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Ciência do desejo

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 31 Maio 1996, 22h00

Rosângela Petta

Para os namorados que este mês estão celebrando a paixão, a atração física é um botão mágico que só o amor é capaz de ligar. Mas, para os cientistas, o desejo sexual não tem tanto romantismo. Trata-se de um processo bioquímico que desequilibra rapidamente todo o corpo, diagnosticável por vários sintomas. A gente não consegue tirar os olhos “daquela” pessoa, o coração dispara, as mãos suam, dá vontade de falar pelos cotovelos, as pernas ficam meio bambas, a fome desaparece e é preciso suspirar profundamente para respirar melhor. Tudo isso acontece porque o cérebro derrama uma overdose de substâncias euforizantes no organismo quando pinta o interesse por alguém. Toda essa agitação depende de fatores psicológicos, que variam de um indivíduo para outro, para ser detonada. Em comum, porém, todos nós temos um coquetel de libido prontinho para explodir.

O corpo entra num “estresse do prazer”

A ciência sempre estudou a sexualidade a partir da fisiologia dos órgãos genitais, indo diretamente ao assunto. Pesquisas sobre o que ocorre antes do ato sexual geralmente ficavam a cargo de estudos sobre o comportamento. Só ao longo dos últimos quinze anos, quando foram feitas novas descobertas sobre o cérebro e isoladas substâncias que enviam mensagens de um neurônio a outro, por isso mesmo chamadas de neurotransmissores, é que se notou um paralelo do estresse com as reações que envolvem a excitação. “Ainda não há trabalhos específicos, mas hoje se sabe que o simples fato de pensar na pessoa amada pode promover uma série de alterações orgânicas”, diz Margareth Rose Priel, do departamento de neurologia experimental da Universidade Federal de São Paulo.

Essas substâncias do assanhamento agem muito rápido, ao mesmo tempo, cada qual com efeitos colaterais específicos (veja o infográfico acima). Até atingir as glândulas que regulam o aparelho reprodutor, esses neurotransmissores vão espalhando impulsos elétricos pelos terminais nervosos e levando o corpo inteiro a um estado de estresse. Mas ninguém morre de tesão, pelo menos não ao pé da letra. Quando a excitação não se resolve com a relação sexual, entram em ação soluções compensatórias, que dão outro tipo de prazer para reorganizar o organismo, como comer ou dançar. Pode-se até mesmo cortar o impulso erótico apenas pensando que é melhor ir dormir cedo para fazer uma prova no dia seguinte – uma mudança de planos regida pelo córtex cerebral, a fina camada que envolve o encéfalo.

Diferente dos animais

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“O sistema nervoso funciona no esquema de excitação e inibição”, explica Priel, “mas tudo passa pelas análises feitas no córtex. A despeito de dar tanta capacidade de conhecimento pra gente, na verdade ele é um grande inibidor. Coloca o instinto em segundo plano, diferenciando o ser humano dos animais”. É o que acontece com o olfato. Embora ele seja o sentido mais primitivo de todos, fundamental para qualquer animal detectar a proximidade da caça ou da fêmea no cio, no homem ele acabou ficando menos potente ao longo da evolução. Não somos mais capazes de sentir o perigo só pelo cheiro.

É interessante notar que nem sempre essa empolgação neurológica está associada ao sexo. Pode-se ficar excitado pelo trabalho, pelo sabor de uma comida, pelo som de um show de rock e até por idéias tiradas de um livro sobre filosofia. “Nesses casos, são essas mesmas substâncias que estão sendo mobilizadas”, diz a neurologista. “A diferença é que o tesão sexual é muito forte. Em termos de promessa de satisfação a curto prazo, é mais poderoso do que matar a fome ou a sede. Depois de uma relação sexual há uma grande liberação de endorfina, um neurotransmissor com efeito semelhante ao ópio, que tira a dor e proporciona um profundo bem estar. Em exercícios físicos, ela leva meses para ser ativada, e é por isso que a maioria das pessoas começa a fazer ginástica e larga logo. Por outro lado, a endorfina auxilia no trabalho de parto, daí o chamado ‘estado de graça’ das mães que acabam de dar à luz”.

Sem hormônios sexuais, nada feito

Enquanto os neurotransmissores levam mensagens de um neurônio a outro, os hormônios caem na corrente saguínea para chegar ao órgão-alvo. Por isso, são um pouco mais lentos que os primeiros. Em compensação, sem hormônios sexuais amadurecidos – nos testículos dos garotos a partir dos 11 anos e nos ovários das meninas desde os 9 ou 10 anos de idade –, nada feito. “Uma pessoa estará pronta para sentir atração física quando atingir a puberdade”, conta o endocrinologista Geraldo Medeiros Neto, da Universidade de São Paulo. “Nessa época os hormônios sexuais ficam maduros, o que é fácil de perceber pelo cheiro provocado pelo glândulas sudoríparas. Crianças não têm cheiro forte de suor.”

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Com ou sem tesão, esses hormônios são secretados todos os dias pelas glândulas sexuais, viajam pelo sangue, são metabolizados no fígado e, finalmente, eliminados na urina. Mas se uma pessoa tem alguma queda na produção deles, não há estímulo que leve à excitação. Esse estoque de libido, ou desejo sexual, diminui um pouco na mulher a partir da menopausa, período em que cessa o ciclo menstrual e quando é preciso repor o estoque do hormônio feminino estrógeno. Nos homens, a produção de testosterona é constante. Para ambos os sexos, porém, há outros tipos de interferência que podem baixar sensivelmente a bola do desejo.

