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E se um asteroide bater na Terra?

Depende. O certo é que, logo após o impacto, ninguém ia saber direito o que aconteceu. E ninguém estaria mais confuso do que os astronautas da Estação Espacial Internacional.

Por Amarílis Lage
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 7 jan 2015, 22h00

Ilustração: Davi Augusto

 

O tempo deveria passar mais rápido ali, a 400 km da Terra. É isso o que a teoria da relatividade prevê. É isso o que o relógio de césio comprova. É isso o que ele sentia quando chegou à estação espacial, vendo o Sol nascer e se pôr a cada 90 minutos. Mas o que ele sente, agora, é que o tempo parou. Tem o olhar fixo na gota que flutua diante de seu rosto. E, a cada vez que fecha os olhos, revive aquele mesmo instante, em que a colisão ocorreu e um clarão dominou o horizonte. Quando abre os olhos, a gota ainda está ali – uma pequena esfera feita de lágrimas.

“Estou com tanta saudade, Tom.”

“Eu também, Dorothy. Mas, querida, agora é contagem regressiva. Se tudo der certo, em um mês estou de volta.”

Como poderiam saber que, em algum ponto entre Marte e Júpiter, no cinturão de asteroides, a história ganhava outro rumo? Como numa mesa de sinuca, uma rocha atingia outra, impondo uma nova rota. E uma delas vinha a 250 mil quilômetros por hora rumo à Terra.

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Qual o tamanho, qual a composição, qual a possibilidade de…? As respostas, cada vez mais duras, levavam a novas questões. E se soubessem o ponto exato do impacto? E se elaborassem um plano de evacuação? E se construíssem abrigos? Por fim, a pergunta de sempre: por quê? E veio o clarão. E o silêncio ensurdecedor no rádio.

À medida que a estação espacial se aproximava do local da colisão, menor era a visibilidade. Uma espessa nuvem de poeira, a cerca de 40 km de altitude, cobria a América do Norte e avançava sobre Atlântico e Pacífico. Era noite na Europa, e os três tripulantes da estação espacial não viram nem sinal das teias luminosas que marcavam a localização de Londres, Paris, Roma… Ao sobrevoarem a Ásia, a escuridão deu lugar a manchas iluminadas: incêndios que tomavam a Rússia e a China. Perto do Japão, contaram três vulcões expelindo lava – o traço comprido da fumaça indicava a força dos ventos. Chegando à Califórnia, perceberam que a massa flutuante de cinzas, nuvens e poeira cósmica começava a espiralar, formando furacões. Foi quando Tom chorou. Dorothy sempre estremecia ao ouvir um trovão, para rir em seguida, envergonhada.

Neil observou as lágrimas de Tom flutuarem pela cabine como pequenas pérolas. Lembrou-se do colar que a mãe usava para ir à missa. Na última vez em que se falaram, ela disse que não tinha medo do asteroide: acreditava em Deus. Já o pai se despedira com seu famoso humor negro: “Sua mãe sempre disse que sou egocêntrico. E ela tinha razão. Se tenho que morrer, vão todos comigo”. Era o fim mesmo? A cada volta ao redor do globo, as esperanças de Neil diminuíam. Como gostaria de ter a fé de sua mãe.

Yuri quebrou o silêncio, com sua voz estridente: “Precisamos pensar em um racionamento de água e comida”.

“Pelo amor de Deus, Yuri, racionamento?”, gritou Neil. “O mundo acabou!”

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“Tenho a sorte de não ter ninguém lá embaixo”, respondeu o russo. Parecia sincero.

“Não se comove pelos outros, pela humanidade?”

“Não acho que seja o fim da humanidade, Neil.”

“Um asteroide de 10 km de diâmetro acabou com os dinossauros. Este tem pelo menos 8!”

“Dinossauros não tinham remédios, ferramentas… Não sabiam filtrar água, cultivar plantas.”

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“Plantas? Yuri, essa poeira não deixará a luz do Sol atravessar. A agricultura será impossível por anos, talvez décadas. Sem falar nas dezenas de terremotos e maremotos que sucedem o impacto. Você viu os vulcões que entraram em erupção, viu os furacões.”

“Se acredita mesmo nisso, Neil, o que o mantém vivo? O desejo de passar o resto de seus dias nesta lata olhando para Tom e para mim? Claro que não. Você também está esperando que entrem em contato pelo rádio.”

“Eu vou voltar para a Terra”, disse Tom, interrompendo a discussão. Yuri e Neil se entreolharam assustados. “Prometi a Dorothy que voltaria para casa.”

“Tom, calma. Por que não descansa? Estamos nervosos, nenhum de nós sabe o que aconteceu.”

“Exatamente. Preciso ver o que aconteceu. Yuri está certo: qual o sentido de ficar aqui?”

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Neil usou todos os argumentos, mas Tom parecia não ouvir uma só palavra. Yuri reconhecia aquele olhar, aquela estranha calma de quem perdeu tudo. Despediu-se de Tom com um abraço apertado.

“Se vocês receberem algum sinal, se eles conseguirem entrar em contato com a estação, repassem meu recado para Dorothy”, pediu Tom. “Diga a minha esposa que eu a amo.”
“Ela sabe”, respondeu Yuri. E também fez um pedido: “Quando estiver na Terra, Tom, olhe para o céu e lembre-se de mim.”

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