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Como fabricar uma estrela: fusão nuclear é promessa de alternativa energética

Como o homem poderá usar a energia do hidrogênio encontrado nos oceanos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 30 set 1995, 22h00

Flávio Dieguez

Se o homem quiser explorar a fonte de energia mais abundante e barata que existe no planeta, terá que aprender com as estrelas. Elas queimam átomos de hidrogênio por meio da fusão nuclear, liberando grande quantidade de calor. Como os oceanos, aqui na Terra, estão repletos de hidrogênio, o homem está tentando fundi-lo por meio de gigantescos reatores conhecidos como tokamaks. No futuro, cada país deverá ter uma estrela particular, na forma de um tokamak, capaz de resolver o seu problema energético.

Por Flávio Dieguez

Abingdon é uma minúscula cidade de 33 000 habitantes, situada no sul da Inglaterra. Circundada pelo Rio Tâmisa a cerca de 80 quilômetros de Londres, é conhecida principalmente por seus edifícios seculares, entre os quais uma abadia beneditina com mais de 1 300 anos e a igreja de São Nicolau, que começou a ser construída em 1180. Há cerca de dez anos, porém, Abingdon começou a se tornar famosa por uma construção bem diferente: o tokamak do laboratório de pesquisas JET (Joint European Torus), reator que é um dos maiores e mais impressionantes aparelhos científicos já montados pelo homem. Parecido por fora com uma caixa de aço e concreto, com 12 metros de altura, o tokamak, sigla em russo para câmara magnética toroidal — ou seja, em forma de um anel oco —, pesa 30 000 toneladas. Salvo raras exceções, nem o núcleo das estrelas produz tanto calor quanto o JET, como ficou conhecido o reator. A temperatura dele alcança quase 300 milhões de graus, vinte vezes mais do que a encontrada no centro do Sol. Sua missão: preparar o desenvolvimento tecnológico dos futuros reatores de fusão, uma forma de reação nuclear bem diferente da fissão, utilizada nas usinas atômicas atuais.

Em princípio, nenhum aparelho construído na Terra poderia reproduzir o mecanismo pelo qual as estrelas geram energia. É que ela vem de dentro dos átomos e, para tirá-la de lá, é preciso, primeiro, esmagá-los. A potência energética só é liberada quando os núcleos atômicos colam uns nos outros, num processo chamado fusão nuclear. E isto, até agora, só é possível no coração de uma estrela, onde se concentra o peso monumental das suas camadas externas. Para se ter uma idéia, o Sol é 1 milhão de vezes mais pesado que a Terra e 1 bilhão de vezes maior, em volume. Por uma simples questão de espaço, portanto, não é possível meramente copiar aqui na Terra o mecanismo estelar.

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Mas há uma saída: substituir a força do peso por algum outro tipo de força. No início da década de 50, os americanos resolveram o problema usando o poder de uma bomba atômica. A bomba A não utiliza a fusão, mas a fissão nuclear, que é o oposto: em vez de unir núcleos leves, como o hidrogênio, ela quebra núcleos pesados, como o urânio ou o plutônio. A fissão não exige grande investimento em termos de força, já que o próprio urânio, por ser radioativo, está o tempo todo emitindo partículas subatômicas, os nêutrons. Eles mesmos quebram núcleos dos átomos vizinhos, numa reação em cadeia que leva à explosão. A idéia dos americanos, então, foi colocar dentro da bomba A uma certa quantidade de hidrogênio, totalmente envolto pelo urânio. Assim, quando o urânio explodia, os núcleos de hidrogênio eram esmagados e se fundiam. Imediatamente, vinha outra detonação, muitíssimo mais poderosa do que a primeira. Foi desse modo que os americanos, e depois os russos, criaram a bomba de hidrogênio.

Desde o início, porém, estava claro que esse sistema não servia para se fazer um reator, onde a produção de energia não pode ser explosiva. Ao contrário, ela precisa ser cuidadosamente controlada. Com isso em mente, os russos conceberam o tokamak, uma máquina capaz de combinar a força de um conjunto de ímãs em torno de uma massa de núcleos de hidrogênio, para espremê-los até fundi-los. Embora os tokamaks tenham sido concebidos ainda na década de 50, a fusão ficou muito tempo parada.

Em 1945, foi criado o primeiro reator experimental de fissão, e vinte anos depois começaram a surgir as usinas comerciais. Hoje, todas as usinas funcionam à base da fissão. Em contrapartida, só em 1991 foram produzidas as primeiras gotas de energia de fusão. Esse marco histórico foi obtido pelo maior e mais importante tokamak em operação, o do laboratório de pesquisas JET, em Abingdon, Inglaterra. Era o fim do monopólio das estrelas sobre a energia de fusão controlada. A máquina do JET garantiu uma potência de 1,7 megawatt durante pelo menos 2 segundos. Isso pode parecer pouco. Mas, para uma experiência científica, é tempo de sobra: numa bomba de hidrogênio, todas as reações necessárias à explosão ocorrem em milionésimos de segundo. Além disso, o objetivo da experiência era justamente demonstrar que a fusão controlada de deutério era possível.

