Cada vaca tem um mugido único para se comunicar com o rebanho
Cientista passou cinco meses no pasto munida de equipamentos sensíveis para captar os sons emitidos pelos bovinos — e descobriu que nenhum tem a voz igual a do outro.
Tente se lembrar da última vez que você esteve no campo em meio ao gado. Além do característico cheirinho de estrume no ar, outro traço marcante dessa experiência rural é aquela sinfonia de “muuuus” que mais parecem uma competição entre os animais para ver quem grita mais alto. Ao ouvido humano, os barulhos soam simplórios, indistintos. Mas um estudo recente revelou que cada vaca tem a própria voz, e ela persiste em várias situações.
Segundo um artigo publicado na revista Nature, os bovinos têm individualidade nas vocalizações que utilizam para se comunicar com os colegas de rebanho. Essa constatação já era conhecida pelos cientistas, mas só parcialmente. Sabia-se que ela ocorria entre as vacas e seus bezerrinhos, para que as mamães possam identificar seus filhotes chamando. A nova pesquisa confirmou que ela também vale para outros aspectos.
Quem liderou o estudo foi Alexandra Green, doutoranda na Universidade de Sydney. Ela passou cinco meses embrenhada num pasto vizinho à faculdade coletando os sons das vaquinhas com um headphone e um microfone de boom — aquele que tem a ponta comprida e peluda. Ao todo, Green e seus colegas captaram 333 sons de alta frequência emitidos por 13 vacas diferentes.
Outra medida tomada pelos cientistas foi avaliar as vocalizações em diversas situações, algumas classificadas como “positivas”, outras consideradas “negativas”. Contextos como a expectativa de uma refeição fazem parte do primeiro grupo, enquanto a privação de comida ou o isolamento do grupo foram enquadrados no segundo. Com o rico acervo de mugidos formado, os pesquisadores usaram programas de análise acústica para extrair os detalhes.
Ficou evidente que cada vaca apresentava suas próprias marcas vocais, tão particulares que Green conseguia reconhecer cada animal só de ouvir seu “muu”. E esse traço, inclusive, se manteve tanto nos casos em que elas estavam animadas quanto nos que estavam angustiadas. Diante de tudo isso, os cientistas concluíram em seu artigo que é “bem provável” que os membros do rebanho também se reconheçam pela voz.
Os resultados deixam claro algo que pesquisas anteriores já haviam apontado: vacas são criaturas profundamente sociais e de comportamento complexo. Seus rebanhos costumam seguir hierarquias, elas sofrem consequências duradouras quando separadas da mãe ainda filhotes e aprendem melhor quando estão em grupo. A descoberta de que elas vocalizam sua individualidade por toda a vida reforça a necessidade de repensar práticas degradantes da pecuária industrial — para que as vaquinhas possam viver (e conversar) com dignidade.