CO2 é só o começo
Os holofotes de Copenhague estão na redução das emissões de carbono. Mas elas são só uma parte, e pequena, das causas do aquecimento global. Até o que você come está esquentando o planeta
Salvador Nogueira
Aquecimento global. Todo mundo fala nele. E sempre que o assunto começa ele descamba para um único tema: as emissões de dióxido de carbono. O problema é que o mundo só tem a perder com isso. Vamos explicar por quê.
A sigla CO2 já virou palavrão entre diplomatas do mundo todo. E muitos deles estão reunidos neste mês em Copenhague, na Dinamarca, para o COP-15, com o objetivo de conceber um novo acordo para o combate à mudança climática. A ideia é estabelecer novas metas de redução para o período pós-Kyoto (o protocolo para reduzir emissões que leva o nome da cidade japonesa só vai até 2012).
E o grande protagonista ali, como sempre, é o dióxido. Faz sentido, que fique claro. Quase tudo que a gente faz emite gás carbônico: de coisas difíceis de evitar, como respirar, a outras 100% inevitáveis, como andar de carro (pelo menos para a maior parte dos motoristas!). Também entra na conta a fonte de energia elétrica mais importante do planeta: as usinas a carvão, sem as quais o mundo pararia.
Mas tem um problema nessa história de deixar o C02 praticamentre sozinho no papel de vilão. Enquanto as autoridades discutem como reduzir as emissões de dióxido, a produção de outros gases-estufa ainda mais perigosos que ele só aumenta. E debaixo do nariz de todo mundo. É o caso do metano. Ele tem 25 vezes mais capacidade de aprisionar calor na atmosfera que o CO2. E o que você pode fazer para emitir metano a rodo? Simples. Comer um bife.
Antes de chegar à sua mesa, o bife era uma vaca. E o gado tem como uma de suas características mais marcantes uma alta taxa de arrotos e flatulência, ambos recheados de metano. Em suma, a vaca é um mal terrível para o aquecimento global, e você está encorajando as emissões bovinas ao consumir grandes quantidades de carne vermelha.
Não é exagero. Os ruminantes emitem uma vez e meia mais gases-estufa que todo o setor de transporte mundial. E isso se reflete na vida de cada um. O efeito de comprar um pacote de bife no supermercado anula a vantagem de, por exemplo, ter ido até lá num carro elétrico.
Imagine o dia em que não haverá mais nenhum carro a gasolina no mundo. Esse dia pode chegar em 2050? Até pode. As tecnologias de hoje dão conta de motivar uma revolução assim até lá. Mas quando 2050 chegar a população da Terra vai ser um terço maior (roçando a marca de 10 bilhões de habitantes). E, com a diminuição global da pobreza, será uma população ainda mais carnívora: o consumo de proteína animal deve dobrar até lá. A quantidade de bois, claro, vai aumentar no mesmo ritmo. E tome metano na atmosfera. Muito mais metano.
A questão do metano também atinge as fontes de energia. Hoje, a energia hidrelétrica, por exemplo, é tida como limpa. Afinal, ela não emite CO2 como uma termelétrica a carvão. Em compensação, todo o material orgânico em decomposição que existe imerso no reservatório da usina hidrelétrica, quando passa por uma queda-dágua para gerar eletricidade, borbulha metano para a atmosfera. Quanto metano? A ciência ainda não sabe.
Diante de tanta complexidade, e entrelaçados que estamos às nossas tecnologias, a pergunta mais incômoda é: será que há meio de resolver definitivamente o problema sem nos despirmos de todos os confortos da civilização, como os bifes e a eletricidade?
Todo mundo se mostra otimista em teoria e pessimista na prática. Embora o problema pareça ter solução, poucos países se mostraram dispostos a pagar o preço da mudança. E tem uma turma que acredita que, em vez de mudar o nosso modo de vida para pararmos de alterar o clima do planeta, deveríamos promover alterações ainda mais radicais na atmosfera planetária, para cancelar as mudanças anteriores.
É o conceito de geoengenharia, que hoje não é levado tão a sério, mas daqui a alguns anos, quando a vaca literalmente começar a ir para o brejo e a temperatura esquentar para valer, vai ter de ser considerado. A inspiração para ele, afinal, vem da própria natureza. Uma explosão vulcânica poderosa, por exemplo, injeta gases na estratosfera que promovem momentaneamente o esfriamento do planeta. Por que não recriar artificialmente esse fenômeno, criando um sistema de controle de temperatura global?
Há empresas e institutos trabalhando em ideias assim, e a surpresa é que a coisa não só seja factível como possa custar bem menos que transformar toda a matriz energética do planeta e trocar todos aqueles hambúrgueres por peixinhos. E o melhor (ou pior) de tudo: não é preciso um acordo internacional. Um país pode unilateralmente fazer o negócio, e o vento dará conta de espalhar o efeito pelo mundo inteiro. Nada de sentar e debater intrincados tratados, como está rolando em Copenhague.
Claro, tem gente que tem medo de manipular ainda mais o equilíbrio planetário. Será que já temos conhecimento suficiente para administrar nossa própria atmosfera? Pelo que a ciência sabe hoje, a resposta é não. Mas um dia essa interferência pode ser a única alternativa. E aí vai ser bom estarmos preparados.