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Atualmente, há dezenas de tokamaks estudando esse processo no mundo inteiro e, em dezembro de 1994, o da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, confirmou o feito do JET, aumentando a potência para 6 megawatts. Mas o tokamak inglês é o mais importante porque, com sua ajuda, os cientistas do JET realizaram o mais completo estudo da fusão nuclear até agora. Em milhares de experiências minuciosas, eles apontaram as virtudes e os defeitos dos tokamaks como geradores de energia. Esse diagnóstico será de grande valor na etapa que começa agora, a do desenvolvimento completo da tecnologia.

De acordo com os cálculos mais recentes, o primeiro tokamak comercial deve começar a funcionar a pleno vapor somente daqui a vinte ou trinta anos. Não é tanto tempo quanto parece. Afinal, a tecnologia empregada nos reatores atuais, a da fissão nuclear, levou vinte anos para ser desenvolvida, numa época em que havia mais dinheiro disponível para a pesquisa. Seja como for, a espera certamente vale a pena, pois fundir é bem mais vantajoso do que fender. Antes de mais nada, a fissão usa como combustível o urânio, cujas reservas devem durar, na melhor das hipóteses, cinqüenta anos. Em contrapartida, o combustível da fusão é o deutério, uma variedade de hidrogênio encontrada em quantidade praticamente inesgotável nos oceanos.

Em segundo lugar, a fissão transforma urânio em um conjunto de substâncias terrivelmente radioativas. Já a fusão converte deutério em hélio, uma substância inofensiva. Embora as duas reações sejam radioativas, a fusão não cria o perigoso lixo atômico. Outra grande virtude: se qualquer coisa vai mal, ela pára imediatamente. É simplesmente impossível o reator sair de controle e provocar um acidente, como tem acontecido com diversas usinas de fissão.

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Esses trunfos pesam a favor da nova tecnologia nuclear, apesar dos desafios que ela apresenta aos cientistas e do alto custo estimado do seu desenvolvimento. Os países industrializados estão dispostos a fazer o investimento. “Queremos que ela deixe de ser um projeto puramente científico para se tornar um projeto de engenharia”, disse em meados deste ano a diretora do Departamento de Energia dos Estados Unidos, Martha Krebbs. Na Comunidade Européia, os novos reatores também são um item prioritário nos gastos de pesquisa para o período 1994-1998.

Parte dos fundos vai para o próprio JET, que deveria encerrar as atividades no final do ano que vem, mas está pedindo uma extensão do prazo por mais três anos. Em vista dos seus êxitos e da importância econômica do tema, o mais provável é que a proposta seja aceita. “Na minha opinião, as experiências vão continuar”, disse à SUPER o jornalista John Maddox, editor emérito da revista inglesa Nature e uma das mais respeitadas personalidades do mundo científico. “Estamos confiantes”, emenda o físico Martin Keilhacker, atual diretor do JET.

Mas a maior parte da verba européia está reservada para o sucessor do JET, um tokamak duas vezes maior: o Iter — sigla para Reator Termonuclear Experimental Internacional, em inglês. Deverá ser o último passo antes da construção dos futuros reatores comerciais. Ou seja, não vai ser apenas um modelo científico, mas também um protótipo comercial.

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Se tudo correr bem, o Iter será capaz de produzir energia por tempo ilimitado, sem interrupção das reações nucleares. Terá uma potência bem razoável, de 1 000 megawatts, mais ou menos metade da potência de uma usina hidrelétrica média. A nova máquina é um projeto internacional, como o JET. Mas enquanto este reúne apenas os países europeus ocidentais, o Iter também contará com a participação dos Estados Unidos, da Rússia e do Japão. Por isso mesmo, o seu desenho não dará origem a uma única máquina. A idéia é fazer quatro tokamaks iguais, a serem instalados e testados simultaneamente em várias partes do globo.

O mundo do futuro dificilmente terá apenas uma ou duas fontes energéticas principais, como acontece hoje com o petróleo e o carvão. Entre as várias alternativas possíveis, as mais espetaculares são os captadores gigantes de luz solar, instalados no espaço; os sistemas mecânicos para aproveitar a força das marés e dos ventos; e as tubulações capazes de extrair calor das profundezas da Terra. Mas, dentro desse eclético cardápio, a fusão nuclear vai ocupar o lugar de uma estrela de primeira grandeza.

Para saber mais:

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A promessa da fusão

(SUPER número 8, ano 3)

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