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Cientistas fazem o tempo correr ao contrário em laboratório

Só que a noção de “tempo” é mais complicada do que parece.

Por Ana Carolina Leonardi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 29 dez 2017, 15h15 - Publicado em 29 dez 2017, 15h15

A gente não costuma questionar o tempo. Muito menos parar para pensar que o tempo aponta para uma direção específica. Mas veja bem: o tempo como o conhecemos caminha em uma direção específica, do passado para o futuro, certo?

Ou melhor, somos nós que caminhamos sobre a dimensão do tempo, sempre em direção ao futuro e para longe do passado. Mas isso é um papo para outros textos (que já existem aqui no site da SUPER). O assunto agora é que fizemos o tempo dar ré. Conseguimos, em laboratório, fazer o tempo correr na direção oposta.

Como? Vamos explicar em detalhes nos próximos parágrafos. Primeiro, calma: você precisa ter em mente que que o tempo não é um conceito concreto, pré-existente. Nós só deduzimos que o tempo existe porque observamos, no Universo, as coisas mudando a partir de uma condição inicial. O ponto zero da sua vida é seu nascimento, e o tempo se desloca na direção do seu envelhecimento. A mesma coisa acontece com o Universo, para o qual o ponto zero é o Big Bang.

O problema é que não precisava, necessariamente, ser assim. O tempo poderia se mover na direção oposta. Ou então ir e voltar, sem ter que se comprometer a ser uma via de mão única. Há inclusive quem defenda que, quando nosso Universo nasceu, surgiu também um Universo gêmeo invertido, onde o tempo corre ao contrário.

O estudo que fez o tempo andar para trás não falava de nada disso. O tema dele era energia. Isso porque uma das formas de definir a direção que o tempo corre, segundo a ciência, é olhar para a forma como a energia se movimenta no nosso Universo.

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Esse movimento, você sabe, têm regras. Pense nas leis da termodinâmica: uma xícara de chá quente, no meio de uma sala fria, só pode esfriar, perdendo calor para o ambiente. Você jamais vai ver a xícara esquentar mais, roubando calor da sala. A tendência inexorável de um objeto quente é esfriar.

O fluxo de energia, nesse sentido, também é de mão única, tão irreversível quanto a passagem do passado ao futuro. Na prática, então, o fluxo de energia é o tempo, ou o que os cientistas chamam de “flecha do tempo” (flecha porque a ponta aponta para um lado só, com o perdão da piada de Tio do Pavê).

Ufa. Agora que chegamos até aqui, podemos finalmente falar da descoberta. O estudo foi feito com uma molécula extremamente banal: o clorofórmio, aquele mesmo dos filmes de sequestro. Ele é composto por um átomo de carbono, ligado a um de hidrogênio e três átomos de cloro.

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O próximo passo dos cientistas foi manipular esses átomos um por um. Para isso, a molécula foi colocada em acetona e um campo magnético fortíssimo alinhou cada um dos núcleos desses átomos. E aí, lentamente, os pesquisadores aumentaram a temperatura em alguns dos núcleos usando ressonância magnética nuclear.

Voltando ao nosso exemplo da termodinâmica, conforme um núcleo esquenta, ele deveria transferir energia para os seus vizinhos mais frios até que todas as partículas estivessem na mesma temperatura, certo? Assim, estariam seguindo a flecha do tempo, na direção correta.

Mas estamos falando de partículas. E entra aí o maravilhoso mundo da física quântica. Durante os testes, os pesquisadores manipularam as partículas para conseguir que elas se correlacionassem. A forma mais famosa (mas não a única!) de correlação quântica é o entrelaçamento (leia mais sobre ele aqui) no qual se criam duas partículas “gêmeas”, uma capaz de refletir a perturbação que a outra recebe, mesmo que cada uma esteja em um canto diferente do Universo.

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Quando a correlação quântica entrou em jogo, os cientistas viram as regras mudarem. As partículas nos núcleos de hidrogênio, quando aquecidas, ficavam progressivamente mais quentes. As do núcleo de carbono, progressivamente mais frias. É como se nossa xícara do nosso exemplo continuasse a aquecer, graças ao calor fornecido pela mesa fria, que fica cada vez mais gelada.

Em uma escala minúscula, portanto, invertemos a flecha do tempo. O calor caminhou ao contrário, fluindo espontaneamente do sistema mais frio para o mais quente, o que não faz sentido algum no mundo macroscópico. E assim, do ponto de vista da energia, o tempo andou para trás.

Ainda falta entendermos muita coisa sobre o que acontece no misterioso estado quântico – e como ele se relaciona com as regras do nosso mundo macroscópico, como as que governam calor e energia em geral. O estudo (que está disponível pré-publicação arXiv.org) traz uma contribuição curiosa exatamente para esse campo, mostrando como o mundo das partículas “reinterpreta” a termodinâmica como a conhecemos.

Mas, quando colocamos o fator tempo na história, a coisa ganha um significado ainda maior – e certamente mais filosófico.

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