Cientistas usam truques de mágica para investigar a mente de pássaros
Estudo comparou a reação de gaios e pessoas a ilusões que transferem objetos entre as mãos. Os pássaros não se deixaram enganar em duas situações, mas surpreenderam os cientistas em uma terceira. Entenda.
Ilusionistas exploram lacunas em nossa atenção e percepção para disfarçar movimentos que realizam diante de nossos olhos – como tirar uma moeda de trás da orelha. Nos últimos anos, cientistas perceberam que investigar por que somos enganados por truques de mágica pode ser um bom jeito de entender como nossa mente funciona. Mas e outros animais? Eles caem nos mesmos truques que nós?
É o que tentam descobrir alguns pesquisadores, como a equipe liderada pela professora Nicola Clayton, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Eles são responsáveis pelo primeiro estudo a comparar como animais e pessoas reagem a truques de mágica pensados para enganar humanos.
Os animais estudados foram os gaios (Garrulus glandarius), pássaros da família Corvidae, como corvos e gralhas. Eles foram escolhidos porque, como outros membros da família, demonstram habilidades cognitivas sofisticadas e são considerados relativamente inteligentes.
Os gaios escondem sua comida para recuperá-la mais tarde e, se outro pássaro estiver por perto, são capazes de fingir que usam vários esconderijos diferentes para que o observador não saiba qual é o verdadeiro. Esse é um exemplo de comportamento que demonstra como esses animais são capazes de se imaginar no lugar de outros seres vivos e identificar suas intenções – uma habilidade incomum na natureza, conhecida como teoria da mente.
Esse comportamento dos pássaros também indica que eles têm boa memória, importante para lembrar a localização dos esconderijos, e que eles são capazes de fazer planos para o futuro, garantindo refeições para mais tarde.
A pesquisa
Os cientistas analisaram como seis gaios (três machos e três fêmeas da mesma idade) reagiriam a truques de mágica. O estudo explorou três truques de mágica, que consistem em diferentes modos de transferir um objeto de uma mão para outra sem que o observador perceba ou de promover a sensação de transferência, mas não realizá-la de verdade. As reações dos pássaros foram comparadas com as de humanos.
O objeto em questão era uma pequena minhoca – uma guloseima capaz de despertar o interesse dos pássaros. Estes foram treinados previamente para indicar qual mão continha a recompensa, bicando determinado polegar do ilusionista.
Dois truques se baseavam na criação de expectativa do observador, que, a partir da aproximação das mãos e do movimento dos polegares do mágico, presume que o objeto foi ou não transferido.
Pelo menos é assim com um observador humano. Os gaios não se deixaram enganar nessas etapas, e os pesquisadores já esperavam isso – afinal, os pássaros não têm polegares nem as expectativas que nós temos sobre como as mãos funcionam.
A maneira como eles reagiram ao terceiro truque foi mais surpreendente. Ele consistia na transferência do objeto de uma mão para outra a partir de um passe rápido. Dessa vez, os gaios foram enganados – assim como os participantes humanos.
Os cientistas não esperavam isso. “Nosso sistema de visão não está adaptado para movimentos rápidos, mas os pássaros são especialistas em enxergá-los”, afirmou o pesquisador Elias Garcia-Pelegrin à New Scientist.
A equipe indica no estudo que as habilidades visuais dos pássaros fazem com que eles geralmente utilizem a visão monocular, com maior resolução – em vez da binocular, em que os movimentos de ambos os olhos são coordenados e se concentram no mesmo objeto ao mesmo tempo.
Segundo os cientistas, os gaios provavelmente observam o passe rápido com apenas um olho (a partir da visão monocular) e, assim, têm dificuldade de perceber os movimentos horizontais rápidos do truque e perdem a transferência do objeto. “Nossa hipótese é que, em vez de um ponto cego perceptivo, [o engano dos gaios está em] um ponto cego de atenção”.
Nicola Clayton já realizou outros estudos de truques de mágica com gaios, como um em que as guloseimas preferidas dos pássaros (queijo ou minhocas) eram escondidas sob xícaras, assim como um lanche menos apreciado – amendoins.
Quando os pássaros encontravam queijo ou minhocas debaixo de uma xícara quando esperavam amendoim, eles pareciam agradavelmente surpresos. Na situação contrária, até empurravam a xícara, movidos pela decepção. O estudo mostrou que os gaios têm expectativas baseadas na memória, que podem ser quebradas e levar à surpresa.
No futuro, Clayton e sua equipe esperam desenvolver mais estudos que investiguem como primatas e cefalópodes reagem a truques de mágica para descobrir como estes animais percebem o mundo a sua volta.