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Cientistas convertem sangue tipo A em tipo O – que é doador universal

O processo, revolucionário para a medicina, usa bactérias do intestino para "neutralizar" o sangue do doador – e torná-lo compatível com o do receptor.

Por Ingrid Luisa
Atualizado em 13 jun 2019, 19h49 - Publicado em 13 jun 2019, 19h42

A compatibilidade sanguínea é um fator chave para o sucesso de procedimentos médicos complexos. Data de 1667 a primeira transfusão sanguínea da história: o médico francês Jean-Baptiste Denys, que atendia figuras ilustres como o rei Luís XIV, transferiu sangue de ovelha para um menino de 15 anos. Surpreendentemente, o menino não morreu: a quantidade foi pequena e o corpo dele conseguiu resistir aos problemas causados pelo sangue do outro mamífero.

Pena que só deu certo com esse menino, mesmo: óbitos decorrentes de transfusões mal sucedidas eram comuns. Em 1901, o imunologista austríaco Karl Landsteiner descreveu um dos fatores responsáveis por tantos fracassos: existem três tipos diferentes de sangue (A, B e O), e eles não podem ser misturados. Mais tarde, outros pesquisadores atestaram que existia mais um tipo, o AB, e aí nascia oficialmente o sistema ABO.

Beleza, mas por que estamos voltando a aula de biologia do ensino médio? Bem, em um artigo publicado na revista Nature Microbiology, cientistas da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, conseguiram realizar um feito inédito: converter, utilizando enzimas naturais do intestino humano, o sangue tipo A em tipo O, que é doador universal.

Como o tipo A é o segundo mais comum do planeta (corresponde a cerca de 30% da população mundial), torná-lo compatível a todas as outros tipos sanguíneos poderia ser um alívio gigante a hemocentros e salas de emergência pelo mundo, que sofrem diariamente com a falta de estoque de bolsas com sangue, principalmente do tipo O.

Você pode estar se perguntando: como eles conseguiram fazer isso? Para entender como essa façanha foi possível, vamos voltar aos conceitos do sistema ABO.

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Revertendo sangues

O pulo do gato das transfusões sanguíneas está nos antígenos e anticorpos característicos de cada sangue. Vamos explicar melhor. Lembra das hemácias – também conhecidas como glóbulos vermelhos? Elas são as células do sangue responsáveis por carregar o oxigênio para as várias partes do corpo. Dependendo do tipo sanguíneo, essas células são envoltas por açúcares (glicoproteínas e carboidratos como a galactose) específicos.

Se você injeta o sangue de um tipo em uma pessoa cujo sangue é de outro tipo, esses açúcares estranhos vão acionar um alarme no sistema imunológico da pessoa que recebeu a doação. As células de defesa dela vão atacar o sangue novo. E aí… adeus vida cruel.

O sangue tipo O é o doador universal justamente porque suas hemácias estão livres desses açúcares – ou seja, não estimulam células de defesa de nenhum tipo sanguíneo. Se todas os tipos possuíssem hemácias como as do tipo O, as transfusões seriam bem mais simples. Acontece que o processo atual para tirar os açúcares das hemácias vindas de outros tipos sanguíneos (isto é, neutralizá-las) tem custos elevadíssimos e nem sempre eram eficientes. Até agora.

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Calhou que a resposta estava o tempo inteiro na nossa microbiota intestinal. Os pesquisadores notaram semelhanças entre alguns açúcares presentes no sistema digestório e os encontrados em células de sangue tipo A. Com base nisso, resolveram testar se as enzimas das bactérias do intestino que digerem esses açúcares conseguiriam, também, destruir os açúcares das hemácias tipo A.

Nos testes, duas das enzimas resultantes do processo de digestão natural (reproduzido in vitro) conseguiram quebrar eficientemente os açúcares das células do sangue tipo A, desde que trabalhassem simultaneamente. A técnica, segundo os pesquisadores, poupa tempo e recursos. E os resultados se mostraram promissores.

Esse foi o primeiro estudo científico que encontrou essa correlação e conseguiu “converter” um tipo sanguíneo. Os cientistas afirmam que mais pesquisas precisam ser desenvolvidas para aprimorar esse processo de mudança do sangue – e, quem sabe, torná-lo o clinicamente viável para milhões de pessoas que precisam.

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