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Como um tsunami de 1964 pode ter ajudado a espalhar um fungo mortal

Em estudo, cientistas explicam como parasita colonizou a costa oeste dos Estados Unidos – décadas antes de fazer sua primeira vítima.

Por Guilherme Eler
2 out 2019, 18h17

Há 20 anos, um tipo raro de infecção fazia suas primeiras vítimas na costa oeste dos Estados Unidos. A origem do parasita causador da doença, que fazia surgir nos pacientes sintomas semelhantes aos da pneumonia, era um mistério. Não se sabia ao certo como o Cryptococcus gattii, fungo característico de regiões mais quentes – como Austrália, Papua Nova Guiné e América do Sul (mais precisamente o Brasil) – passou a contaminar humanos na divisa do território americano com o Canadá, gelada por natureza.

A história da chegada do fungo à região passou décadas sem um porquê. Mas isso mudou recentemente, graças a um estudo assinado por dois pesquisadores americanos. De acordo com uma pesquisa da dupla, publicada na revista científica mBio na última terça-feira (1), o tal fungo pode ter se espalhado pelo noroeste dos EUA graças a uma combinação improvável – que envolve a abertura do canal do Panamá e a ação de um tsunami que atingiu o país 35 anos antes do primeiro caso da doença. Ficou confuso? Calma, a gente explica.

Com a abertura do Canal do Panamá, que em 1914 permitiu a passagem de navios e conectou as Américas, acredita-se que o Cryptococcus gattii tenha começado a viajar por águas da região, provavelmente no casco de navios. A tese de que o fungo teria desembarcado dessa forma no norte do continente bate com a análise genética de amostras locais. A partir do DNA de variedades do parasita encontradas na América do Norte, cientistas conseguiram estimar que ele teria vindo do Brasil entre 60 e 100 anos atrás.

Mas essa primeira parte explica apenas a porta de entrada do fungo nas Américas Central e do Norte. Mas como o C. gattii fez para cruzar os estados americanos e chegar até a outra ponta do território? É aí que entram as ondas gigantes – mais precisamente, um tsunami que varreu a costa americana em 1964.

O fenômeno foi resultado de um terremoto de magnitude 9.2 que abalou o estado do Alaska. Ondas gigantes do Pacífico Norte teriam inundado áreas costeiras na região da Columbia Britânica, no Canadá, e dos estados de Washington, Oregon e Califórnia, na divisa com o México.

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Por causa da ação das águas, o fungo acabou colonizando florestas da região oeste da costa americana. No novo habitat, o C. gattii evoluiu – e se tornou letal. De acordo com os pesquisadores, variedades do fungo teriam desenvolvido suas defesas como resposta à convivência com amebas que vivem no solo. E graças a essas novas defesas, a espécie aumentou sua capacidade de infectar pessoas e animais. Décadas depois, agora como uma variedade nociva a humanos, o fungo faria sua primeira vítima.

“Defendemos que o C. gattii pode ter perdido grande parte de sua capacidade de infectar seres humanos quando vivia na água do mar, mas quando chegou à terra, amebas e outros organismos do solo fizeram pressão seletiva no fungo [mataram os fungos menos adaptados] por três décadas ou mais. Até que surgiram novas variantes de C. gattii que eram mais patogênicas para animais e pessoas”, disse o co-autor do estudo Arturo Casadevall, em um comunicado.

Desde que o primeiro caso foi descoberto na região, em 1999, estima-se que cerca de 300 pessoas tenham sido contaminadas. A taxa de mortalidade do fungo é consideravelmente alta: pelo menos 13% dos pacientes infectados não resistem. O contágio se dá pelo ar e os esporos se instalam no pulmão da vítima.

Se confirmada, a teoria dos pesquisadores pode provar que a destruição causada por ondas gigantes não necessariamente termina quando a água baixa. E que outros tsunamis podem, no futuro, ter sua parcela de culpa no surgimento de potenciais novas doenças. “Se essa hipótese estiver correta, poderemos eventualmente ver surtos semelhantes de C. gattii, ou fungos do tipo, em áreas inundadas pelo tsunami na Indonésia, em 2004, e no tsunami no Japão em 2011″, diz Casadevall.

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