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Brasileiros descobrem “cadáver” de estrela com rotação de apenas 29,6 segundos

Para cada giro da Terra em torno de seu próprio eixo, essa estrela dá três mil voltas em torno de si mesma, o que a torna a recordista entre as anãs-brancas conhecidas.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 16 ago 2022, 13h37 - Publicado em 14 ago 2020, 19h27

A Terra demora 24 horas para dar uma volta completa em seu próprio eixo – é por isso que um dia tem essa duração. É um tempo curto se se comparado com o da Lua, que leva 27 dias para rodopiar, ou o do Sol, que precisa de 24 dias para completar o giro (considerando seu equador – o tempo varia dependendo do local na superfície da estrela). Nenhum desses três chega perto de bater o mais novo recorde cósmico: uma equipe de cientistas brasileiros identificou uma estrela que completa sua rotação em apenas 29,6 segundos, o menor tempo entre todas as estrelas anãs-brancas conhecidas.

A estrela em questão está a uma distância de 850 anos-luz do Sol, o que, em termos astronômicos, é muito pouco. Essa nossa vizinha cósmica foi estudada por cinco pesquisadores, sendo quatro deles de instituições brasileiras, em uma colaboração que coletou dados com o telescópio espacial XMM-Newton, da Agência Espacial Europeia (ESA), e com o telescópio Zeiss do Observatório do Pico dos Dias (OPD), localizado em Minas Gerais e gerenciado pelo Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). Os resultados foram publicados no periódico The Astrophysical Journal Letters.

A protagonista do estudo, como já dissemos, é uma estrela do tipo anã-branca. Anãs-brancas são um dos possíveis estágios finais de estrelas no Universo, e também o mais comum. O nosso Sol, por exemplo, se tornará uma anã-branca daqui uns 5 bilhões de anos, mais ou menos. Por “estágio final”, entenda: uma anã-branca é o cadáver de uma estrela com até dez vezes a massa do Sol. É o que resta depois que elas não conseguem mais produzir energia e começam a esfriar.

Vamos entender melhor essa “morte”. O Sol gera energia graças a um processo chamado fusão nuclear, em que átomos de hidrogênio são combinados e dão origem ao elemento hélio, um átomo mais pesado. Acontece que, uma hora, esses átomos de hidrogênio que abastecem o processo vão acabar, e o Sol começará a fundir o hélio – produzindo carbono, que é ainda mais pesado.

Átomos mais pesados exigem mais energia. Conforme subimos na tabela periódica, a vida da estrela fica mais e mais difícil. Eventualmente, sua temperatura, apesar de muito alta, não é alta o suficiente para manter a usina de fusão no núcleo em pleno funcionamento. 

O problema é que a fusão nuclear é o que mantém a estrela em pé – a energia resultante da fusão dos átomos faz um contraponto à força da gravidade no centro da estrela, que puxa tudo para dentro. Sem a fusão, a gravidade vence esse cabo de guerra e a estrela entra em colapso: suas camadas mais externas são ejetadas no espaço em uma violenta explosão.

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Resta um remanescente do tamanho da Terra, mas muito mais denso e pesado. É o antigo miolo da estrela, comprimido pela própria gravidade, e incapaz de realizar fusão para compensá-la. A esse “cadáver”, resta apenas esfriar e esfriar. Isso é um anã-branca. E esse é o destino do nosso Sol.

Não só dele. 97% das estrelas da Via Láctea terão ou já tiveram esse destino. Algumas outras estrelas, por terem mais do que dez vezes a massa do Sol, passam por um processo diferente e resultam nas chamadas estrelas de nêutrons depois que o combustível para a fusão nuclear se esgota. Por fim, estrelas muito massivas podem dar origem a buracos negros quando “morrem”, mas isso é uma outra história.

A anã branca do novo estudo, então, é o que sobrou de uma estrela que já foi parecida com o Sol há muito tempo. Assim como todas anãs brancas, ela é muito densa: seu volume é comparável com o da Terra, mas sua massa é quase a mesma do Sol (que é muito maior). Mantendo essa proporção, é como se uma caixa de fósforo tivesse aproximadamente 25 toneladas de matéria.

Mas essa anã branca é especialmente rápida quando se trata de girar em torno de si própria: seu período de rotação é de apenas 29,6 segundos, recordista entre todas as anãs brancas conhecidas (até então, quem levava o posto era uma anã-branca que completava sua volta em 33 segundos). Isso significa que, no mesmo tempo em que a Terra realiza uma volta em torno do seu próprio eixo, a estrela estudada gira três mil vezes.

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Mas o que explica essa velocidade tão singular? Um diferencial dessa anã branca é que ela não está sozinha: há uma outra estrela parceira que se movimenta junto dela, formando um sistema binário chamado CTCV J2056-3014. A parceria entre as duas vai além de uma mera companhia: a anã branca está “sugando” material da estrela vizinha.

Você pode entender melhor na imagem que abre a matéria. Nessa ilustração, a anã branca está no centro de um disco que é formado pela matéria que vem da outra estrela. Esse material é incorporado, em partes, pela anã branca. É esse fluxo de matéria que dá uma mãozinha para a anã branca e a faz girar tão rapidamente.

“Imagine a anã branca como um spinner“, explica Raimundo Lopes de Oliveira Filho, professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e um dos autores. “Para o spinner girar, você tem que empurrá-lo com o dedo. No caso do sistema binário, o que faz a anã branca girar é a matéria da outra estrela que caí em direção da anã branca e interage com as linhas do seu campo magnético.”

O campo magnético da anã branca estudada é fraco em comparação ao de outras estrelas do seu tipo, o que  ajuda a explicar por que ela gira tão rápido. Se o campo magnético fosse mais forte, ele diminuiria a influência da matéria que vem da outra estrela.

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São poucas as anãs-brancas conhecidas que têm períodos de rotação com menos de 100 segundos  – no caso das anãs-brancas que estão isoladas no Universo, o giro pode levar dias. Outras anãs brancas em sistemas binários têm períodos de rotação na faixa dos minutos ou horas – o que já é estonteante, mas não tão rápido quanto a anã branca do CTCV J2056-3014. 

Além da rotação insana e do campo magnético débil, o sistema estudado tem ainda uma terceira peculiaridade: ele emite poucos raios X comparado com seus semelhantes. É até estranho que um sistema tão peculiar tenha sido identificado tão perto da Terra, na nossa “vizinhança” cósmica, mas os pesquisadores acreditam que talvez o sistema não seja tão raro assim.

Na verdade, estudos anteriores já haviam indicado que sistemas de baixa emissão de raios X existem em abundância pelo Universo, mas são difíceis de identificar exatamente porque emitem pouca radiação – que é um dos sinais que conseguimos captar aqui na Terra. O próprio CTCV J2056-3014 passou muito tempo despercebido mesmo estando perto de nós, o que indica que vários outros estão espalhados por aí sem serem notados. “Nós acreditamos que esse sistema é a ponta de um grande iceberg”, explica Raimundo.

Além dele, assinam o estudo os pesquisadores Albert Bruch, do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), Claudia Vilega Rodrigues, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Alexandre Soares de Oliveira, da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), e Koji Mukai, da Nasa e da Universidade de Maryland em Baltimore.

 

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