E se… todos os carros do mundo fossem movidos a álcool?
Mas a implantação de um programa de álcool tão ambicioso precisaria ser impecável para enfrentar problemas também gigantes ¿ a começar pela área plantada com cana.
Bruno Vieira Feijó
Em tese, abastecer 100% dos automóveis da Terra com álcool poderia resolver dois problemas de uma vez: o impacto ambiental causado pelos combustíveis fósseis e a insegurança econômica decorrente do esgotamento das reservas de petróleo.
Mas a implantação de um programa de álcool tão ambicioso precisaria ser impecável para enfrentar problemas também gigantes – a começar pela área plantada com cana. O especialista em agronegócio Paulo Braz de Andrade fez as contas: para abastecer a atual frota, estimada em 800 milhões de automóveis, seriam necessários cerca de 2,5 trilhões de litros anuais de álcool produzidos em 400 milhões de hectares de canaviais. Isso equivale a quase metade da área total do Brasil ou cerca de um terço de toda a área cultivada do planeta – aí incluídas todas as lavouras de alimentos, fibras têxteis e plantas oleaginosas.
“Tecnicamente é viável”, diz o geólogo Doneivan Ferreira, especialista em recursos naturais. Ainda que isso signifique multiplicar por mais de 60 a atual extração de 40 bilhões de litros. No entanto, para não haver um colapso ambiental é preciso mudar a mentalidade e o estilo de vida da população. “Isso inclui desde o uso de pesticidas orgânicos e máquinas colhedeiras movidas a biodiesel (o óleo limpo extraído de vegetais) até a reutilização como adubo ou na eletricidade dos resíduos que sobram da plantação”, afirma Doneivan.
Também não adianta nada encher o tanque dos carros com um combustível mais limpo se, para produzi-lo, forem destruídas florestas e plantações de alimentos. Os especialistas defendem um horizonte mais realista, onde o etanol concorre com outros combustíveis alternativos, como o biodiesel e o gás natural
Ainda assim, eles não são suficientes para consertar o planeta de vez. Ainda que acabássemos com a emissão de gases do efeito estufa agora, os resultados desse milagre, como a redução do aquecimento global, só aflorariam séculos depois.
Dois cenários para o combustível verde
Se substituir o petróleo, o álcoolpode ser tanto a salvação da lavouraquanto um desastre ambiental
Tudo azul
O etanol é um combustível mais limpo: emite 25% menos monóxido de carbono e 35% menos óxido de nitrogênio que a gasolina. Resultado: metrópoles como Pequim, Los Angeles, Cidade do México e São Paulo seriam significativamente menos poluídas e ofereceriam melhor qualidade de vida a seus habitantes.
Baratinho, baratinho
Parece que não, mas cada cidadão “queima” todos os dias 7 litros de petróleo para se locomover. Sem esse uso, o óleo demoraria para acabar e a indústria se ocuparia exclusivamente dos outros infindáveis produtos derivados, como o gás de cozinha, tintas, medicamentos e até películas de cinema. Com a oferta abundante, os preços despencariam.
Poder verde-amarelo
Usineiros estimam que o Brasil tem condição de se tornar a Arábia Saudita do etanol, o maior produtor do combustível no planeta. As exportações nos colocariam entre as 5 nações mais ricas do mundo. Tudo isso, resultado da combinação de 3 características que só nós temos: clima tropical, vasto território fértil e tecnologia de ponta.
Fuligem, poluição…
Cada litro de álcool rende outros 13 de vinhoto, um ácido capaz de contaminar ecossistemas inteiros. Sem contar a queima do bagaço da cana. Ela promove uma verdadeira chuva de cinzas tóxicas. No Brasil, a produção de carnes, alimentos, madeira, algodão e celulose tende a se deslocar para o Norte, devastando áreas verdes como a Amazônia.
Guerra por alimentos
É enorme a chance de faltar comida. A expansão da cana no Brasil pressupõe a ocupação de novas áreas no Sudeste e Centro-Oeste, as mesmas que, hoje, produzem grãos, frutas e leite. Os EUA , para não importarem combustível, teriam de acabar com toda a sua produção de alimentos e dar espaço ao milho para a extração de álcool.
Mega-Haiti
Estudos demonstram que plantações de cana são viáveis apenas para grandes produtores, que lucram por quantidade. O setor sucroalcooleiro empobrece as cidades onde se instala. A desigualdade social pode nos transformar num mega-Haiti, quadruplicando a renda de usineiros em 30 anos e minguando a do trabalhador.