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Como a vida de Santos-Dumont pode inspirar a sua

"Aqueles que, como eu, foram pioneiros da conquista do ar, pensavam mais em criar novos meios de expansão pacífica que em fornecer novas armas de combate"

Por Salvador Nogueira
7 abr 2017, 19h23 • Atualizado em 9 abr 2017, 13h52
  • O brasileiro tido por essas bandas como o “pai da aviação” teve uma trajetória de vida tão rica que fica até difícil eleger um ou dois tópicos para destacar. Sua capacidade de enxergar o futuro – à moda de seu ídolo (e depois fã) Júlio Verne – transcendeu os limites da extrapolação de engenharia possível em sua própria época. O que quero dizer com isso? Ele conseguia ver o futuro da aviação antes mesmo que ela tivesse começado e seus limites tivessem sido estabelecidos. Ele teve a noção exata da importância dos dirigíveis e, mais tarde, dos aeroplanos, de forma a enxergar o mundo moderno de voos intercontinentais de passageiros e a transformação do mundo num lugar “pequeno”, acessível. E então se pôs a trabalhar para tornar sua visão uma realidade.

    Pense um pouco nas implicações que a aviação teve na humanidade, para o bem ou para o mal, nos últimos 100 anos: o transporte rápido de cartas e encomendas; a possibilidade de conhecer qualquer lugar do mundo; o perigo de epidemias que se espalham a incríveis velocidades e distâncias; as armas de guerra mais terríveis que o globo já conheceu. E essas são apenas algumas das implicações  do desenvolvimento da aviação. Não por acaso, depois de ver que todas  as suas previsões – inclusive as negativas – se confirmaram, Santos-Dumont começou a ter dúvidas sobre se teria valido a pena investir tanto na missão de dar asas à humanidade. E aqui chegamos ao cerne do que considero ser o traço mais valioso para a nossa vida no comportamento de Santos-Dumont: sua incrível sensibilidade.

    O inventor era conhecido por sua extrema generosidade. Jamais se apegou ao dinheiro. Quando conquistou o Prêmio Deutsch, após contornar a torre Eiffel com um dirigível, em 1901, determinou que metade da bolada fosse dividida entre seus mecânicos, e o restante, distribuído entre os pobres de Paris. É bem verdade que Santos-Dumont fora criado com seu espírito: seu pai era rico e transmitia-lhe a mensagem de que deveria aplicar seu esforço e sua dedicação onde realmente acreditava poder fazer a diferença, em vez de se preocupar em ganhar dinheiro. Como bem sabemos, nem todos os magnatas têm essa noção de qual é o valor de ter muito dinheiro – é justamente permitir que nos libertemos dos grilhões que ele costuma nos impor, quando, por necessidade ou ganância, vivemos  em razão dele.

    Santos-Dumont também tinha um profundo senso de ética profissional. Sabia que, a cada novo experimento, a cada voo, estava arriscando sua vida, e não concebia que outra pessoa se colocasse em perigo em lugar dele, em nome de uma invenção dele.

    Por fim, mas não menos importante, o inventor brasileiro sabia o papel que lhe cabia na construção do futuro da aviação. Mais do que criar algo novo, ele precisava consolidar a perspectiva que já tinha desde criança: “Homem voa!”.

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    Para popularizar a aviação, chegou a publicar seus desenhos para o avião Demoiselle na revista americana Popular Mechanics, em junho de 1910. O editor apresentava o material da seguinte maneira: “Esta máquina é melhor que qualquer outra que já tenha sido construída, para aqueles que desejam atingir resultados com o menor gasto possível e com um mínimo de experiência”, escreveu a publicação. O grande aviador francês Roland Garros aprendeu a voar num Demoiselle.

    Pouco antes da publicação nos Estados Unidos, Santos-Dumont teria declarado a um jornalista francês: “Se quer prestar-me um grande obséquio, declare, pelo seu jornal, que, desejoso de propagar a locomoção aérea, eu ponho à disposição do público as patentes de invenção do meu aeroplano. Toda a gente tem o direito de construí-lo e, para isso, pode vir pedir-me os planos. O aparelho não custa caro. Mesmo o motor, não chega a 5 mil francos.”

    Ao mesmo tempo, o aviador começava a usar seu invento como meio de locomoção, e não apenas como esporte. “O aeroplano é mais do que um aparelho esportivo, ele é um meio de locomoção futuro, é o instrumento ideal do turismo. Se ninguém provar isso, como se pode esperar que essa ideia entre no espírito do público?”

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    A atitude é um contraste severo com a dos irmãos Wright. Tudo bem, as diferenças sociais importavam: o brasileiro era rico, os americanos, não. Mas os Wright não tiveram pudores de patentear e processar cada aviador que, ao desenvolver sua própria máquina, realizasse o controle do veículo nos 3 eixos – como se fosse possível ou justo patentear um movimento, mais que uma técnica para atingi-lo. Não era um bom modo de propagar a aviação, e atrasou significativamente a evolução da área nos Estados Unidos – até a Primeira Guerra Mundial, que levou o governo americano, por medida de necessidade, a suspender a guerra de patentes.

    Santos-Dumont achava que estava ajudando a construir uma era de prosperidade para a humanidade ao tornar a aviação um elemento do dia a dia. A despeito dos usos bélicos dos aeroplanos, não há dúvida de que ele conseguiu seu intento.

    Mesmo assim, foi ficando cada vez mais angustiado. Contribuiu para isso sua “doença dos nervos”, o crescente esquecimento de seus feitos e de seu papel na história da aviação – salvo no Brasil, onde sempre foi reverenciado, e, em menor medida, na França, onde ocorreram suas grandes façanhas – e até mesmo uma acusação, durante a Primeira Guerra Mundial, de que ele seria um espião a serviço dos alemães. O que, francamente, não fazia o menor sentido. A mágoa foi se acumulando, combinou-se a uma depressão profunda e culminou com o suicídio, em 1932.

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    Isso também é uma lição importante. Quando criamos algo para o mundo, é inevitável que percamos o controle sobre nossa criação – e possível até que esqueçam nossa importância naquela história em particular. É frustrante, mas aceitar esse fato inevitável com certa leveza é fundamental. Sempre que nos envolvemos num projeto, o sentimento de paternidade é muito grande. Mas é preciso uma hora deixar o legado ganhar vida própria, sem o seu regente inicial. O desapego que Santos-Dumont tanto demonstrou com outras coisas materiais lhe faltou com relação à sua própria obra. Culpou-se pelas mazelas alheias. Lamentava pela morte de cada piloto e passageiro de avião como se a responsabilidade fosse dele, e sofreu por, pouco a pouco, ter sobrevivido à sua própria relevância. Não é fácil lidar com a obsolescência. Ainda mais com uma contribuição tão crucial –  e ao mesmo tempo tão perigosa – à humanidade. Ao final, Santos-Dumont foi uma vítima da própria sensibilidade apurada que ajudou a construir sua imensa obra.

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