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CNPq só conseguirá pagar 13% das bolsas aprovadas para cientistas em 2021

O corte é só o último capítulo da crise orçamentária na ciência brasileira – que pode ter consequências nefastas para o futuro do País.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 23 abr 2021, 15h07 - Publicado em 23 abr 2021, 12h11

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma das principais agências por trás do financiamento da ciência brasileira, só pagará bolsas a 396 dos 3080 dos doutorados e pós-doutorados que foram aprovados para 2021. Isso significa que só 13% dos projetos de pesquisa que preenchiam todos os pré-requisitos – e que, portanto, estão aptos a receber bolsas – de fato receberão.

O corte nas bolsas é reflexo da queda de 29% no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), pasta responsável pelo CNPq. A verba dedicada às bolsas caiu 12% de 2020 para 2021 (serão R$ 918 milhões neste ano).

Desses R$ 918 milhões, apenas R$ 362 milhões são verba garantida – o restante são os chamados créditos suplementares, que precisam ser aprovados pelo Congresso porque superam o teto de gastos. Em 2016, para fins de comparação, havia aproximadamente R$ 1 bilhão de verba garantida. Toda a verba para bolsas cai na parte discricionária dos gastos – ou seja, a parte que o governo pode cortar (salários de servidores públicos, por exemplo, são verba obrigatória, e portanto intocáveis).

“Esse cenário só atesta, mais uma vez, a situação precária em que se encontra o financiamento à pesquisa no Brasil”, afirmou o físico Sylvio Canuto, pró-reitor de Pesquisa da Universidade de São Paulo, ao Jornal da USP. “E isso é particularmente grave quando se percebe que a ciência é uma parte essencial da solução para essa situação dramática que estamos vivendo.”

Apesar do nome, as bolsas funcionam na prática como salários, já que o beneficiado é proibido de exercer outra atividade remunerada simultânea. Na maioria dos casos, os jovens pesquisadores não conseguiriam um emprego paralelo mesmo que quisessem, já que o tempo destinado à pesquisa equivale a trabalhar em período integral. Apesar da obrigatoriedade de dedicação exclusiva, os bolsistas não têm férias, décimo terceiro salário e outros benefícios trabalhistas.

O maior problema, porém, é o valor das bolsas, que não é reajustado desde 2013. No início da série histórica pós-Plano Real, em 1995, uma auxílio de doutorado do CNPq valia R$ 1.073; hoje, são R$ 2.200. Caso o valor tivesse acompanhado o INPC – usado normalmente para reajuste de salários –, a bolsa estaria em R$ 6.006. Muitos doutorandos não moram originalmente nas cidades em que ficam suas faculdades, e portanto não tem a opção de morar com os pais: precisam arcar aluguel e outras despesas básicas com os R$ 2.200.

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Existe um abismo entre a remuneração e a qualificação exigidos para o trabalho. Após terminar uma graduação em universidade pública que dura entre 4 e 6 anos, o pesquisador precisa encarar cerca de 3 anos de mestrado e 4 de doutorado. Supondo que ele ingresse na graduação com 18 anos, terminará esse percurso por volta dos 30. Em seus mestrados e doutorados, esses pesquisadores produzirão tanto ciência aplicada (por exemplo, desenvolvimento de novos fármacos) como ciência básica (por exemplo, a investigação de partículas subatômicas).

Nos dois casos, porém, o retorno para o País em longo prazo é imprescindível, já que novas tecnologias com impacto direto no cotidiano – e capazes de gerar crescimento econômico sustentável para o Brasil – só são possíveis caso haja, antes, um investimento em ciência básica. Um exemplo clássico: o GPS do seu celular só funciona graças às equações da Relatividade Geral de Einstein (entenda por que neste texto aqui).

A ideia de ganhar uma bolsa baixa em vez de buscar um emprego mais bem remunerado no mercado de trabalho evidentemente desestimula jovens de renda mais alta que teriam muito potencial no meio acadêmico – mas sequer consideram a carreira científica para lotar cursos mais tradicionais como Direito, Engenharia ou Medicina.

Na outra ponta, jovens de renda mais baixa – que só recentemente ganharam ingresso às universidades públicas graças à expansão da rede federal, cotas e iniciativas como o Sisu – não conseguem seguir a carreira acadêmica pela falta de segurança financeira (como saber se haverá bolsas?) e as políticas de permanência ainda insuficientes nas universidades (como arcar o aluguel, as contas e o transporte em uma cidade grande?).

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Além disso, o jovem de qualquer faixa de renda que termina o doutorado raramente terá oportunidades de trabalho condizentes com sua formação. Concursos públicos para cargos técnicos ou de docência e pesquisa em universidades públicas nem de longe absorvem todos os titulados. O setor privado (mesmo considerando empresas que põem dinheiro em C&T) em geral dá preferência a quem ingressou ainda jovem no mercado de trabalho, por meio de estágios ou programas de trainee.

Centros de pesquisa financiados pela União, como o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) ou o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) são uma opção, mas também sofrem com verba. Muitas vezes, a melhor saída é uma bolsa de pós-doutorado: receber um valor mensal do CNPq ou da Capes (a agência do MEC) por cerca de dois anos para realizar um projeto dentro de um grupo de pesquisa localizado nesses institutos ou em uma universidade pública. O pós-doutorado federal paga algo entre R$ 4.100 e R$ 4.400 (agências estaduais às vezes pagam mais).

As consequências de tudo isso são óbvias. Uma das principais é a famosa “fuga de cérebros”: os pesquisadores mais talentosos conseguem bolsas bem mais razoáveis em universidades estrangeiras, onde há laboratórios equipados e uma infraestrutura incomparável fornecida pelo setor público (geralmente em parceria com empresas privadas). Muitos não voltam: farão carreira lá fora.

Em longo prazo, o Brasil fica sem os alicerces da construção de um país sustentável – que exporte tecnologia, tenha uma indústria pujante e não dependa só de agricultura e flutuações no preço de commodities para impulsionar seu crescimento. Empresas como a Embrapa e a Embraer, que é um dos pilares da aviação de pequeno porte no mercado mundial, são exemplos do que a valorização de pessoal altamente qualificado pode fazer pelo País.

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Mais importante ainda, o Brasil fica sem capacidade de reação diante de uma catástrofe como a pandemia de covid-19. Sem investimento em ciência e tecnologia, não ficamos apenas atrás na corrida pela criação e fabricação de vacinas, respiradores e fármacos. Também perdemos uma chance de conscientizar a população sobre a importância da pesquisa – abrindo espaço para negacionismos que vão do terraplanismo à cloroquina.

Tudo isso aumenta o número de mortes desnecessárias e atrasa a recuperação econômica do país. A crise é inevitável, mas poderia ser atenuada com lockdown e vacinação bem-feitos. Como convencer alguém de que vale a pena dar ouvidos aos epidemiologistas? De que devemos apoiar e financiar centros de inovação importantes como a Fiocruz e o Butantan?

O apoio de uma parcela razoável da população à postura trágica e perigosa do governo federal diante do Sars-CoV-2 resulta de deficiências na educação básica e na divulgação do trabalho realizado nas universidades (dentre outros problemas). Nós precisamos respeitar e remunerar nossos cientistas, e melhorar a percepção pública da atividade científica – seja para sair do buraco em que estamos agora, seja para não cair em novos buracos no futuro.

 

 

 

 

 

 

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