Medicamentos para dormir, contra a ansiedade e a hipertensão contêm substâncias que levam ao relaxamento da musculatura e das artérias, diminuindo a ação daqueles neurotransmissores euforizantes. “Os anabolizantes tomados nas academias de musculação também bloqueiam a função da hipófise, a glândula que rege a produção de hormônios sexuais, e chegam a atrofiar os testículos”, diz o endocrinolista. “Há uma perda da libido, o rapaz fica indiferente a estímulos que provocariam excitação”.

Hipertesão é caso raro

É o que também ocorre em casos mais graves como o aparecimento de um tumor cerebral. “Acontece que o organismo luta permanentemente para se reequilibrar”, avisa Medeiros Neto. “Castrados, por exemplo, conseguem ter ereção porque, na ausência dos testículos, as glândulas supra-renais produzem uma quantidade maior de outros hormônios masculinos, como o Delta-4.” O outro extremo, o hipertesão, é raro. “Até hoje só atendi um caso, o de um rapaz com lesão do sistema límbico causado num acidente de trem”, conta Margareth Rose Priel. “Ele passou a ter atitudes muito primitivas, levando tudo à boca, querendo copular continuamente. Perdeu a capacidade de discriminação”. A neurologista pondera que as observações sobre as reações orgânicas da excitação ainda têm muito chão pela frente. “Todas essas substâncias surgiram no meio de pesquisas sobre o funcionamento cerebral à luz das doenças. A ciência foi estudar os distúrbios do sono e a depressão e encontrou a serotonina, substância que leva à falta de apetite sexual. No caso da epilepsia, descobriu o aumento de aminoácidos excitatórios, que incitam o desejo.”

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O desejo explode primeiro na cabeça

Para entrar em estado de tesão basta sentir um estímulo que se associe a uma situação prazerosa guardada na memória. Veja aqui as etapas do despertar do desejo.

1 – Os estímulos chegam ao cérebro através dos cinco sentidos ou provocados pela imaginação.

2 – O cérebro tem áreas específicas para receber esses estímulos.

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3 – Cada informação é buscada no arquivo de coisas agradáveis e desagradáveis guardadas no sistema límbico, região também ligada aos instintos.

4 – O córtex cerebral analisa o “relatório” do sistema límbico e toma (ou não) a decisão de liberar as substâncias que vão excitar o sistema nervoso.

O sistema nervoso se excita em milésimos de segundo

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Milhões de neurônios derramam substâncias euforizantes no cérebro.

Lenha na fogueira

O glutamato, um neurotransmissor do grupo dos aminoácidos excitatórios, se encontra em várias partes do encéfalo, mas em maior concentração no córtex cerebral e no sistema límbico, a parte mais primitiva do órgão. Seu papel é simplesmente excitar o próximo neurônio.

Olhos nos olhos

A acetilcolina é uma substância que aparece na chamada formação reticular, conjunto de núcleos que estão no tronco cerebral. É ela quem faz a gente fixar a atenção em determinada pessoa o tempo todo, em estado de alerta. Também é liberada em termninações nervosas periféricas, levando à ereção e à produção de suor.

Dando bandeira

Quando alguém fica ofegante, com as pupilas dilatadas e meio pálido numa paquera, pode ter certeza: é a noradrenalina que entrou em ação. Esse neurotransmissor mora na ponta central do tronco cerebral e nas terminações nervosas periféricas. Seu papel é empurrar sangue para os músculos, contraindo os vasos sanguíneos.

Como uma droga

A dopamina é fabricada numa pequena região cerebral chamada substantia nigra e arredores. Suas moléculas têm um comportamento parecido com as da cocaína. Resultado: euforia, fluidez da fala e um tremendo descontrole motor que se traduz em gesticulação excessiva e tremor nas pernas.

Outro tipo de fome

Secretada pelas glândulas supra-renais, a adrenalina é um hormônio que acaba denunciando a pessoa que sente tesão: causa arrepio, aumenta o batimento cardíaco e a pressão arterial e ainda libera reservas de glicogênio do fígado, cortando o apetite do apaixonado.

A atração física precisa de um kit básico

São as glândulas endócrinas que preparam o organismo para desenvolver a vontade

Onde tudo começa

O hormônio luteinizante, fabricado na hipófise, é o responsável pelo desencadeamento da maturidade sexual tanto nos homens quanto nas mulheres. Ele também regula a ovulação e estimula os hormônios sexuais guardados nos órgãos genitais.

Típico de homem

Embora também esteja presente em pequeníssima quantidade nos ovários, é nos testículos que se produz a testosterona, o principal hormônio sexual masculino. Além de reger a atividade sexual do homem, também é responsável pelo crescimento.

Afrodisíaco natural

Desde 1993 a ocitocina, fabricada no hipotálamo e guardada na hipófise, é tida como o hormônio do prazer. Quando cai na corrente sanguínea, sensibiliza os músculos, aumentando a intensidade do orgasmo pela contração muscular.

Coadjuvante amoroso

O cortisol, secretado pelas glândulas supra-renais, acaba influindo no tesão por tabela. Seu papel é estimular a produção de insulina, hormônio presente do pâncreas que quebra açúcar do sangue e dá energia. O cortisol, portanto, dá o maior pique e também eleva a presão arterial.

Coisas de mulher

O estrógeno e a progesterona são hormônios sexuais femininos produzidos nos ovários. O primeiro desenvolve os órgãos genitais femininos e atua no ciclo menstrual. A segunda governa o crescimento do útero.

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