricos, os responsáveis pela sensibilidade da sua pele.

No corpo humano, esses neurônios ficam muito próximos à junção entre a epiderme e a derme. Desde março, o IDOR e os pesquisadores da L’Oréal têm tentando unir os neurônios reprogramados e a pele reconstruída para ver se é possível reproduzir a enervação que ocorre na vida real.

“A pele demora de 17 a 21 dias para ficar pronta. O neurônio 44 dias, mas já começa a ficar funcional a partir do 33º dia. É preciso combinar o tempo de maturação do neurônio e o de diferenciação da epiderme”, explica Rodrigo De Vecchi, pesquisador da L’Oréal do Brasil e um dos coordenadores do programa.

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Tudo fica mais fácil porque, graças à parceria entre as instituições, os dois estudos ocorrem em salas vizinhas. “A pele é produzida dentro do próprio laboratório, basta abrir uma porta e juntar os projetos”, explica Vanja Dakic, que também coordena o projeto de pele.

Não basta, é claro, fazer que os dois tipos de célula funcionem juntos. Seus mecanismos precisam representar o que células de um sistema nervoso fariam. Mas os resultados, até agora, são positivos. “Conseguimos ter uma resposta funcional do neurônio. Se damos a ele uma substância que seria irritante, assim como a pimenta tem efeito irritante na língua, por exemplo, ele responde como esperado”, afirma Marilia Zaluar Passos, que coordena a parte neurosensorial do IDOR no projeto.

Ou seja: em um corpo real, esse neurônio iria dar um sinal para o cérebro de que há um agente irritante ali. E o seu cérebro produz a sensação ardida. O neurônio artificial não está conectado ao sistema nervoso, mas mesmo assim ele dá o sinal, produzindo um neurotransmissor chamado de Substância P.

“Tanto a pele quanto o neurônio têm reprodutibilidade interessante separados e respondem bem a estímulos. O desafio agora é fazer essa conexão”, conclui Stevens Rehen, co-coordenador, junto à professora Marília.

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A adição dos neurônios ao modelo aumenta sua complexidade, torna-o mais parecido com a pele de verdade e permite não só uma quantidade maior de testes quanto mais precisão em cada um deles. A capacidade de prever o efeito de uma substância na pele aumenta, junto com a possibilidade de medir a resposta inflamatória do corpo.

“Obviamente ainda é artificial, é um proxy do que seria um organismo. Mas a pele já é usada para fazer teste de sensibilidade. Será que com os neurônios eu vou tornar aquele tecido mais sensível, como ocorre com a pele real?”, pergunta a pesquisadora.

Para os testes de cosméticos, isso significa resultados mais seguros quanto à irritação, alergia e inflamação da pele. Mas o valor científico dos experimentos é muito maior: só o processo de junção dos projetos já pode oferecer informações preciosas sobre a formação do nosso sistema nervoso e a sua coordenação com outros órgão do corpo.

Da mesma forma, a pele artificial se torna uma estrutura cada vez mais completa para o estudo de mazelas humanas – dos mecanismos por trás das alergias e problemas de pigmentação da pele até a moléstia mais inescapável: a de ficar velho.

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